Os conjuntos de prédios Serra do Mar I e II, no bairro Riacho Doce, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), são considerados pontos críticos quando o assunto é violência. Desde 2012, ano da entrega dos imóveis, o pátio do estacionamento do residencial, de 594 apartamentos, já foi palco de aproximadamente 30 mortes, conforme a Guarda Municipal. Por causa disso, o condomínio já é conhecido como “Serra do Mal” e “Condomínio da Morte”.
Só neste ano, com a morte do para-atleta José Agmarino de Jesus Coelho, 49 anos, na noite do último domingo (2), levantamento da Tribuna do Paraná apontou que pelo menos quatro pessoas foram assassinadas no local. Moradores denunciaram à reportagem que os residenciais são comandados por um traficante de dentro da prisão.
Para as pessoas que não têm envolvimento com os crimes que acontecem lá dentro dos portões dos nove blocos, viver no Serra do Mar tem sido uma tarefa de sobrevivência. As pessoas passaram a ter cautela e se preocupam até em falar ao celular, com medo de terem sido “grampeadas”.
“A gente tenta passar invisível. Tem que ter muita fé em Deus, pedir para que nada aconteça. Antes de sair de casa, a gente olha tudo em volta, fecha bem o apartamento e quando sai é passo rápido”, comenta um dos moradores.
Quem vive no residencial tem medo até de pegar correspondência na portaria. “Não dá pra conversar com ninguém. É chegar e sair. Receber visitas é um problema. Quando vejo que a situação está tensa e alguém quer vir, vou até a pessoa. Minha família mesmo, muito pouco me visitou até hoje”, conta uma moradora.
Ordens de trás das grades
A visão de quem passa na rua é de que o local não parece um residencial, mas sim uma prisão. Pintura acabada pelo tempo, estrutura suja, pichações, janelas quebradas e a sensação de que nada vai ser possível fazer para recuperar o que era para ser uma moradia. “É essa a intenção desse traficante. Eles não querem que o prédio mude”, confirma uma pessoa que vive no Serra do Mar.
Moradores denunciaram à Tribuna do Paraná até a ocorrência de ronda diária de funcionários do tráfico de drogas. “Eles não estão ali para vender, mas sim para avisar quem vende e quem comanda tudo. Uma movimentação estranha e as pessoas lá dentro já ficam sabendo”, relata um condômino.
Segundo a denúncia, as ações criminosas são organizadas de trás das grades. “Sabemos o nome dele. Um traficante, matador já bem conhecido da Justiça, comanda tudo da cadeia”.
Pânico diário
Atuante na região, a Guarda Municipal disse que os traficantes costumam intimidar os moradores. “Fazem terrorismo mesmo e acabam deixando todos com medo”, comenta Barreto. “Temos ainda a participação de adolescentes nas atuações lá dentro. A gente prende, encaminha e saem em seguida, por causa das brechas da lei. A grande parte das pessoas que morrem lá dentro está envolvida com o crime”.
A Guarda informa que tem feito trabalhos preventivos e de abordagem nas imediações do condomínio, isso de forma constante, mas que o problema vai muito além. “A situação social ali dentro é um fator predominante para a violência. Nós não vamos parar e temos planos para atuações no condomínio que não podem ser ditos. O que a gente pede é para que as denúncias continuem sendo feitas e que os moradores não tenham medo”. A GM criou um canal, de ligações gratuitas, que atende pelo telefone 0800-153-0800.
Em nota, a Polícia Civil informou que, referente às mortes ocorridas em 2016 e neste ano, tanto a Delegacia Regional e a Delegacia do Adolescente do município, em conjunto com Poder Judiciário, estão empenhados para esclarecer os fatos. “Todos os homicídios estão sendo investigados de forma minuciosa através de um trabalho de inteligência e campo. Demais informações não estão sendo fornecidas para não atrapalhar as investigações”.
Providências da Caixa
Em nota, a Caixa Econômica Federal alega que a responsabilidade pela segurança pública é do poder público. O banco informa que encaminha denúncias à Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), conforme Portaria Interministerial nº 647/2014, com objetivo de integrar ações preventivas e corretivas de condutas ilícitas em programas habitacionais da União.
