O excesso de velocidade não é o único impacto sentido com a implantação do novo binário de Curitiba, ligação entre o Centro aos bairros São Francisco e São Lourenço. Comerciantes da rua Nilo Peçanha – que, junto com a Mateus Leme, compõe o binário – alegam que a retirada das vagas de estacionamento da via fez despencar as vendas locais. Em alguns estabelecimentos, o movimento caiu 80%, tornando inviável a continuidade dos negócios. E, na tentativa de resistir à falência, lojistas tentam buscar um jeitinho para evitar serem engolidos de vez pelos cálculos que já não fechavam tão bem por causa da recessão econômica.
Marcio Santos, de 49 anos, viu a padaria da família patinar na lama desde a inauguração do binário, no fim de novembro. No primeiro dia em que a Nilo Peçanha passou a ser mão única, com fluxo sentido Centro ocupando toda a largura da via, a entrada de pessoas diminuiu consideravelmente por causa da falta de lugares para parar o carro. Desde então, a situação só piorou.
Dos cerca de 420 clientes que passavam no estabelecimento por dia, a média caiu para 70 - uma queda de 80%. Sem outra alternativa, Santos vendeu a casa própria, passou a morar de aluguel e o usou o dinheiro da venda na reforma de um imóvel na rua paralela, a Mateus Leme, que continuou com pontos de estacionamento mesmo com o binário. Ainda precisou dar férias de 50 dias para os 14 funcionários e negociou o pagamento do recesso com eles.
“Só assim para sobreviver. Foi a única forma que encontramos, já que eles nos responderam que não vai ser possível retornar com estacionamento aqui em frente”, comentou o proprietário. Silva também precisou recorrer a um segundo empréstimo bancário para arcar com os custos da mudança, mesmo ainda pagando dívidas com o banco referente a uma reforma feita recentemente no imóvel que agora vai ficar para trás. “Desde que começou o binário, não vinha mais ninguém. Cliente que ainda nos primeiros dias tentava parar rapidinho já levava buzina de carro que vinha atrás. Aí desistiram”, descreveu.
Com as vendas impactadas já pela crise econômica, Adenir de Araújo, 48 anos, dono de um açougue da Nilo Peçanha, não pensa em buscar outro ponto de melhor acesso. Por enquanto, se agarra no diferencial da casa: o delivery de carnes, que ajuda a manter boa parte dos clientes, mas ainda assim não foi suficiente para manter as contas do negócio em dia e evitar demissões. Logo após a chegada do binário, dois dos cinco funcionários da casa foram mandados embora e o volume de vendas caiu cerca de 30%. Se nada mudar, o açougue pode fechar as portas de vez.
“Eles fazem a coisa sem nem conversar com ninguém. O binário aqui acabou com o pequeno e o microempresário desse trecho da Nilo Peçanha que não tem estacionamento. Aqui já tivemos que demitir e não sei se não vou ter que passar o ponto. Minha ideia é, se não melhorar, virar motorista de Uber”, projeta Araújo.
Velocidade também atrapalha
Mesmo quem tem estacionamento próprio tem o que reclamar. Um dos pet shops da via, na altura do Pilarzinho, tem espaço interno para os carros dos clientes. Porém, os donos do estabelecimento estão traçando novas estratégias de vendas, já que o marketing visual não funciona mais por causa da velocidade muito mais alta com que os carros passam em frente.
“O trânsito aqui agora está extremamente intenso e veloz e a nossa estratégia, que era mais visual, de o cliente olhar para o comércio, agora vai ter que mudar. À tarde, tem ficado mais vazio aqui, aí botamos a mão no telefone e ficamos ligando para os clientes. Também vamos focar mais nas redes sociais”, explicou Alvin Alexandro, de 36 anos, um dos donos do pet.
Alexandro chegou a pedir autorização da prefeitura para fazer um recuo na calçada em frente e facilitar a parada dos clientes, mas não ganhou permissão. Na quinta-feira (4), a loja tinha dois atendimentos agendados, ainda menos do que em uma das quintas-feiras logo após a inauguração do espaço, em abril. “Se a gente ficar só na mesma quantidade de clientes, uma hora não vai mais dar certo porque as despesas aumentam. Por isso, o jeito é correr atrás de outras formas de chamar a atenção”, pontuou.
A superintendência Municipal de Trânsito (Setran) não se manifestou sobre a possibilidade de criar trecho com estacionamento na via, mas não excluiu completamente a possibilidade de recuo nas calçadas.
Segundo a Setran, solicitações de recuo na calçada devem ser analisadas caso a caso, porque depende da largura da calçada em cada ponto. “Neste caso, a orientação é fazer a solicitação pelo serviço 156, que fará o encaminhamento às áreas responsáveis pela análise do pedido e que darão uma resposta formal ao cidadão”, descreveu.
A prefeitura ressaltou ainda que, na Nilo Peçanha, é possível estacionar no período da noite e aos finais de semana. Próximo à Rua Carlos Cornelsen, onde tem uma concentração maior de comércio, o estacionamento é liberado.
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