A formação de um acampamento de militantes do PT, que são contrários à prisão do ex-presidente Lula, mudou a rotina das pessoas que moram e trabalham na região do prédio da Superintendência da Polícia Federal, no bairro Santa Cândida, em Curitiba. Para evitar possíveis confrontos entre manifestantes contra e a favor do petista, a Polícia Militar fez vários bloqueios em ruas da região. As “novidades” são motivo de dor de cabeça para alguns, mas representam alívio para outros.
Entre os descontentes com a situação está Silmara Gomes Oliveira, 50 anos. “A gente tem que dar satisfação para poder entrar em nossas próprias casas. Estamos presos e desesperados mesmo, sem saber o que fazer”, afirmou ela, nesta terça-feira (10). A mulher, que mora há 48 anos na Rua Guilherme Mater, no Santa Cândida, reclama da presença dos manifestantes contrários à prisão de Lula. Desde domingo (8), os organizadores do Movimento Sem Terra (MST) afirmam que vários ônibus chegaram e aproximadamente mil pessoas já estão nos arredores, todas acampadas. Além das barracas, que foram colocadas no meio da rua e também nos gramados das casas, há um grande movimento de pessoas circulando, carros de som, vendedores e também os ônibus parados.
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Os moradores da região contaram à Tribuna do Paraná que não têm conseguido entrar ou sair de casa com tranquilidade. “A gente tem que pedir pra entrar em casa, já viu isso? Sem contar a baderna de madrugada, a bagunça que se formou na rua e a nossa paz, que simplesmente acabou”, comentou Vivian Comin, 41 anos, que trabalha numa seguradora no mesmo terreno da casa do avô, que tem 90 anos e vive ali há mais de 50.
Segundo Roberto Baggio, da coordenação do MST nacional e integrante da Frente Brasil Popular, o próprio movimento não está impedindo a passagem de ninguém, e, muito pelo contrário, busca uma convivência pacífica, por meio do diálogo, para resolver eventuais problemas com os moradores da região. “Os bloqueios foram feitos pela Polícia Militar, nós não nos envolvemos com essa liberação de passagem”, explica.
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Já a reclamação de Bárbara Weingartner, de 21 anos, que nasceu no bairro, é de as pessoas estão fazendo as necessidades na rua, na frente de casa, sem pudor algum. “A situação está caótica. Barulho alto o tempo todo, violão, tambor, algazarra. Não podemos receber gente em casa, receber encomenda. Está impossível, você tem medo de entrar em casa, eles estão sempre nos encarando”, disse.
Sobre essas questões, o coordenador do MST afirma que todos os dias os integrantes do movimento são orientados sobre as normas de convívio, higiene, saúde e principalmente sobre a solidarização com os moradores do entorno. “Temos uma equipe disciplinar que passa fazendo inspeção pelo acampamento, para garantir que as orientações estão sendo seguidas”, explica Baggio. Também há banheiros químicos instalados no acampamento para uso dos manifestantes.
Solução para o problema
Por causa dessas situações, as três moradoras entrevistadas acima foram até o prédio da PF nesta terça-feira para pedir que alguma coisa fosse feita. “Nos disseram que nós precisamos esperar até, pelo menos, quinta-feira (12), para definirem o que vai acontecer. Pode ser que saiam daqui ainda nessa semana, mas enquanto isso nós continuamos totalmente fora da nossa rotina e ninguém aqui merece o que estamos passando”, contou Silmara.
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As moradoras foram orientadas, por uma equipe da Polícia Federal, a registrar um boletim de ocorrência com a Polícia Civil, já que sentem medo de represálias. “Claro que, por termos enfrentado, nós seremos alvos. Por isso que estamos pedindo proteção, porque eles nos ameaçaram”.
Outro morador, que vive na região há 32 anos, e que pediu para não ser identificado, já procurou o Ministério Público do Paraná (MP-PR), pediu ajuda à Polícia Militar (PM), mas foi informado que nada ainda pode ser feito. “Me disseram que não podem fazer nada. Enquanto isso, esse povo está acabando com nosso bairro, que sempre foi tranquilo. Os organizadores dizem que vai aumentar a quantidade de gente, e aí o que nós vamos fazer?”.
