Crise econômica e novos hábitos e alternativas têm mudado a percepção do jovem curitibano em relação à necessidade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). De acordo com dados consolidados pelo Detran em junho de 2017, Curitiba tem 91.603 motoristas entre 18 e 24 anos, o que denota uma redução de 4,5% em relação a junho de 2013, quando 95.720 curitibanos nessa faixa etária tinham carteira de motorista.
A queda nos números é praticamente permanente desde 2013, mas entre 2016 e 2017 foi mais aguda, reflexo da crise econômica e do desemprego que assolam o país, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Nesse período, os registros caíram de 94.221 motoristas para os números atuais, redução de 2,8% ou quase três mil motoristas. Houve uma leve alta nesse período apenas entre 2014 e 2015, de 0,3%.
Entre os motoristas que têm entre 25 a 34 anos também houve menos procura: redução de 1,6% entre os balanços de junho de 2013 e 2017. Entre 2016 e 2017, a queda também foi mais robusta, de 2,4%.
Os números podem parecer tímidos, mas corroboram dados nacionais levantados junto ao Denatran no ano passado. Entre 2013 e 2015, a quantidade de novos habilitados no país caiu pela metade (53%). Houve redução em todas as faixas etárias, especialmente na de 22 a 30 anos, que chegou a 62%, e na de 31 a 40 anos, também na casa dos 60%.
Para José Ricardo Vargas de Faria, professor do mestrado de Planejamento Urbano e do Departamento de Transporte da UFPR, além da crise econômica entram nesse cálculo fatores como um novo perfil global e a ausência de uma pesquisa sobre os modais utilizados na cidade, uma vez que os números de usuários de transporte público também têm caído.
“Concomitante a isso temos a queda dos usuários do transporte público. Interessante observar que as justificativas diziam que as isenções sobre os automóveis aumentariam a quantidade de usuários dessa modalidade”, aponta. “O usuário saiu do transporte coletivo, saiu do carro e foi para onde? Claro que as pessoas migraram para a bicicleta ou passaram a andar mais a pé. Mas não temos pesquisa sobre isso”.
Para o especialista, também há um fator cultural. “Temos a migração para sistemas compartilhados. Cidades como Hamburgo, na Alemanha, que anunciou a retirada dos carros do centro. Pesquisas que apontam que os jovens já não consideram o carro como primeiro desejo de consumo, isso em relação a décadas anteriores. Mas é fundamental que essa discussão esteja na agenda pública”.
Para Farid Gelasco, coordenador de habilitação do Detran, a diferença nesses números é um fenômeno de centros urbanos. “Não é um caso apenas do Paraná, de Curitiba, mas de todas as grandes cidades. As vias urbanas estão ficando estranguladas, isso aumenta a tendência das pessoas em buscar alternativas”, explica. “E não é uma questão que nos alerta. São situações que norteiam o planejamento, as ações dos organismos que fazem essas estatísticas. Nossas ações são na garantia da infraestrutura na condição de formação e de registro”.
Gelasco também adiciona a questão piramidal para justificar os dados. “O que a gente tem percebido é um acompanhamento do cenário nacional da pirâmide etária. Nos anos 80 e 90, o Brasil como um todo era um país jovem. Ao longo dos anos, e o IBGE tem mostrado isso, essa pirâmide vem se afunilando. Agora, temos uma redução em determinadas faixas etárias, mas não de condutores”, pondera. Segundo o Detran, o número geral de condutores cresceu 16% desde 2013 no Paraná.
João Lacerda, da Associação Transporte Ativo, organização da sociedade civil que defende a mobilidade das pessoas apenas pela força de seu corpo, acredita que esses dados realmente espelham uma experiência internacional. “Sempre nos deparamos com essa tendência. Tem muito ilusão na mobilidade como propriedade. O carro tem um custo alto, tem o trânsito, o estacionamento, o combustível, os impostos”, explica. “A analogia que pode ser usada nesse caso é que não é preciso ter uma vaca para ter leite. O carro é uma vaca”.
Os Estados Unidos vivenciam fenômeno similar há pelo menos duas décadas e meia. De acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa de Transporte da Universidade de Michigan publicado no começo de 2016, a porcentagem de americanos com carteira de motorista diminuiu entre 2011 e 2014 em todas as faixas etárias. Para jovens de 16 a 44 anos, esse índice vem diminuindo de forma perene desde 1983. Apenas 24,5% dos adolescentes, segundo dados de 2014, tinham a licença, diminuição de 47%, mais do que o dobro, em relação a 1983.
“O carro já foi sinônimo de independência. Hoje, é uma dependência. Mas também está bem claro que essa redução tem a ver com o impacto da crise econômica. Ele não pode mais ser uma prioridade para as famílias”, lembra João Lacerda.
Para o especialista da UFPR, é impossível dissociar o fator econômico. “Pesa bastante. Desde a coisa mais básica, que é a própria CNH, até a possibilidade efetiva da aquisição de um veículo. A taxa de desemprego entre os jovens, por exemplo, é superior aos 4,5%”, destaca José Ricardo.
Experiências
Para Bruno Ritter, curitibano de 23 anos que criou uma empresa de inteligência de negócios, nenhuma novidade. “Nunca tive CNH. Estou pensando agora em fazer. Eu nunca tinha feito pela falta de interesse mesmo. Nunca me pareceu uma vantagem, já que eu não ia ter carro o tempo todo. Não ia compensar o dinheiro gasto para usar de vez em quando. Também me sinto bem atendido pelo transporte público e pelos aplicativos compartilháveis”, destaca.
“Pessoalmente, não noto mais isso como prioridade para a juventude. Principalmente quando comparo com a geração do meu irmão, de 29 anos. Cresci vendo ele e meus primos mega excitados com o carro. Mas isso nunca foi presente na minha vida. Noto, na verdade, uma ausência dessa conversa. No meu núcleo de amigos, nunca tivemos”.
Leonardo Valentim, 25 anos, pelo contrário, foi vencido pelo desânimo. Desde então passou a adotar a bicicleta como meio de transporte. “Comecei a fazer a carteira aos 21 anos, fiz todo o processo em sala de aula, mas as burocracias da autoescola me desanimaram. Não computaram minhas digitais e queriam me cobrar novas aulas. Acabei desistindo”, diz o tatuador de um estúdio no Água Verde.
“Sempre andei de bike. Moro numa região central e faço tudo com ela, representa pelo menos 85% da minha mobilidade. Quando preciso ir para mais longe, uso transporte público ou aplicativos”.
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