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Filmes bíblicos

Superprodução de 1966, “A Bíblia” condensa história milenar em quatro horas

Diretor de "A Bíblia" No Início", John Huston também interpretou Noé no filme de 1966 (Foto: Divulgação The Bible)

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A Bíblia, todos sabemos, é o livro mais vendido no planeta em toda a história. Ler a Bíblia, no entanto, não é uma tarefa das mais simples. Primeiro: ela é dividida em duas partes, o Novo e o Antigo Testamentos. Há algumas dezenas de passagens divididas em capítulos. E o que mais chama atenção em toda essa obra sagrada que guia a fé de cristãos, judeus e de tantas outras religiões pelo mundo é a própria linguagem que, independentemente do idioma, oferece múltiplas interpretações e ainda se utiliza de uma construção gramatical bastante complexa por conta do emprego de modos e tempos verbais raramente utilizados numa linguagem cotidiana e coloquial. Mas a Bíblia, dada sua narrativa intensamente descritiva e ilustrativa, é também capaz de criar inúmeras imagens no inconsciente. É aqui que entram o poder e a magia do cinema.

A Bíblia... No Início (1966), atualmente disponível no Star+, deveria ser apenas o primeiro projeto numa tal Coleção Bíblicos, O Velho Testamento, idealizado pelo cineasta americano John Huston e imediatamente abraçado pelo produtor italiano Dino de Laurentiis. Outros filmes, abrangendo diferentes episódios bíblicos, seriam produzidos por Laurentiis com a direção de grandes nomes do cinema, como Ingmar Bergman, Akira Kurosawa e Federico Fellini. Mas esse acabou sendo o único realizado, muito provavelmente pelo alto custo da produção, e tornou-se o último grande épico religioso da Era de Ouro de Hollywood – totalmente filmado nos estúdios da Cinecittá, na Itália.

A obra possui inúmeros atrativos, a começar pela direção do próprio John Huston (ele também interpreta Noé no filme), um elenco de estrelas e uma produção impecável. O filme resume os 22 primeiros capítulos do livro de Gênesis, ou seja, mostra como se deu o início da humanidade na Terra de acordo com as escrituras hebraicas. Usando um recorte caótico de imagens como explosões no universo, estrelas, erupções, fogo e lava, o filme tenta nos dar uma ideia de como a própria Terra se formou. Deus, o todo poderoso e pai de todos os homens, já está em cena nos narrando como criou o mundo em sete dias.

A maçã que mudou tudo

Primeiro veio Adão, criado por Deus à sua imagem. Um homem que apenas observava e se encantava com tantas descobertas. Mas, solitário, é presenteado por Ele pela companhia de Eva. Já conhecemos bem essa passagem bíblica na qual Eva, mesmo após todas as recomendações, não resiste ao desejo do fruto proibido e mostra desobediência ao Criador. Adão e Eva são expulsos do Jardim do Éden, o que se configura aqui o primeiro pecado e também o primeiro declínio de uma humanidade ainda em formação.

Acompanhamos uma disfuncionalidade que vai afetar diretamente os descendentes de Adão e Eva, os filhos Caim e Abel, dois rapazes não somente com personalidades distintas, mas que rivalizam pela atenção e aprovação de Deus. Caim (Richard Harris), enfurecido e provavelmente invejoso, mata o irmão Abel (Franco Nero). Deus mais uma vez mostra sua decepção diante da própria criação, castigando Caim e levando-o a perambular pelo mundo com o constante medo de ser morto.

Gerações se passam. Caim gerou filhos, depois vieram netos e bisnetos, e entre eles conhecemos Noé. Uma passagem bem curta na Bíblia (descrita com algumas pequenas variações no Alcorão), mas repleta de significados e símbolos imagéticos que o cinema sempre busca, sobretudo aquela em que observamos a ira de Deus sobre os homens, o que o faz destruir tudo e começar um novo mundo.

Uma arca grandiosa

Noé, o único homem puro, é escolhido por Deus e recebe a tarefa de construir uma arca, abrigar nela sua família e um casal de todos os animais que puder. Um dilúvio cairá por quarenta dias e noites, inundando completamente a Terra. Uma nova civilização terá início quando, após o recuo das águas, Noé e sua arca encalham no Monte Ararat. Temos nessa passagem um dos grandes momentos do filme, numa produção tão grandiosa quanto a própria arca, centenas de animais em cena e uma reprodução da inundação do mundo que é assustadora.

Mais um salto no tempo, outras gerações surgem, e agora acompanhamos a história de Ninrode (Stephen Boyd), bisneto de Noé. Assim como o bisavô e sua arca monumental, Ninrode também deseja marcar seu reinado com a construção de uma torre alta o suficiente para se alcançar o céu. Para tanto, sua megalomania escraviza dezenas de milhares de homens, o que também provoca a ira de Deus. Assim, quando Ninrode chega ao ápice da construção (que ficou conhecida como Torre de Babel), Deus lança um raio destruidor cujo efeito é confundir o idioma de todos, fazendo com que grupos distintos e falando línguas diferentes povoem o mundo.

Descendente direto de um desses grupos, Abraão surge como mais um escolhido e capaz de ouvir os pedidos de Deus. A missão de Abraão é certamente a mais complexa e relevante dentre todos os personagens bíblicos (que irá se repetir muito mais tarde com Moisés) – não por acaso, reconhecido como o primeiro dos patriarcas bíblicos e fundador do monoteísmo dos hebreus. Após ser instruído por Deus, Abraão deve deixar sua terra natal, Ur, levando consigo a esposa Sarah (Ava Gardner) e todo o seu povo em direção a um local escolhido por Deus, onde será estabelecida a nação dos hebreus. Trata-se da terra prometida conhecida por Canaã, nos dias de hoje chamada de Israel.

Intervalo para o banheiro

“A Bíblia... No Início” é uma obra longa, com mais de quatro horas de duração, o que, do ponto de vista comercial, uma aposta no fiasco seria inevitável para qualquer executivo de estúdio e donos de cinemas. Para se ter uma ideia, promoveram até um intervalo bem no meio do filme, quando a legenda “intermission” dava a oportunidade de o público dar aquela corridinha básica ao banheiro ou comprar mais um pacote de pipoca.

Ainda assim, o filme fez grande sucesso e teve inclusive uma indicação para o Oscar de melhor trilha sonora. Ademais, estamos falando da Bíblia, cujas histórias são milenares e muitos dos conflitos descritos dão uma clara ideia do que vemos nos dias de hoje, por exemplo em Israel, quando povos praticamente irmãos travam uma guerra sangrenta reivindicando a propriedade de uma terra para chamar de sua. Sim, é uma questão de fé, e o que resta nesse sentido é perguntar-se se e quando Deus decidirá pela punição de muitos e se haverá um novo escolhido para estabelecer um recomeço.

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