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CINEMA

Sofia Coppola ‘esquece’ da questão racial ao tratar da Guerra Civil dos EUA

Com estilo característico, Sofia encontrou uma forma de marcar a personalidade de cada uma das sete mulheres do filme | Reprodução
Com estilo característico, Sofia encontrou uma forma de marcar a personalidade de cada uma das sete mulheres do filme (Foto: Reprodução)

O Estranho que Nós Amamos, que estreou na última quinta-feira (10) nos cinemas, é uma nova versão da novela The Beguiled, de Thomas Cullinan. Mais do que isso, o filme de Sofia Coppola propõe um contraponto à adaptação dirigida por Don Siegel em 1971: a diretora de Encontros e Desencontros (2003) e Um Lugar Qualquer (2010) mergulhou na trama que se passa durante a Guerra Civil norte-americana (anos 1860) propondo uma reinterpretação dos fatos narrados, alterando, ainda que sutilmente, as motivações dos personagens e as relações de causa e consequência de seus atos.  

O novo filme tem Colin Farrell como o cabo "ianque" John McBurney, vivido anteriormente por Clint Eastwood. Ferido em combate, ele é recolhido em um internato feminino isolado no meio do Louisiana, onde vivem algumas jovens cheias de energia reprimida e uma diretora linha-dura (Nicole Kidman, no papel que antes fora de Geraldine Page).

Ele é inimigo daquelas mulheres sulistas, filhas e parentes dos combatentes do lado confederado, mas, como Siegel demonstrou em boa parte de sua vigorosa obra, o amor não costuma se explicar de maneira lógica e objetiva. Com maior ou menor intensidade, de formas diferentes entre si, elas se afeiçoam por ele, como indica o próprio título, e a competição estabelecida terminará em tragédia.  

Sofia relativiza a culpa delas, ressaltando a dubiedade de suas escolhas diante do ocorrido (sobre o qual é melhor não falar mais para não estragar a fruição). A intenção é apresentar um olhar mais feminino, por assim dizer, sobre a situação, sem retirar de McBurney o caráter sedutor - muito embora Farrell não dê conta dessa "função dramática" de seu personagem, ao menos com o vigor demonstrado por Eastwood.

Dramaturgia sutil

Antes e também agora, ele as conquista. No novo filme, os flertes são mais discretos e há menos sonhos eróticos, o que faz com que as relações se estabeleçam de maneira mais sutil e romantizada. O que não significa que as novas imagens tenham mais complexidade e força, muito pelo contrário.  

Siegel não chega a demonizar as garotas, mas Sofia as olha com um tanto mais de generosidade. A pequena Amy (Oona Laurence) tem ressaltada sua doçura, enquanto Edwina (Kirsten Dunst), braço-direito da diretora, surge mais nuançada - ainda é uma sonhadora, mas não tão idealizada. Até Alicia (Elle Fanning), que talvez seja a personagem que menos mudou na comparação com sua versão no filme anterior, tem mais espaço para aparecer.

Aspecto racial

Sofia demonstrou ousadia ao mexer deliberadamente em um clássico. Ponto para ela. O principal problema é que, focando nos aspectos de gênero suscitados pela história, ela deixou de lado outros elementos importantes de sua dramaturgia. A questão racial, sobretudo.  

A escrava do internato não existe no novo filme, muito menos a relação de abusos e incesto entre ela, a diretora da instituição e o irmão desta - que também sumiu nesta versão atualizada. The Beguiled é um livro importante no contexto dos góticos sulistas do século 20 - subgênero que narrou, com pitadas de fantasia, as tensões raciais dessa região dos EUA nos séculos anteriores. 

É uma trama sobre homens e mulheres, mas também sobre brancos e negros, senhores e escravos. Sobre as relações de poder como um todo. Vislumbrando-as assim, de maneira limitada, o resultado não pode ser outro senão limitado. Sofia ganhou um surpreendente prêmio de melhor direção no Festival de Cannes por este que é, a rigor, um de seus filmes menos interessantes.

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