Curitiba fechou o primeiro semestre de 2020 com queda nominal de R$ 33 milhões nas receitas correntes, na comparação com o mesmo período de 2019. Por outro lado, as despesas cresceram 5%, segundo o mais recente relatório de execução fiscal, disponível no Tesouro Nacional. Para fazer frente à pandemia, o município elevou as despesas com saúde em 10,6%; na assistência social, que também tem um papel relevante na prestação de serviços ao público, a alta foi de 13,8%. Ainda que o município trabalhe com um cenário de controle na disseminação do novo coronavírus, as perspectivas são de gastos crescentes, disse o secretário municipal de Planejamento, Finanças e Orçamento, Vitor Puppi, em entrevista à Gazeta do Povo. Segundo ele, a pressão por serviços públicos vai se manter em alta a partir de 2021, uma consequência da recessão econômica.
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Sem as aulas presenciais desde 23 de março, o município reduziu em 6,5% as despesas com educação. Entretanto, caso o retorno presencial seja feito com reposições de aulas aos finais de semana, o custo total pode aumentar bastante. “A pressão por serviços públicos vai continuar em 2021. Muita gente que tirou o filho da escola particular vai para o ensino público. Na saúde, as pessoas dependem cada vez mais do poder público”, observou.
Mesmo com as dificuldades dos últimos meses, a previsão do município é fechar o ano em dia com as diretrizes da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – até porque a capital paranaense é uma das poucas cidades do Paraná a não decretar estado de calamidade fiscal. Já são 326 municípios nessa situação. Segundo Puppi, o Fundo de Recuperação e Estabilização Fiscal (Funrec) dá essa condição de tranquilidade. Leia a seguir a entrevista com o secretário:
Mesmo em meio à pandemia, com aumento de gastos e redução de arrecadação, Curitiba não decretou estado de calamidade fiscal. O que isso significa?
A Lei Complementar n.º 173, que tratou do auxílio federal a estados e municípios e modificou alguns pontos da LRF que faz menção a um estado de calamidade fiscal reconhecido pelo Congresso a todo o Brasil. Para os fins desse socorro emergencial e nas condições previstas na lei, não precisamos decretar. Até porque, mesmo sendo último ano de mandato e com limitações mais severas, somos capazes de entregar um município equilibrado, com dinheiro em caixa. Não faria sentido pedir o estado de calamidade artificialmente. Em uma decisão liminar, o Tribunal de Contas fez menção à falta de decreto fiscal, mas depois essa decisão foi revista pelo Tribunal de Justiça. Temos seguido a LRF porque temos condição de fazê-la.
No primeiro semestre houve alta nos gastos com saúde e queda na função educação. Os contratos com creches contratadas foram retomados e há um movimento para reabertura das escolas. Ao mesmo tempo, a saúde ainda vai precisar de muitos recursos. Quais são as expectativas para o segundo semestre?
Saúde tem crescido, a gente tem gasto mais nessa área e usando mais recursos do governo federal, que são importantes. Na educação não estamos tendo a manutenção da escola, despesa integral com higiene e merenda não tem acontecido, mas o principal, que é gasto com pessoal, permanece. Vai depender da volta às aulas: quando voltar, se for necessária reposição aos finais de semana, isso terá um custo muito maior ao Executivo. Nós estamos em compasso de espera diante dessa incerteza. Na assistência social tivemos um incremento significativo nas despesas, com acolhimento ou contratação de equipes. Na manutenção da cidade também vamos manter o mesmo nível, ou até com elevação em relação ao ano passado. Nós vamos fechar o ano razoavelmente bem porque tínhamos uma sobra de recursos que estão sendo aportados agora. Só que depende muito dos próximos meses.
Os gastos com auxílio ao transporte público também permanecerão em alta?
