Oito anos depois, a delegada Vanessa Alice está de volta ao caso Rachel Genofre, a menina de 9 anos encontrada morta com sinais de abuso sexual em uma mala na rodoviária de Curitiba em novembro 2008. Com a identificação por DNA do suspeito 11 anos após o crime, Vanessa retorna ao caso pela experiência que acumulou nos três anos em que comandou a investigação mais desafiadora da história da Polícia Civil do Paraná, atuando pelo Centro de Operações Policiais Especiais (Cope).
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Atualmente delegada-adjunta da Divisão Policial do Interior, Vanessa está auxiliando a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) a decifrar a conduta de Carlos Eduardo Santos, 54 anos, o suspeito identificado pela prova genética, no crime. Preso desde 2017 no Presídio Sorocaba II, em São Paulo, onde cumpre pena de 22 anos por crimes sexuais, estelionato e roubo, ele foi transferido para Curitiba, onde fica até a conclusão do inquérito.
Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, a delegada fala da frustração a cada resultado negativo de DNA dos suspeitos. Diz também que o fato de ter detido outros autores de crimes sexuais infantis a partir da investigação do caso Rachel de certa forma a consola. “As pessoas podem saber do caso, mas ninguém o conhece mais do que eu”, resume a delegada.
A senhora foi a delegada que atuou por mais tempo no caso Rachel Genofre. Como foram as investigações nos três anos em que conduziu o inquérito?
Foram mais de mil pessoas ouvidas enquanto presidi o caso, mais de 100 pessoas encaminhadas ao exame de DNA. Em quase três anos, foram muitas pessoas envolvidas, de vários estados, em várias cidades. Havendo a suspeita em cima desses relatos, alguém que pudesse se tornar um suspeito era investigado mais profundamente.
A morte da Rachel é considerado o crime mais difícil da história da Polícia Civil do Paraná. Foram 11 anos até encontrar o assassino. Quais eram as dificuldades na investigação?
Não tínhamos nada. Não tínhamos câmeras com imagens que pudessem auxiliar nas investigações, não tínhamos qualquer testemunha, ninguém que tivesse visto a Rachel sair da escola. Ela desapareceu por volta das 17h30, na Rua Voluntários da Pátria, no Centro de Curitiba. Ali foi o último lugar em que ela foi vista. O pessoal dizia que ela era extremamente comunicativa. Então fomos atrás de todos os locais que ela frequentava: banquinha de jornal, loja de doces, ponto do ônibus, os motoristas e cobradores do ônibus da linha que ela pegava. Todas as pessoas foram ouvidas. Mas as dificuldades eram enormes porque não tínhamos sequer uma testemunha que pudesse auxiliar nas investigações.
Houve algum suspeito que vocês realmente acreditavam ser o autor da morte da Rachel?
Ouvimos muitos pedófilos, muitos mesmo. Acabamos efetuando prisões, inclusive, de pedófilos com mandado de prisão. Recordo de uma pessoa que após denúncia fomos cumprir busca em um quarto de pensão. Ao chegarmos, acabamos apreendendo um vasto material de pornografia. Inclusive a tela de computador dessa pessoa já trazia uma criança. Efetuamos o flagrante por crime de pornografia infantil. Então, foram "N" casos. Também investigamos muitas pessoas que saíram de Curitiba logo após o crime.
Qual era a dificuldade de conseguir autorização para coleta de material genético?
Dependia muito da pessoa com quem conversávamos. Alguns deles prontamente se habilitaram a fazer o exame. Diziam “não tenho nada a ver com o crime, então faço o exame”. Outros diziam que não iam ceder material genético. A gente alertava que a única forma de comprovar inocência era através do material genético. Então, na maioria dos casos, eles ofereciam o material.
Casos como o Rachel demandam muito dos policiais. Como era sua rotina enquanto comandou as investigações?
Trabalhávamos inteiramente neste caso. Muitas denúncias chegavam e todas eram verificadas, nada ficou sem investigação. Tínhamos contato quase que diário com os familiares da Rachel. Não tinha dia, não tinha horário. A qualquer momento que viesse informação, saíamos para verificar a informação. O trabalho policial geralmente não tem horário fixo, não é como fechar o escritório às 18h. Enquanto estivermos na investigação, não tem um horário para encerrar, seja Natal, ano novo, feriado, final de semana.
Quantas equipes trabalharam com a senhora no caso?
No começo eram duas equipes. Quando precisava de mais, os outros policiais do Cope iam a campo também. Depois ficou uma equipe comigo, mas trabalhando somente no caso da Rachel.
De onde vinham denúncias?
As denúncias eram as mais variadas. Tinham algumas denúncias que pareciam que nos levariam a alguma coisa e, no fim, eram vinganças pessoais. Por causas, inclusive, trabalhistas. Cheguei até a pedir busca e apreensão em alguns locais por causa de informações de objetos ligados ao crime, como roupas e calçados. Aí, se nada fosse comprovado, era outro trabalho: a gente tinha que investigar quem fez a denúncia e por muitas vezes indiciávamos essas pessoas por falsa denúncia.
É verdade que chegaram até denúncias feitas por videntes?
Sim. Havia pessoas que vinham nos procurar porque um “ventinho soprou uma informação para ela”. Eram coisas impossíveis. Videntes, pessoas que vinham trazer informações, como a gente dizia, do além. Algumas a gente ia atrás. Outras, não demos muita atenção porque eram simplesmente impossíveis.
