O distante bairro do Caximba, na zona sul de Curitiba, vai aos poucos trocando a alcunha de “bairro do lixão”, por abrigar por 21 anos o aterro sanitário da cidade, pelo de “bairro da trilha sonora do Natal curitibano”. Tudo graças a um grupo de estudantes da rede pública de ensino.
“A gente começou ouvindo por aí que éramos a banda do lixão. Ganhamos respeito e agora temos reconhecimento estadual e nacional”, orgulha-se o professor de artes e maestro Vitor Rodrigues, de 36 anos, responsável pela revolução que transformou a vida da comunidade da Escola Professora Maria Gai Grandel, a casa da Banda do Caximba, grupo de fanfarra que é desde 2017 a marca oficial da música deo Natal em Curitiba.
Em 2008, Rodrigues começou a transformação no Caximba ao formar um coral improvisado. “Criou faíscas” na escola: hoje, são 85 integrantes na fanfarra, com 210 prêmios conquistados no currículo do grupo. E graças à banda, não só os alunos entendem que o bairro também é sinônimo de cultura, de arte, mas também seus pais, tios e tias, vizinhos: todos aqueles que têm a oportunidade de verem a apresentação da fanfarra no próprio bairro e, principalmente, nos eventos oficiais da prefeitura para toda a população de Curitiba.
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Rodrigues foi o responsável pela iniciativa da banda assim que entrou na escola, vindo do interior de São Paulo para fazer uma segunda graduação, Artes Cênicas, na Faculdade de Artes do Paraná (FAP). A escola Maria Gai era a única com a vaga de docente na área que leciona. Rodrigues ocupou satisfeito o cargo, mesmo morando no Centro de Curitiba, distante cerca de 25 km. “Ele chegou aqui perguntando se a escola tinha um coral. Falei que não, mas que poderíamos fazer”, lembra a diretora Sônia Hinça sobre o desafio lançado. As primeiras notas do coral surgiram já no fim daquele mesmo ano, com cerca de 60 crianças. Mas alunos e professor queriam mais.
VÍDEO: Veja imagens da última apresentação de 2018 da banda
Depois de juntar todas as turmas de artes para a apresentação de fim de ano, cujos instrumentos eram de latas de lixo e outros objetos reaproveitados, Rodrigues correu atrás de doações de instrumentos. Quando o grupo conseguiu o apoio do Projeto Mais Educação, do governo federal, foi que a banda conseguiu dar um passo a mais. Por meio do projeto, o professor conseguiu mais horas fora de sala de aula, nas quais passou a ensinar todos os tipos de instrumentos, partituras e o funcionamento de uma banda aos alunos.
Mas o ponto de virada foi em 2011, quando o professor levou alguns alunos para assistirem a uma apresentação de na cidade de Antonio Olinto, na região sul do Paraná. “Lá, recebemos nosso primeiro convite para um concurso de bandas, que aconteceria dali a um mês. Nesse período fiz um intensivo com todo o grupo, ensaiamos de segunda a segunda, conseguimos até doação de uniformes. E saímos vencedores de um concurso com outras cinco bandas que já existiam há anos”, rememora o músico. Foi o surgimento oficial da Banda do Caximba.
IMAGENS: Veja fotos das apresentações da Banda do Caximba
De lá para cá, o maestro deixou de receber por algumas das horas que tinha na escola, por cortes no programa federal, mas continuou trabalhando de forma voluntária. Hoje, rifas, bingos e lanches vendidos na cantina da escola bancam as viagens do grupo, que neste ano já esteve em dezenas de cidades do Paraná, Santa Catarina e chegou a conseguir uma vaga em um concurso de bandas na Argentina.
“O que mais me motiva é mostrar que neste bairro também tem luz e esperança. Temos que quebrar o estigma da região, porque aqui há famílias que querem seguir em frente”, conta o professor, que se mudou para o bairro Pinheirinho há três anos, para ficar mais próximo da escola. Rodrigues, que já era formado em Artes Visuais antes de chegar a Curitiba, está se graduando pela terceira vez — agora em Licenciatura em Música, pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Antes, ele também já tinha uma pós-graduação em Música, mas foi ao longo da vida que aprendeu o que é fazer parte de uma banda. “Eu tocava desde meus 9 anos na banda municipal de Matão (SP), cidade de onde vim. Já participei de corais também. Vejo nos meus alunos agora muito do que eu era quando criança”, emociona-se.
A melodia que move os alunos
Para quem estuda no Colégio Maria de Gai, a banda tem sido inspiração. “Se não estivéssemos aqui, não sei o que estaríamos fazendo” conta Nicole Camargo, de 14 anos, integrante do grupo. As amigas Kehtelyn Cella e Gicelly Baptista, também de 14 anos, concordam: “Ao invés de ficar fumando na rua, como alguns adolescentes fazem, estamos aqui aprendendo”, enfatiza.
O processo para fazer as aulas extra-curriculares funciona todos os anos, quando abrem 40 vagas. Mas entre essa etapa e entrar na banda de fato, há um caminho mais longo - e concorrido. “Eles precisam manter as notas boas e não faltar com frequência. Mas isso é ótimo porque motiva as crianças a estudarem mais”, conta a dona de casa Juliana Amaral Gonçalves Bezerra, mãe de um dos integrantes da fanfarra.
Os próprios músicos explicam que antes de descobrirem a paixão na arte, eram levavam menos a sério a vida escolar: “Eu tirava bastante nota vermelha, e era muito hiperativo. Mas desde que entrei na banda, há um ano, minha vida mudou. Sou muito mais feliz”, narra o estudante Vitor Alexandre dos Anjos, de 13 anos. Para Vitor, além da música, o maestro também é uma grande inspiração e o responsável por fazer com que a banda funcione tão bem. “Ele vai além das duas aulas por semana que ele teria que dar. É um segundo pai para todos nós”, elogia o estudante.
“As pessoas têm uma visão do Caximba e quando veem essa banda tão cheia de amor, entrega e dedicação, passam a ver que tem muito mais do que esperavam”, resume a professora Monica Cardoso, cuja afilhada faz parte da banda há dois anos — e não pretende sair tão cedo.
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