Um incêndio de grandes proporções atingiu na noite deste domingo (2) o Museu Nacional, na zona norte do Rio. Entenda abaixo a importância do local, o que foi destruído, as hipóteses para o fogo, qual era a situação financeira do museu e quais devem ser os próximos passos.
O que é o Museu Nacional e quem o administra?
É o maior museu de história natural e antropológica da América Latina, com mais de 20 milhões de itens, e o museu mais antigo do Brasil, com 200 anos. Foi fundado por dom João 6º em 1818, como Museu Real (em outro local), e hoje fica no palacete que serviu de residência para a família real de 1808 a 1889.
Está localizado no parque Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão, zona norte do Rio de Janeiro. Desde 1946, é subordinado à UFRJ (Universidade Federal do RJ), e portanto está vinculado ao Ministério da Educação. O ingresso inteiro custava R$ 8.
Qual é a sua importância?
Seu acervo tem perfil acadêmico e científico, com coleções focadas em paleontologia, antropologia e etnologia biológica. Menos de 1% estava exposto. Entre as principais peças estavam:
- Crânio de Luzia, a mulher mais antiga das Américas, com cerca de 12 mil anos
- Meteorito do Bendegó, o maior já encontrado no país, com mais de 5 toneladas
- Fósseis de dinossauros e pterossauros (répteis voadores), como o Maxakalisaurus topai, dino herbívoro de 13 m de comprimento
- A maior coleção de antiguidades egípcias da América Latina, com 700 peças
- Coleções de vasos gregos e etruscos (povo que viveu na Etrúria, na península Itálica)
Como foi o incêndio?
O fogo começou por volta das 19h30 deste domingo (2), depois que o museu e o zoológico - que também fica na Quinta da Boa Vista - já haviam encerrado a visitação. Do lado de fora, dezenas de pessoas acompanharam o trabalho dos bombeiros, que controlaram o fogo após seis horas, por volta das 2h desta segunda (3). Parte do interior do edifício desabou.
Depois, as equipes permaneceram no local para debelar pequenos focos de fogo. Participaram 80 homens de 12 quartéis do Corpo de Bombeiros, além de veículos da Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto) e da Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana), que ajudaram no transporte de água para o local. Não houve informações sobre vítimas.
O que foi destruído? Sobrou algo?
A direção do museu ainda calcula as perdas. O que se sabe até o momento é que cederam os pisos do segundo andar, onde ficava a parte de exposições com a Luzia, o fóssil do dinossauro e as múmias, e do terceiro andar, que abrigava a parte administrativa.
Alguns itens, porém, foram salvos por bombeiros e funcionários antes que o fogo se espalhasse, como uma coleção de malacologia, que estuda os moluscos. Peças que ficavam em um prédio anexo também foram poupadas, como a coleção de vertebrados, ao menos parte da coleção de botânica e a biblioteca.
Há risco de o prédio desabar?
Durante a madrugada, o comandante-geral dos bombeiros do Rio, Roberto Robadey, afirmou que as primeiras análises indicavam que não havia risco de desabamento. "É um edifício muito antigo, com paredes grossas. Os engenheiros analisaram e não veem risco por enquanto", afirmou.
O que pode ter causado o incêndio?
Ainda não se sabe, mas havia duas suspeitas até a manhã desta segunda (3), segundo o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão. Uma delas é a queda de um balão no teto do edifício, baseada em relatos de vigilantes do museu de que o fogo começou de cima para baixo.
Uma outra possibilidade seria o incêndio ter começado com um curto-circuito em um laboratório audiovisual da instituição, que passava por dificuldades financeiras geradas por cortes em seu orçamento.
O prédio já aparentava sinais de decadência?
Sim. Muitas das paredes estavam descascadas, havia fios elétricos expostos e má conservação generalizada.
O trabalho dos bombeiros poderia ter sido mais rápido?
Sim, o combate ao fogo foi prejudicado por falta de água nos dois hidrantes próximos ao edifício. Os bombeiros acionaram a Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto), que enviou caminhões-pipa e instalou uma bomba para retirar água do lago próximo.
O reitor da UFRJ, Roberto Leher, chegou a criticar a atuação dos bombeiros. "É óbvio que a forma de combate não guardou proporção com o tamanho do incêndio. Percebemos claramente que faltou logística e capacidade de infraestrutura", disse. "A própria equipe da prefeitura universitária orientou os bombeiros onde buscar água."
O Corpo de Bombeiros afirmou que não houve qualquer problema de logística e de infraestrutura e que os recursos empregados eram adequados para as proporções do incêndio. Admitiu, porém, que houve "um contratempo no que diz respeito à vazão e pressão de água nos hidrantes".
O tipo da construção e as peças de acervo contribuíram para a propagação das chamas?
Segundo o comandante dos bombeiros, sim. "É um prédio antigo com grande carga de incêndio: muita madeira e o próprio acervo, que tem inclusive peças guardadas em álcool", disse Roberto Robadey.
O museu tinha equipamentos de combate a incêndio previstos por lei?
Não, mas havia planos para instalá-los. Em junho, quando o Museu Nacional fez 200 anos, foi assinado um contrato com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para a restauração do palacete, no valor de R$ 22 milhões.
Segundo o comandante-geral dos bombeiros do Rio, Roberto Robadey , a administração do museu esteve reunida com a corporação recentemente para apresentar um plano de adequação. "É uma construção anterior à legislação e precisava se adequar", disse ele durante a madrugada.