Quantas informações sobre o caso a sua equipe chegava a receber por dia?
Tínhamos uma média de 50 a 100 informações por dia que vinham de todos os lados. Vinha da família, da escola, de pessoas interessadas na investigação, de outras unidades policiais, da Polícia Militar, Polícia Federal... Todo mundo encaminhava informações para nós. Pessoas suspeitas, pessoas semelhantes ao retrato falado que foi elaborado na época, pessoas que ficavam desocupadas nas proximidades do colégio, pessoas que foram vistas próximo à data do crime com uma mala semelhante ao que o corpo estava, pessoas que diziam estar em pensões ou em hotéis nas proximidades do colégio. Todos esses hotéis, todas estas pensões foram verificadas, quarto por quarto, todos os colchões, todos os hóspedes. Tudo isso foi feito na época.
Como vocês lidavam com essa quantidade enorme de informações?
Pegávamos um suspeito, encaminhávamos para DNA, dava negativo. Aí passávamos para outra linha de investigação. Foram inúmeras linhas de investigação.
Como era montar toda a linha de investigação, chegar a um suspeito e descobrir que o assassino não era essa pessoa?
Era bastante frustrante. Tanto que muitos investigadores pediram para sair do caso quando chegavam neste ponto de montar toda a linha de investigação, chegar a pegar o suspeito, trazer para a delegacia, fazer o exame e dar negativo. Eles pediam para sair do caso e aí chegavam novos investigadores e iniciávamos tudo de novo. Assim foi durante esses três anos.
Como foi receber a notícia da identificação genética do suspeito após 11 anos?
Foi um alívio. Parece que saiu um peso. A gente se sente aliviado em saber e contar para a sociedade. Em saber que a família tem uma resposta, a sociedade tem uma resposta.
A senhora acompanhou o depoimento de Carlos Eduardo dos Santos no presídio em Sorocaba. Como foi estar frente a frente com a pessoa que senhora buscou por esses anos todos?
É uma sensação gratificante, de dever cumprido. E poder auxiliar com tudo que você foi trabalhando, com tudo que você viu e acompanhou, poder colaborar com esse trabalho que foi organizado pela DHPP é gratificante.
A senhora voltou para o caso por toda a vivência que teve nestes anos à frente da investigação. Como foi esse retorno?
É um trabalho em conjunto entre a DHPP e o trabalho que foi realizado na época. Estou em conjunto com a equipe da DHPP no auxílio daquilo que já foi visto para poder elucidar o crime.
Pela crueldade do assassinato de Rachel, a senhora desconfiava que o autor teria o perfil do Carlos Eduardo dos Santos: um sujeito com uma longa ficha de crimes sexuais?
Era de se pensar sim que seria uma pessoa com muitos crimes. Tanto que a gente realmente acreditava que ele seria identificado através do DNA, porque foram checados todos os pontos de investigação. Então teria que ser identificado pelo DNA mesmo. E acabou acontecendo.
Como foi o interrogatório do Carlos Eduardo dos Santos. Ele chegou a declarar coisas que a senhora encaixou com as investigação da época?
Algumas coisas foram batendo, outras não. Então, por mais que eu tenha participado desse interrogatório, isso ainda está sendo investigado.
Como foi recordar tudo isso novamente estando de frente para o suspeito?
A gente tem um profissionalismo para lidar com isso. Mas é gratificante conseguir encaixar aquele trabalho de investigação naquilo que você está vendo. É bom você ver que a coisa foi solucionada.
Qual peso a senhora dá para todo o seu trabalho à frente das investigações agora que o suspeito foi identificado?
Embora na época não tenha se obtido resultado, até por tantas dificuldades que tínhamos, fizemos um trabalho muito bom, que resultou em outras prisões e em várias coisas que hoje podem ser usadas para formar esse conjunto, para levar a condenação do autor do crime. A gente sabe que a investigação da época contribuiu e vai contribuir para o trabalho que está sendo realizado hoje.
A senhora considera o seu trabalho foi crucial para fechar o inquérito?
Sim, para ver se o que o autor está falando agora é verídico, até onde se pode acreditar para formar o perfil desta pessoa. Todo o trabalho utilizado na época integra a investigação.
A família da Rachel cobrou muito da polícia nesses 11 anos. Como foi o relacionamento com a família?
Quase que diariamente a gente tinha contato. Eles sabem do empenho da polícia. Era frustrante chegar ao final e não achar o autor, para nós e para a família. Acredito que embora na época não tivéssemos conseguido o êxito, a família sempre esteve satisfeita com o trabalho que estava sendo feito. Tanto que hoje, com o autor identificado, temos todas as investigações para poder colaborar com o que tá sendo feito.
A senhora chegou a falar com a mãe da Rachel após a identificação do suspeito?
Falei com a tia da Raquel quando o autor foi identificado. Ela me ligou.
Eles agradeceram por todos esses anos de investigação? Como foi?
Foi um trabalho conjunto entre família e polícia. Tanta gente disse, “olha doutora, finalmente o autor foi identificado, finalmente nós conseguimos”.
Como foi manter o lado emocional, mesmo com tantos anos de carreira na polícia, quando a senhora encontrou o assassino?
É repugnante, óbvio, mas você tem que estar com a cabeça no lugar para poder fazer um bom trabalho. Não cabe ao policial julgar. Você está ali para cumprir a investigação.
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