Em relação ao uso irregular, invasão ou venda de imóveis da faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida, as denúncias devem ser feitas para a Ouvidoria da Caixa no telefone é 0800 725 7474 e a ligação é gratuita. A Caixa notifica os moradores para que comprovem a ocupação regular do imóvel. Caso fique comprovada a irregularidade, a Caixa protocola notícia-crime na Polícia Federal e adota as medidas judiciais cabíveis.
Denúncias foram feitas à Polícia Militar, Guarda Municipal, Ministério Público e Caixa Econômica Federal, que foi responsável pela obra, mas nada foi feito. “Já fomos até na Câmara de Vereadores. Apelamos a todos os canais de denúncias desde 2012, quando teve a primeira morte, mas nada aconteceu. Ainda não procuramos a Polícia Federal, mas talvez seja nossa esperança”, desabafa outro morador.
De acordo com os condôminos, as mortes são unicamente para mostrar quem manda. “Parece que fazem mesmo pra falar que estão comandando tudo e sabendo de tudo, um alerta”. Um síndico, de 30 anos, morto no começo de janeiro, foi executado por ter criado inimizade com o “chefão”. “O líder deve ter se irritado com ele, porque as coisas pareciam estar entrando nos eixos no prédio, ele (o síndico) passou a não atender ordens, e o traficante mandou matar”, aponta uma moradora.
Contas em débito
No condomínio, foram realocadas pessoas que moravam em áreas de invasão e favelas perigosas de vários bairros de São José dos Pinhais. “Todos os traficantes, criminosos, foragidos e tudo o que mais poderia ter de coisa ruim foram colocados junto às pessoas de bem”, define uma pessoa que mora no Serra do Mar.
Segundo os moradores, no contrato que a Caixa fez com eles existe uma cláusula que diz que qualquer prática ilícita que venha a causar dano ou algum tipo de perigo aos outros moradores teria que ser avaliado. “Se alguém infringisse normas, essa pessoa teria que sair. Sem contar a inadimplência. Tem gente que não paga nada, algumas por problemas financeiros e outras por medo da roubalheira mesmo, mas nada acontece”.
Todas as contas do condomínio estão atrasadas, porque o dinheiro que seria usado no pagamento teria sido desviado, e os moradores vivem sob o medo de ter serviços básicos como água e luz cortados. “Representantes do traficante estão tocando o terror. Elas têm colocado gente para que fique ouvindo o que acontece aos arredores. Sempre tem gente observando a gente”, conta um condômino.
Não passa nada
Conforme os moradores, os informantes sempre sabem até mesmo quando a PM ou outros serviços são chamados no condomínio. “Se algum morador precisa de uma viatura da PM ou até do Samu, eles sabem antes. A gente não sabe como, mas eles falam entre eles que os homens estão vindo”.
Segundo o chefe de operações da Guarda Municipal da cidade, o Serra do Mar é um exemplo a não ser seguido. “Um erro de concepção de realocação de famílias. Quando houve a construção do condomínio, a segurança pública não foi consultada. Construíram, colocaram famílias de diferentes faixas de renda lá dentro e obviamente isso ia gerar um conflito social. Estourou”, resume Barreto.
Segundo o guarda municipal, a estrutura do condomínio favorece a criminalidade, porque é fácil se esconder, já que é difícil o patrulhamento dentro do local. “A gente até faz o patrulhamento dentro das vias, mas é muito mais difícil encontrar um flagrante, eles têm tempo de agir lá dentro”, explica.
A disputa pela venda de drogas é diária e não acaba. “Um morador de bem, que sai todo dia para trabalhar, não quer voltar para a casa, tem vergonha de onde mora. Isso porque, além dos bandidos, têm os invasores. Ali dentro, estimamos que 60% não deveriam estar ali”.
A obrigação de retirar esses invasores do local é da Caixa Econômica, mas, segundo os entrevistados, a instituição não tem demonstrado muito interesse nisso. “Deveria ter sido feito o despejo. Já fizemos várias reuniões com a Caixa, pedindo empenho deles nesse sentido, mas nada foi feito”, reforça o guarda municipal.
Uma forma de escapar do que convivem diariamente seria sair do condomínio. “Não temos como sair. Teríamos que entregar o apartamento e perder tudo o que já pagamos. Algumas pessoas já fizeram isso, mas eu não quero perder o que paguei. Essas pessoas realmente não aguentaram mais e só sabe disso quem sente na pele”, desabafa uma moradora.
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