Qual era a situação financeira do Museu Nacional?
O museu não vinha recebendo integralmente a verba de R$ 520 mil anuais que bancam sua manutenção desde 2014 e apresentava sinais visíveis de má conservação. Também houve queda de público desde 2013, que atingiu seu piso em 2016 (menos de 118 mil visitantes). Naquele ano, a UFRJ ficou sem dinheiro para pagar os terceirizados, o que levou ao fechamento temporário do museu.
Profissionais ligados à instituição afirmaram à Folha que, durante o governo Michel Temer (MDB), o museu encontrou barreiras na Casa Civil e no Ministério da Cultura quando tentou levantar fundos para a celebração de seus 200 anos, completados em junho. O diretor da UFRJ, Roberto Leher, e o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, reclamaram de falta de verbas.
Quais são os planos daqui para frente?
O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, afirmou que o governo começará nesta segunda a fazer o projeto de reconstrução do Museu Nacional. "Já falei com o presidente Michel Temer e com o ministro da educação. Amanhã [segunda-feira] vamos começar a fazer o projeto de reconstrução do Museu Nacional. Para ver quanto é e como viabilizar", disse.
Leitão afirmou que também pediu um levantamento completo das condições de proteção contra incêndio de todos os museus federais. "Para verificar que medidas devem ser tomadas para evitar outra tragédia", afirmou.
Quem vai investigar as causas?
O ministro da Educação, Rossieli Soares da Silva, afirmou nesta segunda-feira (3) que o comando das investigações em torno do incêndio do Museu Nacional ficará por conta da PF (Polícia Federal).
O ministro afirmou que conversou na manhã desta segunda com o diretor-geral da Polícia Federal, Rogério Galloro, sobre a atuação no local. Segundo ele, a investigação ficará com a PF por se tratar de um prédio federal.
De acordo com Silva, equipes da Polícia Federal do Rio e especialistas de Brasília já estão no local. Ele ponderou que uma perícia mais aprofundada só será possível após o encerramento dos trabalhos do Corpo de Bombeiros.
"A coordenação de todo o processo de investigação e perícia é da Polícia Federal. Se [a PF] precisar de suporte, vai pedir às autoridades locais", disse.
O que de mais precioso foi perdido?
A extensão dos danos ainda está sendo avaliada, mas o cenário mostra que a destruição foi grande. Desolados, quatro estudantes e funcionários do museu disseram ao Estadão que acreditam, pelas condições dos escombros e desabamentos ocorridos nos três pavimentos, que os principais itens do conjunto museológico se perderam: três múmias egípcias, o crânio de Luzia, o primeiro do continente, as ossadas de baleia jubarte e do dinossauro conhecido como "dinoprata", os diários da Princesa Isabel, o mobiliário imperial, a coleção de documentos da Imperatriz Teresa Cristina, os afrescos de Pompeia.
Bombeiros disseram que as paredes externas têm espessura de cerca de um metro, o que os leva a crer que não há risco de desmoronamento. Já internamente o cenário é de destruição quase total, com focos sendo avistados de fora.
Algum material foi salvo?
Um grupo de funcionários do Museu Nacional entrou no prédio em chamas na noite de domingo (2), para tentar salvar o que fosse possível do acervo de 20 milhões de itens. Segundo relatos, de 30 a 40 servidores, inclusive aposentados, entraram no imóvel durante o incêndio.
Os funcionários se deslocaram até o museu, no Rio, ao saber do incêndio pelas redes sociais, disse o biólogo Paulo Buckup. Ele conseguiu salvar "alguns milhares" de exemplares de moluscos descritos por pesquisadores dos séculos 19, 20 e 21.
"Os funcionários foram heróis. Estávamos pensando nos nossos ancestrais pesquisadores. O que salvamos vai permitir a continuidade de pesquisas de colegas. Na hora só pensei que ali estavam a minha vida e também a vida de colegas. Consegui tirar alguns milhares de animais, mas nada perto do que queimou", lamentou Buckup, que pesquisa evolução de peixes. O material de trabalho do biólogo não estava no prédio.
Como está a situação de outros museus importantes no Brasil?
O incêndio que devastou o Museu Nacional chamou a atenção para a situação de outras instituições, como a do Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga. Uma reforma já se arrasta há cinco anos e a situação do museu é de risco.
Ambos mantêm um acervo histórico de valor incalculável e são mantidos por universidades —no caso do museu carioca, pela UFRJ; no paulistano, pela USP.
O Ipiranga está fechado desde 2013, quando um laudo apontou risco iminente de desabamento do forro e o levou a ser interditado. Algumas das peças do museu —mais de 450 mil obras— foram transferidas para várias unidades; outras, incluindo a famosa tela “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, continuam ali, mas estão protegidas.
A previsão é que o museu reabra em 2022, no bicentenário da independência do país, ao cabo de uma reforma que deve orbitar em torno de R$ 100 milhões, a ser paga com recursos públicos e privados.
Desse valor, o restauro conta em caixa com R$ 3,2 milhões, ou cerca de 3,2% do total, incluindo patrocínio direto e aportes via Lei Rouanet, segundo Solange Ferraz de Lima, diretora da instituição paulista. O projeto ainda está em captação de mais recursos.
O que a imprensa internacional disse sobre a tragédia?
O incêndio no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, foi destaque dos principais jornais do mundo na manhã desta segunda-feira (3). A maioria das notícias destacou a falta de verbas para manutenção do mais antigo centro de ciência do País, que havia completado 200 anos em junho.