Policiais militares do Paraná estariam sendo obrigados a exercer funções administrativas mesmo com atestado médico. A denúncia foi feita pela Associação de Praças da Polícia Militar do Estado do Paraná (Apra). A PM nega a acusação e afirma que todos os agentes são avaliados por junta médica própria antes de retornar ao serviço operacional.
A Apra impetrou um habeas corpus coletivo junto à Vara de Auditoria Militar do Estado do Paraná por causa de uma norma da Corregedoria da PM (Coger) publicada em março, que determina que compete exclusivamente a uma junta médica da PM homologar as avaliações psicológicas realizadas por profissionais de saúde de fora da corporação. Na prática, isso significa que, mesmo que o médico que acompanha o policial avaliar que ele deve ficar afastado ou que já pode retornar às atividades, o que vale é a decisão dos profissionais da própria PM.
Leia também: Sem módulo da PM, violência e depredação retornam à Praça da Espanha
Segundo a entidade, a decisão foi motivada pelos casos recentes de crimes envolvendo policiais militares, como o do soldado, de 31 anos, lotado no 22.º Batalhão da Polícia Militar (BPM), que matou o primo, baleou a namorada e atirou contra a própria cabeça depois de uma discussão em família. Conforme explica a associação, o texto da norma número 005 da Coger apresenta ameaça e coação aos policiais em tratamento de saúde. “No caso deles não se apresentarem para o trabalho, depois de notificados, de acordo com a norma, eles podem ser presos pelos delitos de desobediência ou deserção. Isso é um risco”, disse Vanessa Aparecida de Souza Fontana, conselheira da Apra e responsável pelo habeas corpus. Ainda segundo o documento protocolado, a normativa também não apresenta a contrapartida necessária para tratamento da saúde dos policiais militares.
A Apra destacou que, nas últimas três semanas, seis policiais que estavam afastados por problemas psicológicos foram obrigados a voltar ao trabalho pelo comando da PM. No caso do soldado citado anteriormente, ele havia passado por um tratamento psicológico de seis meses, foi liberado em julho, e tinha prestando serviço administrativo até agosto, antes de ser reintegrado e receber a arma no dia 3 de setembro. Quatro dias depois, ele cometeu o crime.
Veja também: Impedido de fazer reforma de casa, Luciano Huck faz doação para moradora da Caximba
Já o comando da PM afirmou não ter conhecimento de policiais que voltaram às suas funções tendo atestado médico. “A junta pode determinar um prazo maior ou menor para o tratamento, mas todos os atestados são analisados”, disse tenente-coronel Éveron César Puchetti, diretor de Pessoal da PM, durante entrevista coletiva, nesta segunda-feira (10). Segundo ele, os casos que podem não ser homologados são aqueles em que um novo atestado é apresentado pelo policial, indicando os mesmos sintomas psicológicos de um atestado anterior, desde que seja assinado pelo mesmo médico. “Há essa possibilidade porque a junta médica já fez uma avaliação anterior do policial e ela se mantém se não houver evolução clínica. Mas vai depender de cada caso, do tempo de tratamento que havia sido estipulado anteriormente. O comando da PM segue as orientações médicas”, explicou o tenente-coronel.
O próprio texto do regulamento interno número 005 da Coger aponta que 30% do efetivo de pouco mais de 20 mil PMs e bombeiros apresentaram algum tipo de atestado médico, sendo que a maior parte deles está relacionado a doenças psicológicas. Em entrevista coletiva na tarde desta segunda-feira (10), a PM informou que o número está errado e que, neste ano, somente 752 membros do efetivo foram afastados por problemas psicológicos – menos de 4%.
Com relação à denúncia, Puchetti afirmou que a corporação vai acatar o que for decidido pela Justiça Militar.
Acompanhamento
A orientação número 005 da Coger também chamou a atenção da Associação de Defesa dos Direitos dos Policiais Militares (Amai), que concorda com a reivindicação da Apra. Para a Amai, os policiais enfrentam situações tensas no dia a dia, por isso o acompanhamento médico-psicológico precisa ter critérios melhor definidos. “Se o paciente tem um atestado e o apresenta para a corporação, o documento não deve ser ignorado, valendo somente a palavra final da junta médica da PM”, argumentou Marinson Luiz Albuquerque, advogado da Amai. Segundo a entidade, houve até o caso de um soldado da PM que teve um surto durante uma junta médica da PM para avaliação psicológica. “Ele era obrigado a trabalhar mesmo com o atestado médico. De tão desorientado que estava, chegou a ameaçar se matar com a pistola na frente dos médicos”, afirmou Albuquerque.
Saiba mais: Famoso por bailes para idosos, clube de Curitiba é proibido de exercer atividades com som alto
Sobre a questão, a PM destacou que tem infraestrutura com corpo de psicólogos, médicos psiquiatras, médicos de outras áreas e terapeutas ocupacionais que oferecem o tratamento necessário dentro da corporação. E que, no caso do soldado citado na reportagem, o médico dele já o tinha liberado para o serviço operacional, mas a junta médica entendeu que era melhor esperar. “Ele voltou para a atividade administrativa, sem arma de fogo. Infelizmente, quando ele pegou a arma, houve o incidente e não deu nem tempo dele retomar o serviço operacional”, explicou Puchetti.
Outros casos
O comando da PM também comentou outros dois casos recentes de crimes envolvendo PMs. O do policial militar Peterson da Mota Cordeiro, 30 anos, indiciado como o assassino de Renata Larissa dos Santos, de 22 anos, cujo corpo foi encontrado na BR-376, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, e do tiroteio dentro de um quartel da PM em Ivaiporã, no interior do Paraná, que deixou três policiais mortos depois que um soldado fez disparos contra os colegas na troca de turno. Ele havia entrado com um mandado de segurança em 2016 para ser incorporado à PM, após ser considerado inapto no exame de sanidade física durante o processo seletivo para ingressar na corporação.
“O Peterson passou por todos os testes e não havia indicação de que ele teria essa tendência. Já no caso de Ivaiporã, o soldado não havia passado no teste de pesquisa social para entra na corporação, não foi no teste psicológico que ele falhou. Mais tarde, na turma dele, foi aplicado um teste psicológico e ele passou”, apontou o tenente-coronel Puchetti. De acordo com o comandante da PM, todos os testes psicológicos adotados pela PM são homologados pelo Conselho Federal de Psicologia.
Deixe sua opinião