8 indignados
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O filme Conclave conquistou seis indicações ao Oscar 2025, incluindo a principal. Está em cartaz nos cinemas brasileiros, satisfazendo alguns espectadores e irritando outros tantos, especialmente por retratar cardeais ambiciosos e desprovidos de fé, que acreditam numa Igreja Católica alinhada aos ditames progressistas. Isso para não falar na ambiguidade sexual do escolhido para ser o novo Papa, algo incluído no roteiro com intuito único de chocar.
Se você está decidido a boicotar o lançamento ou deseja ver um filme sobre o mesmo tema – mas menos apelativo – para limpar a retina, uma boa recomendação é Temos Papa, que o italiano Nanni Moretti lançou em 2011 e está disponível no catálogo do Prime Video. Apesar de ser ateu, de ser um crítico dos poderosos que controlam a Itália e de ser um tremendo gozador, o cineasta fez uma obra sobre o conclave papal que é incapaz de ofender católicos ou quem nutre o devido respeito pela Igreja. Questões sexuais, sejam sobre o gênero do Papa ou sobre escândalos protagonizados por padres, passam longe da película de Moretti.
Na história, o autor de O Quarto do Filho e Caro Diário imagina um conclave em que nenhum cardeal quer ser escolhido Sumo Pontífice. São necessárias inúmeras votações até que um azarão consiga a porcentagem mínima, para alívio dos demais. O eleito, o cardeal Melville (interpretado por Michel Piccoli) refuga na hora de fazer o primeiro pronunciamento aos fiéis. Para tentar contornar sua crise, o Vaticano recorre a um psicanalista, o Professor Brezzi (papel do próprio Moretti), que tem muita dificuldade de conduzir uma sessão de terapia com o ilustre paciente, já que vários tópicos íntimos não podem ser abordados (é a cena mais engraçada do filme).
Torneio de vôlei no Vaticano
Mais adiante, é feita uma segunda tentativa de psicanálise com Melville, dessa vez no consultório da ex-mulher de Brezzi. O futuro Papa aproveita a saída da Basílica de São Pedro para dar um perdido em seus pares e, assim, poder passar os dias seguintes flanando pelas ruas de Roma, refletindo sobre suas motivações para não querer assumir o principal posto da Igreja. É muito divertido ver Melville ensaiando dentro de um ônibus cheio de passageiros indiferentes o que pretende falar para a massa católica que aguarda ansiosamente a fumacinha branca. O porta-voz do Vaticano faz de tudo para que ninguém descubra que o Papa já está definido, porém enfrenta um bloqueio mental e se encontra zanzando pela capital italiana no afã de se entender.
Enquanto esperam pelo retorno de Melville, os cardeais aproveitam a presença do doutor encarnado por Nanni Moretti para trocar experiências. O psicanalista fuça nos remédios de dormir dos religiosos e não gosta nada do que encontra. Decide então organizar um campeonato de vôlei entre eles, para estimular as praticas saudáveis e, quem sabe, reduzir as doses de ansiolíticos ingeridas pelos velhinhos no fim do dia. Tudo isso é conduzido com o fino humor do diretor e roteirista italiano, sem que nenhuma cena possa ser considerada heresia ou de mau gosto.
O espectador vai se compadecendo do dilema de Melville e até se colocando em seu lugar. Quantas coisas devem passar pela cabeça de um servo quando ele é apontado para ser o chefe da Igreja Católica Romana? E qual seria o peso de desapontar tantos praticantes da maior religião do planeta, dizendo não para uma posição que poucos seres humanos estão aptos a exercer? Por todas as questões levantadas e pela leveza cômica de Temos Papa, o filme foi escolhido como o melhor de 2011 pela histórica revista francesa Les Cahiers du Cinéma e manteve seu frescor quase 15 anos depois. Mais do que isso, ele pode ser um antídoto para o longa-metragem estrelado por Ralph Fiennes, que influenciadores conservadores já classificaram até de anticatólico. No conclave de Nanni Moretti, todos se emocionam juntos.
- Temos Papa
- 2012
- 100 minutos
- Indicados para maiores de 12 anos
- Disponível no Prime Video e para locação em Apple TV