Nem os ataques de sinusite alérgica causados pelo papel afastaram Edla van Steen, escritora falecida em abril, aos 81 anos, do ofício das letras, a mais constante entre as inúmeras atividades que assumiu em vida. Equipada com um de seus bloquinhos – uma amiga fabricava os cadernos, o que lhe gerava estoque praticamente infinito – era capaz de desenvolver de forma humana personagens inspirados em pessoas do cotidiano. Uma mulher caminhando na rua, uma pessoa impaciente esperando em um restaurante, tudo ganhava histórias próprias em sua mente e, claro, no papel.
Depois desse processo, os escritos eram datilografados em meio à criação dos filhos, organização de algum projeto e outras funções que estivessem em seu radar na época. Nesse modus operandi, entre peças, livros infanto-juvenis, romances, traduções e contos, foram mais de 20 títulos de sua autoria publicados, quatro deles em inglês. Edla é a única autora brasileira a ter este número de livros publicados nos Estados Unidos e detém os prêmios Molière e Mambembe de melhor autora.
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Além de escritora, editou e organizou dezenas de publicações literárias, como as coleções Melhores Contos e Melhores Crônicas pela Editora Global. Nesses trabalhos, e por ter contato com muitos autores, foi responsável por revelar novos nomes da literatura nacional. A organização natural que promovia também auxiliou no desenvolvimento conjunto com Sábato Magaldi, crítico teatral com quem foi casada desde os anos 80 até a morte dele, em 2016. Juntos, por quatro anos moraram em Paris, cidade que ganhou o amor de Edla para sempre. Foi a responsável por imortalizar o legado de Sábato, organizando livros com seus escritos.
Catarinense de Florianó—polis, ainda criança Edla passou a morar em um internato em Curitiba, onde ficou dos seis aos 15 anos, mas que sempre manteve contato. Liberta das amarras escolares, trabalhou em uma rádio da capital e começou a exercitar sua veia artística como atriz em São Paulo. Em 1960, ganhou o prêmio de melhor atriz do Festival de Cinema de Santa Margherita, na Itália, pelo filme Na Garganta do Diabo, de Walter Hugo Khouri, e desconcertou multidões com sua beleza. A partir de então, trabalhou como galerista, dramaturga, artista plástica, no teatro e no cinema, porém sem nunca esconder sua prioridade: a literatura. Grafomaníaca, não conseguia sobreviver se não fosse escrevendo.
O dom de agregar pessoas talentosas também estava presente em sua personalidade. Os frequentes encontros de artistas deixavam o apartamento sempre movimentado e em constante fermentação cultural. Saraus regados a música e boa comida “um de seus hobbies era cozinhar, entre as especialidades estavam a farofa de pão que fazia os convidados se acotovelarem para provar, a feijoada açoriana e o rosbife” faziam parte do protocolo do lar.
A filha Lea van Steen comenta que havia uma época em que a mãe estava a apenas duas ligações de qualquer pessoa, e que seu caderno de telefones estava mais para lista telefônica, tamanha a quantidade de números. Edla fazia o que podia para ajudar as pessoas conectando-as e apresentando-as aos contatos valiosos que mantinha. A capacidade de articular gente em um ambiente onde as plataformas culturais se entrecruzam fez com que se tornasse uma exímia fomentadora das artes e dos artistas. Deixa três filhos e quatro netos.