Desde que foram anunciadas, as mudanças na Praça do Japão para receber o novo Ligeirão Norte-Sul vieram acompanhadas também de muitas polêmicas. O primeiro dia de trabalhos de adequação na praça, por exemplo, teve bate-boca entre o prefeito Rafael Greca e moradores, além de desentendimentos com a Guarda Municipal. As alterações no local – ou “correções geométricas”, como prefere a prefeitura de Curitiba –, vão permitir que a linha passe a operar a partir do fim de março, mas as discussões já se estendem há muito mais tempo.
Moradores questionam a falta de debate e de estudos complementares técnicos, reclamam da alteração do desenho atual da praça e apontam para a possibilidade de acidentes com a circulação dos biarticulados no local, já consagrado como área de lazer.
Já o município fala apenas em pequenas correções, diz olhar para os benefícios à população e calcula que a linha, que nesta etapa vai ligar o Terminal Santa Cândida à Estação Bento Viana, deve atender inicialmente 36 mil passageiros e derrubar pela metade o tempo de viagem. Hoje, os passageiros passam por 20 estações em cerca de 43 minutos de viagem. Com o Ligeirão Norte-Sul, serão apenas oito paradas em 20 minutos de deslocamento.
Neste primeiro passo, já foram investidos cerca de R$ 16 milhões. A segunda parte do projeto vai levar a linha até o Capão Raso e a terceira até o Pinheirinho, com investimentos de R$ 15 milhões.
Barraco na praça
Em visita ao local no dia 20 de fevereiro, o prefeito Rafael Greca foi cobrado por um grupo de moradores que protestava contra a abertura de um trecho na praça que vai permitir a passagem dos ligeirões. “Eu que arrumei essa praça. Vocês me devem essa urbanização”, disse Greca a um dos manifestantes. Ele prometeu que, finalizada a obra completa, a via será fechada novamente. Ainda assim, foi vaiado. Dias depois, o prefeito disse que as reclamações eram feitas por “umas quatro ou cinco madames”.
Associações que representam a população local reclamam que o projeto original nunca foi apresentado, pedem estudos de impacto ambiental e de vizinhança e solicitaram ao Ministério Público que interceda em seu favor.
A prefeitura e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), por sua vez, informam que não há novidade, já que as obras de desalinhamento das estações – que permitem a ultrapassagem dos ônibus – até a Praça do Japão já estavam previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2012. Acef Said, presidente do Conselho de Segurança (Conseg) do Batel, defende que a LDO elencava obras até a Estação Bento Viana.
A canaleta por onde circulam os ônibus da linha Santa Cândida-Capão Raso está pronta desde 2014 para receber os veículos do Ligeirão Norte-Sul. Município e Ippuc lembram que técnicos da Urbs estiveram com moradores em uma audiência pública realizada na Escola Santa Teresinha do Menino Jesus, próxima à praça, também em 2012, quando apresentaram a primeira etapa do projeto. Reportagem de 2013 da Gazeta do Povo apontava para uma reunião “pouco frutífera” entre moradores e técnicos da Urbs, o que levou à organização de um abaixo-assinado.
A mobilização reuniu 17 mil assinaturas contrárias à passagem da linha pelo entorno da praça. Audiências públicas foram realizadas e o projeto foi interrompido. “O secretário de Obras e o presidente do Ippuc foram sensibilizados e entenderam nosso questionamento”, lembra Nelson Medaglia, administrador de empresas e integrante do SOS Praça do Japão, movimento que tem promovido ações contra as obras. Uma manifestação está agendada para o local neste domingo (4).
Um inquérito civil público foi instaurado na Promotoria de Habitação e Urbanismo em 2014, quando a população já questionava a falta de detalhamento do projeto. Segundo a promotora Aline Bahr, a ação foi arquivada porque a prefeitura, na gestão do então prefeito Gustavo Fruet (PDT), se comprometeu a não realizar a obra.
Foto da praça e linha vermelha
O Ippuc informa que o projeto foi apresentado no dia 21 de fevereiro pelo coordenador do projeto do Ligeirão no órgão, Mauro Magnabosco, em uma sessão na Câmara Municipal, e no dia seguinte, em encontro com representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com a participação do MP e o presidente do Conseg do Batel, Acef Said.
Medaglia classifica como esboço o projeto apresentado na Câmara. “Fomos convidados pelo vereador Felipe [Braga Cortes, PSD]. Tivemos então a noção de um esboço, não de um projeto: uma foto da praça e uma linha vermelha onde seriam feitos os recortes e a entrada do azulão novamente na canaleta”, comenta.
“Não tem estudo, não tem detalhamento técnico”, reclama Said. “Cadê o estudo de impacto de tráfego?”, protesta. “Quem está pagando tudo isso somos nós. Não somos contra o crescimento urbanístico da cidade, mas queremos transparência”.
Por se tratarem de correções geométricas nos eixos de transporte, o Ippuc informa que não há necessidade de realização de estudos de impacto ambiental nem de vizinhança, já que são vias exclusivas ao transporte público desde 1974.
De acordo com o projeto, dois acessos serão abertos na Praça do Japão: um para a saída da Avenida Sete de Setembro e o compartilhamento da pista lenta logo depois da Estação Bento Viana e outro para a reentrada dos biarticulados no traçado do antigo retorno para ônibus no lado sul da praça.
Pedido de liminar
O MP estabeleceu um prazo à prefeitura para ter mais detalhes sobre o projeto. O prazo venceu na última quarta-feira (28), dois dias depois do início das obras. Para Medaglia, o início da readequação antes do parecer do órgão foi “arbitrário”.
Por entender que não houve esclarecimentos sobre os motivos reais da realização da obra, nem detalhamento e espaço adequados para o debate com a população – ou uma violação ao princípio de gestão democrática da cidade –, a promotora ajuizou, no final da tarde de quarta (28) uma ação civil pública em que pede a interrupção imediata dos serviços referentes à implantação da Linha Norte-Sul.
A ação exige que sejam publicados, nos sites da prefeitura e do Ippuc, detalhes do projeto e as razões que motivaram a obra, e ainda solicita a realização de audiências e consultas públicas, referentes a qualquer alteração a ser realizada no local. “O gestor não pode impor uma obra. Com o Estatuto da Cidade, lei de 2001, é necessária a participação popular. O município não deu espaço suficiente para discussão”, avalia a promotora Aline.
O MP pede que a prefeitura seja multada em R$ 100 mil diários caso não cumpra o estabelecido. Cabe à Justiça acatar ou não o pedido de liminar. A ação foi ajuizada na 5.ª Vara da Fazenda Pública.
Encontros e desencontros
Até o final da tarde de quarta-feira (quando se encerrava o prazo concedido à prefeitura), o MP alegava não ter recebido a documentação solicitada ao município. A prefeitura, porém, afirmou que já havia protocolado o material solicitado, com ofício assinado por representante da Procuradoria-Geral do Município (PGM).
Segundo explicou o MP, houve um desencontro; como o volume de ofícios recebidos é extenso e como, habitualmente, a PGM envia documentações por e-mail, a promotora aguardava a chegada de uma mensagem eletrônica com as informações solicitadas. Só que o material veio em papel.
Aline informou que comunicaria o recebimento da documentação dentro do prazo e que a documentação seria anexada aos autos da ação. A ação civil pública ajuizada por ela, no entanto, está mantida. “Fiz o que estava dentro da minha consciência da lei”, explica, reforçando que o MP não é contrário ao Ligeirão. “O Ministério Público não quer proteger ninguém porque é bairro nobre. O que estamos é protegendo a sociedade em geral”, afirma.
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