Durante uma consulta médica, Eric Cartman é informado sobre sua péssima condição física. O garoto, acompanhado pela sua mãe, não se importa muito com o diagnóstico. Até que o doutor menciona a semaglutida, nova droga que poderia emagrecer o menino de South Park sem grandes esforços. Imediatamente, Cartman começa a imaginar o número de amiguinhos que conseguiria provocar e insultar sem ter de ouvir como resposta “e você é uma baleia!”. Apenas por vislumbrar esse cenário, ele se anima em encarar as picadas de Ozempic, o mais famoso remédio da classe. Mas aí vem a notícia ruim: o troço é caríssimo, não acessível para sua pobre mãe, nem mesmo acionando seu plano de saúde.
Assim começa o novíssimo especial South Park: O Fim da Obesidade, disponível para assinantes do Paramount+ desde o último sábado. Integrante do contrato de quase 1 bilhão de dólares fechado pelos criadores Trey Parker e Matt Stone em 2021 com o Comedy Central, o filme de 50 minutos é mais um com a marca South Park a zombar de algum modismo, com um nível crítico que outros humorísticos não ousam beliscar. A grande crueldade da obra é que, enquanto Cartman sonha com as injeções que o permitiram xingar o mundo sem ser contra-atacado pelo seu peso, as mães dos meninos ricos da cidade estão todas viciadas em espetar Ozempic na barriga para eliminar “aqueles cinco quilinhos a mais”.
Parker e Stone aceleram no sarcasmo ao inventar uma alternativa oferecida pelos médicos para quem não tem grana para comprar semaglutida. Trata-se de uma droga chamada Lizzo, que faz a pessoa baixar suas expectativas sobre perda de peso e a aceitar sua condição física. O único efeito colateral é que ela pode fazer o usuário defecar pelos ouvidos. Lizzo é o nome de uma cantora pop obesa que tem emplacado hits nos últimos anos (Juice, 2 Be Loved, Special) falando sobre o orgulho de ser gorda e surfando a onda body positive, que prega que todos devem aceitar seus corpos como eles são.
A tristeza de Cartman por não ter acesso ao medicamento milagroso e assim conseguir ofender geral sem ser chamado de gordinho como troco comove seus colegas de escola, especialmente Kyle e Butters. Primeiramente, eles tentam arranjar a droga para ele de maneira legal, “explorando o sistema de saúde americano”, levantando laudos e enfrentando a enorme burocracia da área para liberar umas seringas de Ozempic. Sem sucesso. Depois, assistindo a vídeos do TikTok, eles aprendem a manipular semaglutida de forma caseira, importando insumos baratinhos da Índia. É a salvação para o gordinho da turma! Só que não.
Tigre Tony mata Kenny
Como já visto aqui no Brasil mesmo, começa a rolar um racionamento de Ozempic em South Park, devido à alta procura pelas injeções pelos mais abastados. As mamães saradas partem para assaltar farmácias em busca da droga (aqui no país são meliantes profissionais que organizam roubos para depois revender o produto no mercado negro). Num segundo momento, elas avançam na semaglutida manipulada por Kyle, Stan, Kenny e Butters para tirar Cartman da obesidade.
A disputa é amplificada pela entrada em cena dos mascotes dos principais cereais matinais americanos, preocupados com a queda nas vendas de seus flocos açucarados numa sociedade “ozempificada”. Espere ver o Tigre Tony, dos Sucrilhos Kellogg’s, matando Kenny e depois sendo decepado numa perseguição automotiva, em imagens que passam longe do humor comportado de Jerry Seinfeld em seu recente A Batalha do Biscoito Pop-Tart.
Ou seja, em menos de uma hora, o desenho mais visceral e politicamente incorreto de todos os tempos critica uma droga que promete a panaceia, mas está restrita a dondocas; o sistema de saúde dos Estados Unidos, que não facilita o acesso aos remédios mais modernos para quem realmente precisa deles; a indústria alimentícia e suas guloseimas lotadas de açúcar destinadas ao público infantil; a cantora Lizzo e todo mundo que prega o orgulho de ser gordo; e o próprio Cartman, que só quer emagrecer para fazer mais bullying e sair impune. É por isso que South Park é essencial há 26 temporadas. Dá início ao seu 27° ano de atividades com O Fim da Obesidade chutando traseiros – sejam rechonchudos ou esqueléticos.