No começo de outubro, curitibanos que trafegavam pela BR-277 ou pela Linha Verde ficaram sobressaltados com uma imagem pouco usual: um comboio militar transportando nada menos do que 96 tanques de guerra a caminho de Curitiba. Operação de guerra? Intervenção armada? Algum tipo de exercício militar? Nada disso.
Os blindados estavam a caminho de Curitiba para serem entregues aos cuidados dos engenheiros e mecânicos do Parque Regional de Manutenção do Exército no bairro Bacacheri. Os veículos – um total de 100, sendo que os quatro primeiros já haviam chegado em março – foram doados pelos Estados Unidos em uma negociação na qual o Brasil aceitou receber gratuitamente equipamento bélico que não era mais utilizado pelo exército americano. Os tanques vieram da Flórida e chegaram ao Porto de Paranaguá dia 3 de outubro, após 16 dias de viagem. O transporte exigiu uma operação logística complexa, envolvendo 130 militares. Cada tanque pesa, em média, 25 toneladas.
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Esse tipo de doação é feita rotineiramente pelos Estados Unidos a países aliados. Os EUA renovam seus equipamentos militares anualmente e oferecem os antigos a governos estrangeiros. Esses países, como o Brasil, inspecionam o material e, se tiverem interesse, enviam uma requisição ao Congresso americano para recebê-los. Além disso, pagam por todos os custos de embarque. “Uma das cláusulas do programa, inclusive, é de que o transporte seja feito em um navio de bandeira americana”, informa o major Fernando Souza e Silva, da Seção de Transporte Internacional da Comissão do Exército Brasileiro em Washington.
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O valor investido no transporte dos tanques não foi divulgado, mas o Exército informa não ser significativo se comparado ao preço dos equipamentos. Só os 60 blindados modelo M109 A5 estão avaliados em R$ 10,8 milhões e as 40 viaturas remuniciadoras – que transportam munição – valem R$ 17,8 milhões. “Ainda não sabemos quanto vai custar a manutenção porque vamos adquirir as peças dos Estados Unidos. Mas, com certeza, o valor final de cada tanque será mínimo se comparado ao valor de mercado e à potência que eles têm”, enfatiza o tenente-coronel Jason Ferrari, diretor do Parque de Manutenção em Curitiba.
As forças armadas americanas não informaram ao Brasil em quais guerras os tanques já combateram. Entretanto, há confirmação de que eles foram utilizados em missões no exterior. Como foram fabricados entre 1992 e 1997, os blindados podem ter sido utilizados nas guerras do Afeganistão, Iraque e até mesmo na atual luta contra o Estado Islâmico. Um indicativo disso é a cor de boa parte das viaturas: bege, a mesma usada pelos blindados nos combates no deserto do Oriente Médio.
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No Bacacheri, o Exército trabalha na adaptação dos blindados ao padrão brasileiro. E a empreitada vai longe: a conclusão está prevista para 2025. Após a manutenção em Curitiba, os tanques serão distribuídos por quartéis de todo o Brasil, formando a maior força de combate a ataques químicos, biológicos e até nucleares da América Latina.
Tanques poderosos
Segundo o tenente-coronel Ferrari, mesmo com mais de 20 anos de fabricação, os blindados estão entre os mais modernos do mundo. A principal vantagem é a capacidade de disparo dos canhões dos modelos M109 A5, cerca de 30% mais distante do que os tanques atuais do Exército. De 23 km dos blindados atuais, o poder de fogo sobe para 30 km de distância.
“Quase não há artilharias no nosso continente com esse alcance. Então, se houvesse necessidade, poderíamos atirar no inimigo sem que ele nos atingisse”, explica Ferrari. A agilidade também é outra vantagem do M109 A5: o tempo entre a ordem de disparo e o disparo propriamente dito é até 80% mais rápido.
Os novos tanques também possuem sistemas de proteção contra ataques biológicos, no qual o inimigo espalha vírus e bactérias para infectar os oponentes, e ainda protege os soldados de ataques com armas químicas que possam causar lesões ou morte. Para isso, o tenente-coronel explica que há um filtro especial no blindado que protege os ocupantes. “Além desse filtro, o tanque ainda é produzido com um material que somente os Estados Unidos têm, que seria capaz de resistir a um ataque nuclear”, informa Ferrari.
No entanto, ainda que os novos modelos prometam todo este poder, o diretor do Parque de Manutenção adianta que os tanques utilizados atualmente pelo Brasil, modelo M109 A3, não serão desativados. “Sabemos que nossa versão é mais antiga, mas ela possui o mesmo chassi dos novos, o que facilita manutenção e logística. Então, serão apenas remanejados para outras unidades do Exército”, aponta.
Manutenção
A distribuição dos tanques doados pelos Estados Unidos acontecerá à medida que os blindados passarem por reparos e adaptações no quartel de Curitiba. De acordo com o subdiretor do Parque de Manutenção, tenente-coronel Eduardo Ribeiro Machado, o trabalho será minucioso para evitar acidentes em combate.
“Como os tanques vieram sem o histórico de uso ou de troca das peças, precisaremos repor todas as partes que tragam algum risco aos ocupantes, principalmente no sistema de tiro, que não pode falhar”, pontua.
Após o uso em combates pelas forças americanas, os blindados ficaram cerca de três anos parados, o que exige ainda mais atenção da equipe do Parque de Manutenção do Bacacheri, já que isso pode contribuir para o surgimento de alguns defeitos.
No quartel de Curitiba, os veículos receberão novos armamentos e sistemas. Entre as alterações está a instalação de metralhadoras calibre 50 no topo de cada tanque e também de equipamentos para planejamento de manobras, como GPS, sistema eletrônico de pontaria, sistema de navegação e computador de tiro.
A expectativa é de que o trabalho inicie em 2020 e de que oito blindados de cada modelo sejam concluídos anualmente, finalizando todo o processo de manutenção dos 100 blindados em 2025.
Mais blindados
Outro lote de 32 blindados deve chegar ao Brasil no início de 2019. De acordo com o tenente-coronel Ferrari, os veículos do modelo M109 A5 Plus já estão em manutenção nas forças armadas dos Estados Unidos e chegarão ao Brasil prontos para uso. “Eles virão com sistema altamente moderno e só perderão para a tecnologia usada pelo próprio exército americano, que possui tanques M109 A6 e já pensa em migrar para o modelo A7”, explica o oficial.
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