Hoje em dia mais citado do que lido, o dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980) tinha um termômetro para medir a qualidade de filmes.
No tempo dos cinemas de rua, quando os punguistas eram a grande ameaça à segurança das cidades, Nelson dizia que filme bom era aquele que arrebatava um batedor de carteiras em dez minutos (à época, era comum que os lanceiros se escondessem no anonimato escuro dos cinemas após o “serviço”).
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O exagero tinha um alvo: o cinema “cabeça” e a elitização intelectual que ele exigia do público.
Em tempos de Cinema Novo, nouvelle vague e outras vanguardas, em que se dizia: “o filme é uma bosta, mas o diretor é genial”, Nelson defendia os faroestes, os “capa e espada”, as fitas de Mazzaropi. O cinema que pudesse ser compreendido pelo “torcedor do Vasco”.
Argumento parecido, por outros motivos, apresenta o crítico americano Richard Brody.
Cinco minutos podem não mostrar tudo o que devemos saber sobre um filme, mas são suficientes para mostrar a parte essencial: despertar admiração, assombro e amor, bem como para atiçar a fome de ver o filme todo.
Em artigo publicado na revista New Yorker, ele provoca o cinéfilo a ligar o DVD de algum “filme fundamental” – Brody cita Um Corpo Que Cai (1958), A Regra do Jogo (1939), Rastros de Ódio (1956) –, avançar ao acaso e ver um fragmento qualquer de cinco minutos de duração.
Para Brody, esses cinco minutos devem ser “suficientes para mostrar a parte essencial: despertar admiração, assombro e amor, bem como para atiçar a fome de ver o filme todo e qualquer outra coisa que Hitchcock, Renoir, Ford, Dreyer e companhia tenham para oferecer”.
Ainda que não mostrem tudo o que você precisa saber sobre os filmes, para Brody, “quaisquer cinco minutos desses filmes mostrarão algo fundamental a respeito do próprio cinema e da essência dessa arte”.
Para o crítico, nesse sentido, os filmes podem ser comparados à literatura. A leitura de apenas algumas páginas de Moby Dick, de Herman Melville, ou de Complexo de Portnoy, de Philip Roth, servem para deleitar o leitor a ponto de obrigá-lo a devorar o livro inteiro mesmo sem qualquer referência anterior da obra.
Brody vai além e diz que essa experiência com os filmes nos lembra do que é fundamental na vida: ninguém conhece ninguém completamente e quando o tentamos, nunca começamos pelo começo.
É assim: você vê uma pessoa por um instante e sabe que não pode mais viver sem ela, consegue projetar uma vida inteira para conhecê-la e isso que faz a vida valer a pena.
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Mas um excerto aleatório pode conter a vida e a alma de uma obra de arte?
Outros críticos de cinema, caras que como Brody vivem de assistir filmes e escrever sobre eles, concordam e discordam, no todo ou em parte.
Crítico da Folha de S. Paulo e do portal R7, André Barcinski também crê que dá “pra ver a qualidade – ou falta dela – nos primeiros cinco minutos de um filme”. Mas, ressalta que nunca “desistiu” de um filme quando o estava vendo a trabalho.
Otimismo profissional semelhante nutre Marden Machado, do site Cinemarden. “Cinco minutos é pouco tempo para avaliar uma obra que tem, em média, duas horas. Alguns filmes te pegam nas primeiras cenas. Outros precisam de alguns minutos a mais. Mas concordo que, se um filme não atrair sua atenção no primeiro terço de projeção, dificilmente vai conseguir te manter interessado até o final”, diz.
O crítico Paulo Camargo (do site Escotilha), concorda com Brody quando este diz que em cinco minutos um filme pode oferecer pistas consistentes sobre o estilo do diretor e sua mise-en-scène, sugerir possíveis caminhos para a narrativa e revelar pontos altos e baixos na atuação do elenco.
“Mas creio que a experiência de assistir a um filme vá bem além de concluir se ele é ’bom ou ruim’”, diz. “Uma obra irregular, com falhas identificáveis à primeira vista, tem mais desafios a oferecer do que uma produção redonda, sem defeitos evidentes. E essa alma não se revela em tão pouco tempo, e sim na soma de cenas, das sequências, do todo, enfim.”
Essa análise abre outra janela: como nós, espectadores, entramos nessa equação? O que esperamos de um filme, o que o torna bom?
Brody admite que cinco minutos não são suficientes para um julgamento informado e substancial, mas são suficientes para atiçar o desejo ou para inibi-lo. São indicadores e não provas.
Distinguir as qualidades e méritos de um filme são, no fundo, uma questão estética.
Para ele, o que é bom (ou belo) na experiência é a sensação íntima despertada por algo – um filme, no caso – e que só pode ser avaliada e medida por quem a sente. Embora, em tese, todos nós que vemos um filme tenhamos condições de julgá-lo.
Como bem escreveu um dia o poeta Paul Valéry, “o gosto é feito de mil aversões”.