Neste ano o município não recebeu nenhum auxílio do governo do estado para transporte, e é o pior ano do setor, pois a demanda está reduzida, mas uma frota grande para atender as medidas sanitárias. Isso é um custo. O município aprovou lei reduzindo margem de lucro. Mas, mesmo assim, o aporte é muito significativo. Esse gasto vai ser muito grande neste ano. Além disso, o dinheiro que deixou de ser arrecadado com o transporte não entrará depois. O governo federal vai aportar R$ 4 bilhões, dividido por critério populacional. Isso cria algumas distorções. Mas, sendo votado logo, esperamos que esses recursos cheguem até setembro.
Sobre as perspectivas de receitas para o segundo semestre, o que o sr. pode falar?
Sentimos perda muito significativa em abril, maio e junho. Julho foi um pouco melhor, mas ainda não dá para fazer uma conclusão sobre a recuperação porque muita coisa acabou acumulada para julho. Temos três grandes perdas: ISS [Imposto sobre Serviços], cota-parte do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] e Fundeb, que custeia a educação básica. São as três principais quedas. Não imaginamos que vai haver recuperação total das receitas até o final do ano; não será uma recuperação em V como dizem aí. Estimamos em torno de R$ 480 milhões em frustração na arrecadação, que é parcialmente compensada pelo aporte do governo federal de R$ 224 milhões. Mas há outras questões a lembrar: o aumento nos gastos com saúde vai continuar. A pressão por serviços públicos vai continuar em 2021. Muita gente que tirou o filho da escola particular vai para o ensino público. Na saúde, as pessoas dependem cada vez mais do poder público.
Mesmo diante desse cenário, a perspectiva é de cumprir com a LRF?
O ponto fundamental é o Fundo Emergencial. Em razão do esforço fiscal dos últimos anos, somos o único município com mais de 600 mil habitantes a obter a classificação A do Tesouro Nacional. Não é pouca coisa. Saímos de um C em 2017 para um A em 2020. A partir do esforço fiscal feito, colocamos R$ 500 milhões para o enfrentamento nas mais diversas frentes da pandemia, não só saúde, mas manutenção, transporte. O dinheiro do governo federal claro que também ajuda. Até por isso a gente consegue continuar aportando em despesas de capital, que são os investimentos. Agora, estamos esperando esse aporte para o transporte.
Um dos setores com dificuldade é o de escolas de educação infantil, que têm papel importante ao complementar o atendimento em Curitiba. As instituições, em sua maioria pequenos negócios, alegam problemas e reclamam que o crédito continua muito caro. O que pode ser feito?
Há aqueles que prestam serviços diretamente, contratados pela Secretaria Municipal de Educação, e que continuam a receber os valores. Para quem não tem esse contrato, lançamos agora na Câmara Municipal, dentro do programa de recuperação, a prorrogação do pagamento do IPTU, inclusive daquele não pago e já vencido, sem multa e juros, para o fim deste exercício. Não fomos além porque há vedações eleitorais. Também mandamos para a Câmara a criação de um Fundo de Aval, porque o que identificamos nas pesquisas junto ao Sebrae e Fomento Paraná é que a maioria dos pequenos não consegue tomar crédito porque não apresenta garantias. O município vai colocar em torno de R$ 100 milhões em garantias para facilitar a obtenção de crédito por essas instituições. Do ponto de vista de subvenção, auxílio, pela vedação eleitoral nem teria como fazer, mas entendemos que o Fundo de Aval atende a esse setor. Claro que não tem como atender integralmente, mas é o que o município pode fazer neste momento.
O que fica de lição da crise financeira provocada pela pandemia?
Nesta semana, a Câmara Municipal aprovou a constituição formal do Fundo de Estabilização Fiscal. Isso é uma coisa muito valiosa para o município, para o futuro. Essas quedas de arrecadação, as crises que a cidade enfrenta e vai voltar a enfrentar, são mitigadas a partir de mecanismos como esse. Tenho certeza de uma coisa: no próximo ano teremos cidades que atravessaram a crise mal ou bem, e veremos a diferença. Pensando como cidadão, é muito importante para as cidades terem mecanismos para prevenção de crises fiscais. Não há como fazer política assistencialista, ajudar setores, se o município não consegue nem pagar suas contas. Esse é um legado importante.