É na ampla garagem nos fundos de sua casa no bairro Hauer, em Curitiba, que o engenheiro mecânico Eduardo Tows gasta a maior parte das suas horas livres. Entre as preciosidades guardadas no local estão cinco automóveis dos anos 1970, 80 e 90 que ele está restaurando ou já restaurou. “Essa é a minha cachaça”, confessa, levantando a ponta da lona que revela um Passat cuja lataria brilha como se fosse zero km.
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Mas não são os carros os protagonistas ali. A joia da coroa é um ônibus Mercedez-Benz 1113 modelo Gabriela II com carroceria Caio que o engenheiro comprou para chamar de seu. Pintado em verde e amarelo como quando saiu da fábrica, em 1979, não tem como desviar os olhos dele. “Quando passa na rua, todo mundo torce o pescoço pra ver, cumprimentam, fazem ‘joinha’. É muito legal”, diverte-se Tows.
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O Gabriela sempre foi o sonho de consumo do engenheiro mecânico, um fascinado por ônibus desde pequeno e que fez da paixão uma profissão: ele trabalha há 20 anos na Auto Viação Cidade Sorriso, onde hoje atua como gerente corporativo de manutenção. “Esse exemplar é um carro que me acompanhou na infância. A garagem que fazia o transporte escolar tinha muitos desses. Acho ele muito bonito até hoje, era além do tempo dele. Sempre tive vontade de ter um Caio Gabriela”, afirma o homem que, de tão apaixonado por ônibus, se lançou também em um projeto para restaurar o primeiro biarticulado a circular no Brasil.
E a restauração do Gabriela começou justamente com uma brincadeira entre colegas. “Disse a eles que se achasse um modelo desses bem conservado eu compraria. Dois dias depois, um amigo me ligou e disse: ‘achei o teu carro’”, relembra. O ônibus estava abandonado em uma rua em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba. Eduardo foi lá, examinou o veículo e, depois de um mês negociando com o proprietário, acertou a compra.
Quatro anos depois
O projeto de restauração demorou quatro anos e custou – incluindo os R$ 11 mil pagos no veículo – em torno de R$ 50 mil. “A mecânica dele não me deu muito trabalho, o motor é original, mas já estava retificado. A embreagem também era nova”, conta Tows. O maior trabalho foi mesmo a lataria, que em algumas partes estava totalmente corroída, e com os detalhes e acabamentos de época. Algumas peças foram trazidas de fora do estado, outras encontradas em ferros-velhos e algumas precisaram ser fabricadas, como frisos e caixas de roda.
O engenheiro buscou ajuda de uma empresa especializada na manutenção de ônibus, mas o projeto de restauração foi um desafio também para eles, pois a recuperação de um veículo desse tipo não é algo comum. O carro – como são chamados os ônibus na linguagem de quem trabalha com transporte de passageiros – era originalmente propriedade da Auto Viação Nossa Senhora da Luz. Depois, quando foi aposentado, foi repassado a uma ONG e acabou abandonado.
Lembranças
A pesquisa para deixar o veículo como era originalmente foi bem detalhada. Cada friso, estofamento, cores e detalhes foram trabalhados para transformar o Gabriela numa verdadeira máquina do tempo. O ônibus, inclusive, revela aspectos históricos do transporte coletivo de Curitiba na época, como o embarque – que era feito pela porta de trás, pois cobrador e catraca ficavam nos fundos do veículo – e as cordas que serviam para acionar a campainha e avisar o motorista que o passageiro queria descer.
“Eu lembro desses ônibus quando ia para a escola, só que a configuração interna era diferente. Era um ônibus escolar. Este é configurado para o transporte urbano”, conta Tows. Ele também pegava o Gabriela no transporte público. “Só que na minha lembrança, eles já eram todos amarelos. Lembro da minha mãe cuidando de mim dentro desse tipo de ônibus. Eu tinha 4 anos e passava por baixo da catraca borboleta, o que era a alegria da garotada na época”, recorda. No início da década de 1980, os ônibus do transporte coletivo eram pintados apenas de amarelo, o que modificou a cor original do carro, do final dos anos 1970.
Além dessas memórias, o engenheiro conta que quase nasceu dentro de um ônibus. Isso porque a mãe dele, que estava grávida do primeiro filho, pegou o transporte coletivo para ir à casa dos pais, achando que estava passando mal. “Quando ela chegou lá a minha avó falou: ‘você não tá passando mal. Corra porque essa criança vai nascer!’” Eduardo veio ao mundo quase três semanas antes do previsto — e quase dentro de um coletivo.
Ônibus particular
Vez ou outra, quando a agenda permite, Eduardo Tows vai trabalhar dirigindo o próprio ônibus. “Eu prefiro andar com ele do que com o meu carro. E é o xodó na empresa também. Tem motorista e cobrador que pedem para tirar foto”, revela. A circulação do veículo, no entanto, é restrita, já que ele não passa dos 70 km/h, o que o impede de circular em rodovias de alta velocidade. Além disso, o modelo está totalmente fora das normas atuais do transporte público, que exige degraus mais baixos, distâncias maiores entre os bancos dos passageiros e na entrada da catraca e controles mais rígidos para a emissão de poluentes.
O motor, que não tem turbina como os modelos mais novos, é econômico: faz de 3 km/L a 4 km/L, o que, segundo o proprietário, é um bom consumo. Ainda bem, pois no tanque só cabem 210 litros de óleo diesel — o que era o suficiente para rodar o dia todo na cidade. Na época, final dos anos 1970 até meados da década seguinte, o Gabriela que Tows restaurou circulou nas linhas Detran/Vicente Machado e Paraíso, na região do Atuba.
“O futuro dele agora é receber uma placa preta, como veículo de coleção, e participar de eventos. Afinal, ele chama mais atenção do que um carro zero”, afirma o apaixonado por ônibus, que já recebeu propostas de locar o veículo para a produção de um filme. “Não deu certo porque precisavam de um ônibus branco”, justifica. Como muita gente lembra desse modelo de ônibus com saudade, ele poderá ser locado para desfiles e, quem sabe, casamentos. “Numa exposição que ele participou, teve um casal que ficou o dia inteiro sentado no banco traseiro namorando, lembrando de quando se conheceram.”
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