No início de março, uma postagem nas redes sociais viralizou em todo o Brasil. Na publicação, o fisiculturista curitibano Kaique Barbanti, de 28 anos, questiona: "será que você consegue dimensionar a dor de cada paciente com Covid-19 numa UTI?”. O texto é acompanhado por uma forte imagem do próprio rapaz intubado e ligado à uma máquina que “substituía" os pulmões e o coração, uma última tentativa de salvá-lo das complicações do coronavírus.
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"Eu não digo isso pelas centenas de cateteres na veia, ou pelas gasometrias coletadas diariamente nas suas artérias, ou mesmo pela dor e a agonia de não conseguir respirar… Mas, sim, a dor de estar completamente sozinho, de não ter ninguém que você ama ao seu lado pra segurar sua mão nos momentos de medo, e principalmente a dor de acordar todos os dias pensando “será que eu vou morrer aqui sozinho e minha família não vai poder nem velar e se despedir do meu corpo?”, segue o texto.
É com o relato extremamente pessoal, feito seis meses após a própria alta hospitalar, que Barbanti apela para que as pessoas “fiquem em casa”, evitando o espalhamento do vírus em mais um momento de pico da doença. Kaique é um dos sobreviventes do primeiro pico do coronavírus em Curitiba, além de um dos casos mais incomuns até então: jovem, atleta e sem comorbidades, o fisiculturista passou 62 dias internado e chegou a ser desenganado pelos médicos por conta de complicações da Covid-19.
O diagnóstico da doença veio no início de julho. “O mais engraçado é que meus sintomas no começo não tinham nada a ver com uma gripe. Eu achei que tinha comido algo estragado e fiz o exame para o coronavírus por precaução", lembra. No 13º dia de sintomas, acreditando já ter "completado o ciclo” do vírus, em casa e sem maiores complicações, o fisiculturista viu a oxigenação baixar drasticamente, ainda que não sentisse, à época, falta de ar.
Ao procurar atendimento médico, no dia 20 de julho, ele foi internado no Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba, e transferido direto para a Unidade de Terapia Intensiva. Já no dia seguinte, ele foi intubado. Uma semana depois, no entanto, a batalha parecia vencida: Kaique foi transferido de volta para um leito de enfermaria, com alta prevista para os primeiros dias de agosto.
Último suspiro
Mas foi aí que começou a maior angústia dele e da família. "Um dia antes da alta, os médicos viram que eu tinha feito uma trombose no coração e, com isso, um tromboembolismo pulmonar. Imediatamente eu voltei pra UTI e, dessa vez, só o respirador não estava dando conta de manter minha oxigenação”, conta.
Novamente intubado, em estado grave, Kaique precisou ser ligado a uma máquina de uso raríssimo, a ECMO, que representa uma última chance a pacientes com a Covid-19.
Cânulas ligadas ao pescoço e à virilha do paciente desviam o fluxo sanguíneo para uma máquina, onde o sangue é oxigenado através de uma membrana artificial e devolvido ao corpo, enquanto os pulmões “descansam" do trabalho. A técnica envolve diversos riscos, além de cuidados intensivos de uma equipe previamente treinada, e tem uma taxa de sucesso de apenas 50%.
“Como se tudo isso não bastasse, durante a ECMO, em um dos tubos que me conectava à máquina apareceu uma superbactéria hospitalar. Os médicos tiveram que buscar um antibiótico novo diretamente com o laboratório, que ainda está em fase de testes”, conta.
Depois de 15 dias na máquina, sem apresentar melhora, os médicos chamaram a família de Kaique para que começassem a se preparar para o pior. “Eu estava inconsciente, mas para minha família foi desesperador. Os médicos mesmo não entendiam como alguém tão saudável podia estar naquele estado”.
Mais um vez, no entanto, a história de Kaique sofreu uma reviravolta, dessa vez para melhor: no 20º dia de tratamento com a ECMO, ele passou a apresentar melhora no quadro clínico. “Lembro da minha médica olhar pra mim, depois que saí do coma, e dizer que, como cientista, não sabia explicar como é que eu ainda estava lá”, lembra.
Reaprender a falar, andar e comer
Depois de 62 dias no hospital, Kaique Barbanti recebeu alta, em 21 de setembro. Nos meses que seguiram a fase hospitalar o tratamento continuou, com o uso de anticoagulantes e fisioterapia para reaprender movimentos básicos como falar, andar e comer.
Ao todo, ele perdeu 27 quilos durante a internação, dos quais já recuperou 19 desde a alta hospitalar. "Saí do hospital já com acompanhamento de uma nutricionista e fisioterapia, mas pra eu voltar a ter uma vida praticamente normal demorou até novembro. Fiquei com algumas partes do corpo anestesiadas e ainda precisei de alguns remédios por mais tempo", relata.
Hoje plenamente recuperado das sequelas da Covid-19, Kaique usa o Instagram para compartilhar o relato da doença e recuperação. "Faço a minha parte para incentivar que as pessoas fiquem em casa, ninguém está imune a esse vírus", comenta.
Atualmente, em todo o Paraná, cerca de 2.800 pacientes estão internados com diagnóstico de coronavírus, e outras 2.700 pessoas internadas ainda são consideradas como casos suspeitos, aguardando o resultado de exames para confirmar a Covid-19. Desde o início da pandemia, o estado soma 840.728 casos confirmados e 16.600 mortos em decorrência da doença.
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