“Quem pediu?”, questionava uma faixa de protesto no novo binário formado pelas ruas Mateus Leme e Nilo Peçanha, no Centro Cívico, que entrou em operação na última terça-feira (28) em Curitiba. Usuários de ônibus, comerciantes e muitos motoristas fizeram críticas à nova configuração, principalmente pelo tráfego nos horários de pico. Por sua vez, a prefeitura de Curitiba, que promoveu a mudança, colheu depoimentos favoráveis para tentar convencer o curitibano de que, após um período de adaptação, o trânsito fluirá melhor, especialmente para o transporte coletivo. O alento para quem está enfrentando caos nas vias é que, das duas uma: ou o novo binário se consolida como tantos outros já implantados na cidade – com fluidez e comércio ativo, segundo o poder público –, ou a comunidade se une para reverter o que foi feito – como na Augusto Stresser.
O objetivo do novo binário é nobre: desafogar uma importante via de acesso ao Norte de Curitiba e aos municípios vizinhos de Almirante Tamandaré, Rio Branco do Sul e Itaperuçu. Um dos entraves para isso é que ele ainda é curto, com apenas sete quilômetros, no trecho entre o Centro Histórico e a rua Evaldo Wendler. Ou seja: no cruzamento caótico com a João Gava, na altura do Parque São Lourenço, a Mateus Leme continua mão dupla. “Há um risco de os congestionamentos ficarem ainda piores”, diz Carlos Hardt, professor do Departamento de Gestão Urbana e coordenador da área estratégica de Cidades da PUCPR. “Isso porque a velocidade de chegada será maior. O fluxo de carros vai melhorar, vão chegar mais rápido naquele ponto, mas dali não vão fluir bem. Pode ter um pequeno agravamento”, observa.
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Segundo a prefeitura, o plano é estender o binário por toda a extensão da Mateus Leme, com previsão de implantação já em 2018. Isso, entretanto, exige investimentos para desapropriação de terrenos e casas, algo impraticável para as finanças públicas atualmente. Segundo a superintendente de Trânsito de Curitiba, Rosângela Battistela, mesmo com o tamanho atual, o binário vai ajudar na organização dos fluxos, especialmente com as três faixas de rolamento para ir em direção ao bairro e outras três para retornar ao centro.
No Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) também há um coro em defesa do novo binário. Segundo o economista Alberto Paranhos, assessor de planejamento do órgão, essa era praticamente a única opção de intervenção viária na Região Norte da cidade, marcada por relevo acidentado e ruas curvas. “A seleção se deu por uma questão de oportunidade, já que havia duas ruas praticamente paralelas, e de necessidade, para atender ao transporte público e o fato de as duas vias estarem congestionadas”, explica. Segundo ele, a mudança foi pensada especialmente para quem usa o ônibus. O gerente de infraestrutura de Transportes na supervisão de Planejamento do Ippuc, Márcio Augusto de Toledo Teixeira, diz que no momento foram feitas três pistas de rolamento, para também dar fluidez ao trânsito de automóveis, mas que há uma grande possibilidade de, no futuro, o transporte público ganhar uma pista exclusiva.
Para Hardt, da PUCPR, a faixa exclusiva realmente pode esperar. “Só tem sentido a faixa exclusiva no momento em que há dificuldade de tráfego para priorizar o modal, no caso, o ônibus. Pelo menos num primeiro momento, com o binário, é para ter uma boa circulação nas faixas normais”, avalia. Entretanto, ele observa que as três pistas de tráfego favorecem muito a velocidade, o que sempre transmite a mensagem de que o carro é incentivado, em detrimento de outros meios de transporte. A prefeitura já argumentou que não criou uma ciclovia porque há uma próxima, ligando o Bosque do Papa ao Parque São Lourenço. Reportagem da Gazeta do Povo, porém, mostrou que a via para bikes está defeituosa. Em relação à situação precária das calçadas, o prefeito Rafael Greca preferiu responder via Facebook, dizendo que elas são de responsabilidade dos moradores.
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Comércio
Uma das mudanças que desagradaram comerciantes foi a retirada de vagas de estacionamento na Nilo Peçanha. A Mateus Leme, como tem vagas em remanso – para dentro da via de passeio, não sofrerá mudanças, pelo menos por enquanto. “Tem muita reclamação, mas é que a memória das pessoas é falha também. Na Avenida Toaldo Túlio [Santa Felicidade], foi feita uma revitalização e com isso foram retiradas vagas da rua, talvez em torno de 50% do total. Houve muita chiadeira, mas o fato é que a rua continua viva, com o comércio florescendo, e muitos abriram depois disso”, observa Teixeira, do Ippuc.
Por outro lado, há iniciativas que tiveram que ser desfeitas. A rua Augusto Stresser, que cruza os bairros Juvevê e Hugo Lange, passou por uma grande reforma em 2012, e a prefeitura pretendia criar um binário com a Dr. Goulin. Moradores e comerciantes foram contra. Apenas uma quadra da Dr. Goulin foi usada para desviar o trânsito da Stresser, entre as ruas Almirante Tamandaré e José de Alencar. Mesmo assim, os comerciantes conseguiram reverter a situação: após anos de reuniões com Ippuc e prefeitura, toda a extensão da via voltou a ser em duas mãos, em junho de 2015.
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“Foi demorado, mas a vontade da maioria prevaleceu. Foram feitas mais de 12 reuniões, com comunicado na imprensa, faixas na rua. Lembro de encontros com mais de 160 pessoas. Tinha a turma do pró e do contra, mas foi tudo debatido e votado democraticamente”, conta Márcia Carazzai Sorgenfrei, da Floricultura Agapanthus. Os comerciantes relatam que as vendas são melhores com o fluxo em duas mãos. “Para a gente facilitou a chegada dos clientes. Quando era contramão, precisava dar uma volta imensa para chegar aqui”, diz ela. “Preferimos da forma como está hoje. Estávamos sendo prejudicados. Os carros que pegavam o fluxo pela Dr. Goulin seguiam até próximo da linha do trem, várias quadras ficaram prejudicadas”, diz José Reginaldo Sendeski, gerente da Deccore.
“Como arquiteto e urbanista, acredito que há ruas que podem ser binários e outras não”, diz Keiro Yamawaki, presidente da regional Paraná da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea-PR). Para ele, a Dr. Goulin não forma um par perfeito para compor um binário com a Stresser, pois têm perfis diferentes. “No caso da Mateus com a Nilo Peçanha, ela surge para organizar um pouco o tráfego. São duas ruas paralelas com tipologias de comércio e residências similares, não muito distantes, e por isso podem ajudar bastante”, observa. Ele lamenta, porém, a falta de integração de projetos. “A prefeitura é um órgão único, mas que não se conversa. Já ouvi de gente lá dentro, o pessoal do trânsito não é ouvido pelo Ippuc que não é ouvido pela Secretaria de Obras”, relata. Yamawaki também diz que tampouco a sociedade civil é ouvida, mas que esse é uma falha histórica da prefeitura.
No Ippuc, porém, o discurso é que a sociedade é ouvida. Paranhos diz que qualquer mudança viária pode ser revertida. “A cidade muda, os arruamentos em volta de uma obra viária mudam. E, mesmo quando há planejamento, este pode mudar, tanto no sentido de avançar com mudanças mais drásticas ou até no sentido de reverter”, afirma. O que é preciso, somente, é paciência, como mostram os três anos e meio que separam a implantação de mão única em alguns trechos da Stresser do retorno da mão dupla em toda a extensão, assim como os meses que se passaram para que tantos binários implantados na cidade conquistassem de vez o gosto dos curitibanos.
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