Seja aqui ou nos Estados Unidos, reality shows que mostram apresentadores aparentemente bonzinhos reformando a casa de pessoas humildes sempre foram um sucesso. Na superfície, a coisa toda parece muito nobre, mas geralmente é feita como maneira de investimento. Essa ação é conhecida como house flipping. Isso significa que, após as gloriosas reformas, os valores do imóvel e da vizinhança aumentam, trazendo retorno graúdo caso o investidor tenha algum outro lote naquela região. É a partir dessa curiosa premissa que The Curse, do Paramount+, tece uma crítica complexa à geração woke.
No seriado de dez episódios, acompanhamos o casal Asher e Whitney Siegel, que está gravando o piloto de Fliplanthropy, um novo programa do tipo mencionado acima. Na frente das câmeras, quando o espectador de The Curse os conhece, eles aparentam ser super do bem: um casal perfeito focado em melhorar a vida humilde da cidadezinha de Española, no Novo México. Aliado a isso, eles vêm com um papo sobre criar casas sustentáveis, gerar mais empregos e fazer com que “todos saiam ganhando”. O problema é que esse discurso perde sua potência no momento em que conhecemos os bastidores da vida deles.
Logo no primeiro episódio, o casal não intervém quando o produtor e câmera Dougie Schecter cria lágrimas falsas em uma senhorinha, colocando água e espirrando uma substância ardida em seus olhos. Mais adiante, Schecter também vende para Asher a ideia de que ele deveria dar dinheiro a uma criança negra para criar a imagem de bom moço. É nesse ponto que a maldição que dá título ao seriado supostamente acontece. Ao perceber que equivocadamente deu uma cédula de 100 dólares para a menina (chamada Nala), Asher arranca o dinheiro da mão da garotinha e promete dar uma nota de 20. Contrariada, Nala diz: “eu te amaldiçoo”.
De imediato, a fala não traz nenhum impacto. Mas uma sucessão de percalços faz os Siegel acharem que a tal da maldição é real, gerando cada vez mais problemas para o desenvolvimento do Fliplanthropy e para o relacionamento deles.
Enfim, a hipocrisia
Com toda essa descrição, The Curse abarca mais de um gênero ao mesmo tempo. E é justamente essa a ideia. Há elementos de drama, terror, suspense e até surrealismo (um final bastante aberto ajuda nesse aspecto). Porém, no fundo, a principal meta do seriado é fazer piadas de humor negro. Os protagonistas, o casal Siegel e o produtor Schecter, são desprezíveis em níveis diferentes e suas ações absurdas geram muito do desconforto proposital do programa.
Asher parece um bonachão, mas tem rompantes de raiva por qualquer coisa, além de ser extremamente preocupado com sua imagem – é até difícil contabilizar quantas vezes ao longo dos episódios ele afirma em voz alta que é uma “pessoa boa” quando faz algo horrível. Enquanto isso, Dougie Schecter é um produtor de televisão completamente vendido, mais preocupado em fazer entretenimento do que contar uma bela história. Prova disso é o reality show criado por ele: basicamente uma piada às custas de um homem com queimaduras de terceiro grau.
Whitney, interpretada por Emma Stone, que acaba de ganhar um Oscar de Melhor Atriz, é a personagem menos ruim e mais complicada dos três. Ela vive em um mundinho próprio, acreditando causar de fato um impacto positivo no mundo. Porém, ao se preocupar demais com pautas woke, ignora estar roubando o design de suas casas de um arquiteto famoso ou ofendendo amigos indígenas, por exemplo.
Ao assistir The Curse, você não torcerá para nenhum dos personagens. O que prende o espectador é a curiosidade para saber se a maldição de Nala é real. O estilo com que tudo é filmado também cai bem para quem assiste os passos dessas pessoas disfuncionais e egoístas. Essa característica é um grande forte de Benny Safdie, um dos criadores do seriado. Junto ao irmão Josh, ele foi o roteirista e diretor de filmes altamente estilizados e absurdos como Bom Comportamento, com Robert Pattinson, e Joias Brutas, com Adam Sandler. Nesses dois exemplos, nenhum dos protagonistas é bom, mas geram histórias interessantes, além de ocasionais risadas.
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