Na abertura de “Eu, Daniel Blake”, um diálogo se sobressai enquanto a tela permanece escura. Um homem conversa com a médica, que faz uma bateria de perguntas sobre sua saúde, enquanto tudo que ele quer saber é como está o coração, que sofreu recentemente um enfarte. É o início da jornada dantesca que o personagem que dá nome ao filme vai sofrer: uma luta diária contra a burocracia que faz da vida de um trabalhador comum um inferno.
Muitos brasileiros seguramente vão se identificar com a situação, porém, a ação se passa em um país de primeiro mundo, a Inglaterra. Quem dirige o filme, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes no ano passado e que está em cartaz em Curitiba, é Ken Loach, diretor conhecido por seus filmes com forte carga política e social, focados especialmente na classe trabalhadora britânica.
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Daniel Blake (Dave Johns) é um marceneiro que sofre um ataque cardíaco e, por orientação médica, fica impedido de trabalhar. Ele pede então o auxílio-doença do governo, que lhe é recusado porque ele “não atingiu a pontuação necessária”. “Isso é um jogo?”, pergunta o trabalhador após ficar horas pendurado no telefone ouvindo a música de espera até ser atendido (quem nunca?). Ele pode recorrer da negativa governamental, mas para isso precisa receber um telefonema, preencher os formulários devidos, enfrentar filas...
Daniel parte então para o plano B: solicitar o seguro-desemprego, o que é uma tarefa tão ou ainda mais hercúlea do que a anterior. O cenário não é diferente daquele que muitos de nós encaramos rotineiramente: repartições lotadas, atendentes com discursos decorados, que mandam de um lugar para outro, em uma sequência infindável de exigências e procedimentos. Pesadelo ainda maior para o personagem, que, de idade avançada, jamais usou um computador na vida.
Em sua jornada kafkiana, Daniel Blake encontra uma parceira (entre tantos), Katie (Hayley Squires), mãe solteira de dois filhos que acaba de chegar de outra cidade e não consegue receber ajuda financeira porque chegou alguns minutos além do horário que havia sido previamente agendado. No início, as desventuras de Daniel e Katie até tem momentos de humor. Mas é como um perrengue pelo qual passamos e vamos levando na esportiva, até que a coisa vai ficando cada vez mais séria e se encaminhando para um beco sem saída.
É comum ouvir por aqui expressões do tipo “só no Brasil mesmo” ou “lá fora é que as coisas funcionam”. Ken Loach e “Eu, Daniel Blake” mostram que a realidade no primeiro mundo pode não ser tão colorida como costuma-se pintar. Quando se trata de burocracia, direitos do trabalhador, dependência do poder público, o drama dos menos favorecidos é universal. Pode não ser toda essa tragédia que o cineasta pinta? Claro, afinal de contas, estamos falando de cinema. Mas que atire a primeira pedra quem nunca se sentiu, pelo menos um dia, na pele de Daniel Blake, um refém do Estado e suas engrenagens enferrujadas.
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