De solução, a Linha Verde se transformou em uma das maiores desafios urbanísticos de Curitiba (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)| Foto:

"Quero ser o prefeito que termine esta obra. Ao fim de 2020, deveremos ter a Linha Verde pronta", disse o prefeito Rafael Greca em visita às obras da Linha Verde em outubro de 2018. Mas ele não foi o único a fazer essa promessa. Há quase uma década que os curitibanos acompanham os trabalhos que tentam transformar um antigo trecho da BR-116 que corta a cidade praticamente ao meio.

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A área já chegou a ser considerada uma barreira quase intransponível e prejudicou durante algum tempo o desenvolvimento de um lado da cidade, impedindo que bairros como Boqueirão e Bairro Novo conseguissem fazer parte do plano diretor. Assim, ainda no final dos anos 1990, a Linha Verde foi pensada como uma forma de unir os extremos norte e sul de Curitiba. “Sempre teve uma vontade, pra não dizer obrigatoriedade, de costurar os dois lados da cidade”, afirma Reginaldo Reinert arquiteto e autor do projeto da Linha Verde.

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O plano foi para o papel somente em 2001, na gestão de Cassio Taniguchi (DEM). “Não existe num passado recente uma cidade que tenha feito dentro do seu território tantos quilômetros de pavimentação como foi feito na Linha Verde. É uma obra gigante. Isso as pessoas devem observar até para ter consciência do tempo da obra”, diz Reinert.

Com isso, o tráfego intenso dos caminhões ficou restrito aos contornos e a Linha Verde passou a ser uma espécie de eixo estrutural, só que unindo também uma visão metropolitana. “Ela sempre foi uma via com intenção primeira de ser um corredor de transporte e desenvolvimento urbano. Essa é a base da Linha Verde. Jamais se pensou em manter a via com características rodoviárias. Para desenvolver uma via é preciso um trânsito mais domesticado”, explica o arquiteto.

Lidar com o alto fluxo ainda é o principal desafio da Linha Verde (Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)

Para isso, foi adotado um modelo dos trinários já usado dentro da cidade: uma via rápida que segue sentido Centro, outra que abriga a canaleta do expresso com uma via lenta de cada lado e uma via rápida sentido bairro. Na Linha Verde, por ser uma rodovia, foi possível atrelar praticamente todos esses sistemas em uma única pista. A diferença é que as vias lentas, ao invés de estarem junto da canaleta, estão nas marginais.

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"Se não fosse assim, a gente continuaria com uma rodovia com os problemas que a gente tinha na época", argumenta o arquiteto e professor de Urbanismo da PUCPR Marlos Hardt. Ele acredita que o que aconteceu foi uma troca de situações desagradáveis. "A gente tinha um problema que era uma rodovia cortando a cidade e agora a gente tem um problema de uma grande avenida que não consegue dar vazão ao fluxo que ela recebe", afirma.

Alto fluxo

Para Hardt, os problemas na Linha Verde não se resumem apenas aos erros de projeto, como a não previsão de trincheiras. "A gente teve um acréscimo de veículos num período relativamente curto de tempo", diz. Entre 2007 e 2015, a frota curitibana saltou de 966,7 mil veículos para 1,4 milhão. "Fora isso, as relações metropolitanas se intensificaram muito. Muita gente que mora em Fazenda Rio Grande, Colombo e Pinhais utiliza a Linha Verde para trabalhar em Curitiba e chega todo mundo praticamente no mesmo horário.”

Mesmo que tenha acontecido um problema de quantificação, hoje é difícil de resolver já que não há espaço para novas pistas — solução pouco indicada para problemas de fluxo, como é o caso. "Cada vez que incluir novas pistas, pode parecer que está resolvendo em um primeiro momento, mas aos carros logo vão ocupar essas pistas e o problema vai continuar", diz o especialista da PUCPR.

Para o professor, o principal problema é a falta de fluidez. “Se a gente perceber, os maiores pontos em que há congestionamento são os pontos que não há travessia em desnível”. A discussão é considerada complicada porque, do ponto de vista da paisagem urbana, é bom que se tenha esse tipo de travessia com semáforo para o pedestre circular com mais facilidade, mas o fluxo viário deve ser pensado de acordo. “Não existe milagre”, decreta, argumentando que não tem como resolver uma via com característica de expressa com estratégias de coletora. “Acho que aí mora o problema da Linha Verde.”

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Transporte público

Reginaldo Reinert diz que o projeto privilegiou o transporte público desde o começo. “As saídas das estações da Linha Verde deveriam ser obrigatoriamente em nível”, diz. Segundo o arquiteto do Ippuc, onde existe a estação é onde os alimentadores — as linhas que transpõem a Linha Verde — fazem a ligação com a estação. “Do ponto de vista de operação, a Linha Verde segue o ritmo do transporte”, diz. A lógica é que quando para na estação, o pedestre precisa cruzar a via. O problema é que isso faz com que o fluxo para carros tenha que ser interrompido várias vezes, o que deixa o trânsito lento. Segundo Reinert, foram previstas trincheiras, projetadas para fazer o tráfego de passagem e cruzar para outro destino, porém fora da região da estação.

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Para Hardt, o primeiro passo para avaliar o transporte público é vê-lo funcionando. “Há trechos onde já está implementada a canaleta e não tem ônibus passando. A gente tem que colocar a Linha Verde para rodar, principalmente para entender de fato qual a oferta e qual a demanda”, afirma. Outro aspecto que ele considera importante é ver o projeto se consolidar. O urbanista explica que Curitiba sempre trabalhou com seu tripé de desenvolvimento: uso e ocupação de solo, sistema viário e transporte.

