O fechamento da emergência do Hospital Pequeno Príncipe, referência no tratamento infantil em Curitiba, no começo de maio, não foi um caso à parte. Especialistas alertam que a sobrecarga nos serviços prestados a crianças nos hospitais da capital é o primeiro efeito de uma política nacional que já dura quatro anos - incorporada pelo município e por cidades vizinhas – que reduziu a atuação dos pediatras na rede de atenção básica. A consequência, explicam os médicos, é uma assistência mais frágil e hospitais mais lotados.
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De acordo com a Sociedade Paranaense de Pediatria (SPP), a presença de pediatras na rede pública de saúde de Curitiba começou a ficar mais tímida há pelo menos quatro anos – seguindo uma tendência nacional estabelecida pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB).
"Por uma política do Ministério da Saúde e que foi replicada aqui, foram sendo tirados os pediatras. Colocaram outros profissionais, inclusive alguns não médicos, fazendo acompanhamento destas crianças, como se fosse uma coisa menor”, explica Gilberto Pascolat, médico diretor da SPP entre 2013 e 2015. “Na época, eu era presidente da sociedade e falei que isso iria repercutir mais tarde. Porque se você tiver pediatra, vai prevenir um monte de outras doenças e conseguir detectar precocemente qualquer alteração, fazendo com que a criança tenha um desenvolvimento melhor. A partir do momento que você perde o vínculo, essa criança fica solta na rede, então é uma criança que vai ter mais complicações”, justifica o especialista.
Para Pascolat, a reconfiguração no acolhimento infantil tanto nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) quanto nas Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) é o que ajuda a explicar o caos recente que se instalou no Hospital Pequeno Príncipe. Entre o fim de abril e o começo de maio, a instituição precisou barrar por três vezes a procura direta emergencial para Sistema Único de Saúde (SUS), sendo que desde o dia 8 de maio o hospital mantém limitado o atendimento apenas para crianças encaminhadas.
"Perder esse vínculo [com o pediatra] começou a repercutir nisso. As mães deixam de ir uma unidade básica, a uma emergência da UPA que não tem pediatra atendendo e não vai resolver o problema dela, e vão direto para o hospital", acrescenta Pascolat.
A secretária-geral do Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná (Simepar), Claudia Paola Carrasco Aguilar, psiquiatra e especialista em Medicina da Família, defende que a presença de pediatras nas estruturas de baixa e média complexidade atende a uma necessidade específica da criança. Por isso, ressalta, que a decisão da prefeitura de moderar o acesso aos pediatras nas UPAs, onde a criança só chega ao profissional por ordem do clínico-geral, também foi uma medida que contribuiu para movimentar as salas de urgência e emergência dos hospitais da cidade - para onde essas crianças só deveriam seguir em situações realmente necessárias.
"Eles alegam que todo o médico pode atender crianças e não só pediatra. O que não é bem verdade. A criança não é um adulto em miniatura, mas, às vezes, o poder público vê como se fosse", analisa a médica. "Por isso, com essa dificuldade que muitas pessoas têm de encontrar pediatra tanto nas unidades de saúde quanto nas UPAs, sobrecarrega os hospitais. E isso não acontece só em Curitiba. Na Região Metropolitana também", aponta.
Leitos
De acordo com os médicos, essa espécie de flexibilização do atendimento a crianças também começa, aos poucos, a colocar em xeque a oferta de leitos em Curitiba. Conforme dados disponibilizados pelo Datasus, bases de dados do SUS, entre abril de 2012 e o mesmo mês de 2019, a capital perdeu 28,10% dos leitos pediátricos (clínicos e cirúrgicos). Na Região Metropolitana, o encolhimento foi de 31%. O que, até então, não era uma coisa tão ruim.
"O leito de internamento é uma fase final. Como melhoraram as condições de higiene, esgoto, alimentação, vacinação, começaram a diminuir os leitos. Só que agora, para mudar isso, precisa melhorar o atendimento das crianças", explica Pascolat. "E enquanto não mudar toda essa política de atendimento da criança, eu acho que vai ficar cada vez pior", opina.
A decisão de suspender as consultas urgentes e emergentes no Hospital Pequeno Príncipe veio justamente quando, depois de 650 atendimentos em apenas um dia, crianças começaram a ser internadas nos consultórios – já que a capacidade de leitos chegou ao limite máximo.
Pediatra no Hospital Evangélico Mackenzie, Pascolat diz que, depois das restrições no HPP, o pronto-atendimento infantil do Evangélico Mackenzie disparou. Diante da demanda, a instituição deve aumentar de 31 para 80 o número de leitos pediátricos até meados de junho.
Pediatras suficientes
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Curitiba contesta que haja falta de oferta de pediatras na rede do município. Em entrevista à Gazeta do Povo no começo do mês de maio, a superintendente de Gestão em Saúde da pasta, Flávia Quadros, afirmou haver hoje 48 pediatras que trabalham nos plantões de urgência e emergência nas UPAs. Nas Unidades Básicas de Saúde da capital, o quadro apontado era de 147 profissionais – embora, em nota encaminhada em 24 de maio, a própria pasta tenha informado que eram 124 pediatras.
Conforme a secretaria, o fato de, na atenção básica, o atendimento médico ser feito prioritariamente por generalista ou médico da família, atende diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) do Ministério da Saúde. "Importante ressaltar que a PNAB não determina a lotação de médico especialista pediatra na unidade de saúde. Ainda assim, Curitiba conta com 124 pediatras na atenção básica", diz a nota.
Quanto às UPAs, onde, segundo a pasta, o Ministério da Saúde e o CFM não preveem "a presença de qualquer especialistas", a prefeitura afirma que há um conjunto de 54 pediatras e que outros estão sendo chamados. "Os pediatras das UPAs são acionados, durante o atendimento de crianças, quando é verificada a necessidade, especialmente nos casos graves", justificou a SMS.
Sobre a oferta de leitos na capital, a pasta reitera que a diminuição acompanhou a repercussão positiva dos modelos assistenciais que resultam na redução de internações hospitalares, acrescentando que, em Curitiba, a média de internação clínica-pediátrica (26 a 62 por mil habitantes) não gera fila para internamento pediátrico no município.
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