Quando deu por si @tuiteiro já estava morto. O fato de ele não ter se transformado em cadáver ainda era mero detalhe. Morto, sim. Incapaz de dar um só passo sem tentar dar a ele um sentido maior, como se o condenasse à eternidade efêmera dos memes, sem dele extrair relevantes análises políticas, sem usar de seu sarcasmo grandiloquente para inocular nos seus leitores desavisados o mais venenoso dos niilismos.
Mas me adianto. Porque antes de se transformar neste neoarquétipo, @tuiteiro era uma pessoa normal, dessas que acordam, tomam café, trabalham, almoçam, trabalham mais um pouquinho, batem ponto, pegam ônibus, chegam em casa, acendem um cigarro na sacada e sofrem em silêncio e, com alguma sorte, dormem.
Até que um dia, por conta de uma mistura nefasta de tédio, acaso e tecnologia, ele deixou a sutileza do anonimato de lado, clicou no famigerado passarinho azul e, depois de preencher o contrato de cessão da alma, entregou-se ao deus Arroba para se transformar em @tuiteiro. Um entre milhões. Ou centenas de milhões – realmente desconheço as estatísticas.
Aí há algo de intrigante. @tuiteiro podia muito bem continuar expressando sua irrelevância no seu cotidiano muito palpável, aquele com cheiro de café e com o papel-higiênico que acaba quando você mais precisa dele. Poderia, por exemplo, ligar para um amigo e desabafar. Mas, por algum motivo, ele prefere expressar sua irrelevância no bit-universo. Vai saber o que move a esperança de imortalidade dos tolos, não é mesmo?
Eis que @tuiteiro, em sua primeira declaração em cima do caixote, escreve a primeira coisa que lhe vem à mente. Mais tarde ele argumentaria consigo mesmo que era sexta-feira, tarde da noite, a Stella já estava pela metade, sabe como é. Mas se fosse numa segunda-feira ao meio dia é improvável que @tuiteiro estivesse tanto ou mais sóbrio. Assim embebido no desejo de existir e de se fazer reconhecido, @tuiteiro escreveu “Estou cansado!”.
Embora não estivesse realmente. Prova disso é que passou os cinco minutos seguintes de pé, no meio da sala, olhando fixamente para a tela do celular, na esperança de que alguém o tivesse ouvido e se compadecesse do cansaço dele. Talvez surgisse um amigo novo a chamá-lo para um chope reconfortador. Talvez uma moça para lhe fazer companhia e passar gelol em suas pernas doloridas. Talvez o convidassem para uma festa onde ele seria o centro das atenções com seu humor ao mesmo tempo ferino e elegante. Talvez.
@tuiteiro esperou em vão. Cansado (agora, sim!) de esperar por uma resposta de seus confrades de simulacro, ele se sentou e começou a vasculhar aquele “lugar” fascinante onde todos viviam narrando seus passos, seus pensamentos elaborados ou não, seus sentimentos, suas primeiras e derradeiras impressões sobre todas as coisas. Ali ele encontrou @qualquercoisa dizendo que estava com fome – não a fome que motiva debates políticos nem a que instiga mergulhos espirituais. Era fome de um misto-quente ou um miojo mesmo.
Percorrendo os labirintos, ele logo se deparou com @maisum reclamando de um programa de TV, @aquiestamos elogiando o mesmo programa, @katthetiger curtindo uma música, @anaisneen postando foto de uma taça de vinho, @ossilva reclamando que a pizza está estragada e o restaurante não atende o telefone. E @tuiteiro, assim, sentiu o gosto de comungar num mundo ruidoso, é bem verdade, mas também colorido, de uma cacofonia sedutora, de um caos que se pretende a criador, embora jamais almeje qualquer tipo de ordem.
Até que alguém na imensidão de @nadas reagiu à confissão mentirosa de cansaço do nosso querido @tuiteiro. Primeiro com um coraçãozinho solidário cuja notificação no aplicativo aqueceu imediatamente o coração magricela do nosso herói. Ele ficou acalentando aquela sensação de existir, de se fazer ouvido e de alguma forma presente, uma espécie de comunhão com uma partícula do caos.
Outra notificação na barra inferior do aplicativo prometia reforçar essa sensação de pertencimento. Agora não se tratava mais de um coraçãozinho, uma reação impulsiva, quase automática. Era uma reposta. Era alguém reservando um punhado de sinapses para tirar do cansaço do @tuiteiro algum tipo de conclusão. Era alguém refletindo! Por alguns segundos, o @tuiteiro se sentiu como títere do Universo. E viu que aquilo era bom.
A resposta de um @contratudooqueestaai, porém, criava insondáveis ligações políticas entre o cansaço do @tuiteiro e a situação do país. Como era possível, perguntava-se a arroba indignada, estar cansado enquanto pessoas morrem de fome, cachorrinhos sofrem com fogos de artifício, deficientes físicos levam rasteiras por trás e há quem coloque o arroz por cima de feijão?
De olhos arregalados, sentindo suas mitocôndrias trabalhando acima da capacidade a fim de responder a resposta e depois responder a resposta da resposta, @tuiteiro viu proliferarem diante de seus olhos as manifestações pró e contra tudo. Alguém disse que é uma vergonha falar biscoito e não bolacha. Outro criticou o português alheio. Houve quem pedisse a soltura de político preso. Houve quem pedisse a prisão perpétua para o mesmo político. Houve quem divulgasse a conta e pedisse ajuda para tratar o câncer. Houve quem duvidasse do câncer.
E assim, seis horas mais tarde @tuiteiro se percebeu com dificuldades para levantar da poltrona e se arrastar até a cama, onde, enfim, poria fim a um cansaço agora muito sincero – ainda que, talvez, incurável.