A canaleta instalada ao longo da Linha Verde ainda aguarda seus primeiros ônibus (Foto: Cassiano Rosario/Gazeta do Povo)

“Na Linha Verde, em alguns trechos a gente só tem o sistema viário. Em outros, sistema viário e transporte. Em pouquíssimos trechos se tem sistema viário, transporte e uso do solo”, comenta. Para ele, uma explicação são os pólos de desenvolvimento que ainda não consolidaram, não dando uma visão de futuro sobre a área. Segundo ele, a via ainda não é o que se planejou para ela. Faltam os prédios altos, os serviços, tendo uma visão muito característica de indústria. “É difícil ver como uma via urbana. Ela ainda sofre de uma crise de identidade entre a antiga rodovia e a nova avenida.”

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Reinert concorda com o professor. “Essa cultura ainda vem sendo trabalhada junto à população. Ela ainda é composta por barracões, terrenos, muita coisa vazia e as pessoas têm a sensação de que ela continua sendo uma via expressa, mas se você imaginar o dia em que ela for adensada conforme o Plano Diretor, com uma quantidade enorme de prédios residenciais, de comércio e serviços tudo que você não quer é um carro passando na sua frente a 80 km/h”.

Novas possibilidades

Marlos Hardt acredita que quando se trata de rever novas maneiras de se viver a cidade, Curitiba se notabilizou por ser uma cidade inovadora. “Talvez seja o caso de correr atrás de uma inovação para a Linha Verde”. Ele diz que uma das possibilidades está na operação urbana consorciada. Ela consiste em uma negociação em que o poder público disponibiliza um potencial construtivo maior para a iniciativa privada comprar. Esse recurso entra em um fundo que deve ser utilizado na própria Linha Verde. “Caso se consolide, essa operação urbana consorciada vai ter mais recurso para acabar com os grandes gargalos da via”, argumenta. Para ele, um dos problemas que considera de difícil resolução é o viaduto da Victor Ferreira do Amaral, onde está prevista a construção de um novo shopping. “Ali tem que aumentar a área do viaduto”, defende.

O projeto do lote 2.1, de construção do viaduto triplo na Avenida Victor Ferreira do Amaral, está em aprovação para a captação na Caixa Econômica Federal. Este trecho da obra prevê o alargamento do atual viaduto sobre a Linha Verde para a passagem de mais carros e ônibus biarticulados do Ligeirão Leste/Oeste. Aproveitando a ampliação do vão do viaduto, também será construído um terminal de ônibus ligando as linhas da Victor Ferreira do Amaral com as da Linha Verde. Na parte de baixo do viaduto, uma nova trincheira será construída para desafogar o trânsito da Victor Ferreira do Amaral e o acesso à Linha Verde nas imediações do Colégio Militar de Curitiba.

Uma década depois, Linha Verde ainda tem trechos em obras (Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)

Sobre novas formas de transporte público, Hardt acredita que o caminho também passa pela consolidação do eixo. “Imaginar outro modal de transporte seria um pouco incoerente com tudo aquilo que foi investido e feito em todos esses anos". Para ele, outras áreas da cidade estão mais aptas para experimentar e implementar novos modais. “Talvez uma via como a Sete de Setembro, que já está consolidada, seja o local para se pensar o metrô passando por baixo da via. Eu esperaria a Linha Verde se consolidar antes de pensar em uma nova mudança. O biarticulado vai ser eficiente na Linha Verde a partir do momento que ela estiver de fato consolidada”, conclui.

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Ciclomobilidade

Henrique Moreira, coordenador administrativo da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu, acredita que a ciclovia que passa pela Linha Verde apresenta muitos problemas para quem escolhe a bicicleta para circular pela cidade. “São questões de padrão e de acesso da ciclovia, que possuem obstáculos e nem sempre estão na posição mais conveniente”, elenca. Para ele, os problemas com os carros estão diretamente relacionados à falta de segurança que ciclistas enfrentam por ali. “Nas vias marginais, os carros passam muito rápido. A ciclovia sempre cruza bem próxima de onde se dá esse acesso, em um ângulo reto. O carro, por exemplo, sai da via principal sem precisar baixar a velocidade estando em uma posição que não existe a visibilidade para quem está pedalando”, explica. “Esses são erros de paramentos, referências, que a prefeitura possui e que precisam ser respeitados.”

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Para o ativista, a via poderia ser mais conveniente para todos, uma vez que não falta espaço. “Faltou um projeto de ciclovia que promovesse o deslocamento eficiente, ainda mais por ser uma via muito longa. Se você tem obstáculos e insegurança no caminho, tem que ficar toda hora parando e isso acaba levando as pessoas a usarem a canaleta”, pontua.

Reginaldo Hardt acredita que o adensamento vai ser uma solução para alguns dos problemas apontados. “Ela não parece ser segura porque ainda não há uma ocupação densa, e não se tem muitos olhos para a via. No momento que eu tiver outras atividades na via, vou usar a bicicleta para fazer deslocamentos mais curtos, de 700 metros, um quilômetro ou dois quilômetros. Porque aí eu terei pontos de interesse ao longo da Linha Verde”, diz o arquiteto.

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