O homem contou que foi dormir às 3h, porque o barulho na rua impedia. “Tinha roda de samba no meio da rua. Minha mãe, que tem pressão alta, está muito mal e tenho medo que ela não aguente. O que mais tem aqui é gente idosa, nisso as pessoas não pensam. Já ouvimos até papo de que vão invadir casas”.
Além de ter que dar satisfação para conseguir entrar em casa, o homem contou que os moradores estão sem os serviços básicos. “O lixo não estão recolhendo, por exemplo. Se fosse no Batel, não teria nem começado um negócio desse na rua, mas como é Santa Cândida, deixaram tudo do jeito que está. E cada vez piora, alguém precisa dar um jeito”.
O coordenador do MST, enquanto isso, não concorda que a situação aconteça: “Nós recolhemos o lixo duas vezes por dia e, em dias de coleta da prefeitura, inclusive pegamos os lixos dos moradores para levar até um ponto onde o caminhão de lixo passa, já que o veículo não consegue ultrapassar os bloqueios da PM”, conta.
Os moradores estão se organizando para fazer um abaixo assinado e pedir uma solução para o que julgam já ser um problema. “Nós estamos reunidos e vamos ter que cobrar das autoridades que nos ajudem, porque o problema da prisão de Lula não é nosso. Se ele merece ou não estar preso, também não nos diz respeito, o que nós não queremos é que as pessoas continuem acampadas em frente à minha casa”, explicou o homem.
Bloqueios trazem alívio, dizem moradores
Aos arredores do acampamento, há também alguns moradores estão a favor dos manifestantes. Um dos integrantes do MST disse que as pessoas estão realmente divididas e que, apesar de muita gente ser contrária, em algumas residências a população já até abriu as portas para banho e outras coisas como recarregar o celular.
Além disso, outra parte dos moradores da área bloqueada afirma que as barreiras policiais montadas para limitar o acesso à sede da PF, ao contrário de transtorno, trouxeram alívio para a rotina da região, acostumada a receber protestos de manifestantes tanto contra como a favor do petista.
“Isso aqui é bom porque não tem manifestação de nenhum dos lados. Se tem, fica fora, não chega aqui. Antes era demais”, disse o designer Edenilson Torres, parente de uma moradora da rua Mariano Gardolinksi, uma das vias do entorno afetadas pelas barreiras montadas pela Polícia Militar.
A moradora de uma residência muito próxima à sede da Superintendência, que não quis se identificar por medo de represália, também disse que a situação não incomoda. Isso porque o acesso dos moradores, de carro ou a pé, não é dificultado.
Na segunda-feira (9), por exemplo, policiais deslocados para o esquema de segurança nos arredores da Polícia Federal afirmaram que não estavam até então orientados a cobrar comprovante de residência de quem afirmava ser morador, embora o acesso à área esteja limitado. “Pelo bloqueio, pelo que conversei aqui já, ninguém vê problema mesmo com esses bloqueios. E, de certa forma, a polícia aqui traz segurança para gente. Depois de sábado ficamos com medo”, acrescenta a moradora, referindo-se ao ato pró-Lula que acabou em bombas de efeito moral e balas de borracha disparadas pelas polícias Federal e Militar no ato da prisão do ex-presidente.
O aposentado Nilton Bauer, de 70 anos, também não acha que o reforço policial e os bloqueios sejam um impacto negativo na rotina dos moradores. Da mesma forma, o idoso, que mora ao lado do acampamento que reúne os manifestantes a favor do ex-presidente, não se sente afetado pela manifestação. “Eles são tranquilos”, afirma.
Oportunidade
Enquanto alguns moradores observam de longe a movimentação intensa no entorno do prédio da Polícia Federal, outros aproveitam para garantir um dinheiro a mais no fim do mês. Uma moradora da rua Guilherme Matter, que também preferiu não revelar o nome, começou a semana vendendo refrigerante e achocolatado em uma barraca improvisada ao longo do acampamento. “No sábado, nossa, como vendemos! Por isso que decidimos montar aqui hoje”, disse.
Segundo a organização do movimento, 1,5 mil pessoas estão no acampamento. E, por causa dos bloqueios, apenas pessoas com horário de atendimento agendado têm acesso ao prédio da Polícia Federal (PF) - que também continua com segurança reforçada.
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