A cabeça dos alunos na Escola Municipal Coronel Durival Britto e Silva, na Vila Oficinas, no bairro Cajuru, em Curitiba, anda no espaço. Não à toa. A equipe Conectados é a primeira de uma escola pública do Brasil a se classificar para o torneio científico internacional First Lego League (FLL), que acontece entre 14 e 16 de junho, em Beirute, no Líbano, com o tema Into Orbit (em órbita, em português). O grupo viaja dia 12 para a disputa.
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Os estudantes de Curitiba, todos entre 12 e 15 anos, ficaram em primeiro lugar na etapa nacional, em março, no Rio de Janeiro. O resultado garantiu classificação para a fase internacional do FLL, projeto financiado pela gigante dinamarquesa de brinquedos Lego em diversos países com a finalidade de estimular a ciência entre os jovens. Na disputa nacional, a Durival Britto foi uma das três esquipes de escolas públicas entre as 84 que participaram.
O projeto vencedor da Conectados que será levado ao Líbano foi a criação de uma microcápsula para astronautas com óleo essencial de lavanda, um calmante natural. A solução veio após os estudantes constatarem que os astronautas sofrem com crises de ansiedade nas missões espaciais. Em Beirute, os alunos também terão de cumprir missões com robôs montados com peças de Lego definidas pela organização da FLL.
“Pesquisamos e descobrimos que missões longas deixam os astronautas com depressão. A partir disso, desenvolvemos uma solução natural para diminuir e tratar a ansiedade dos profissionais”, conta Maria Eduardo Mello, de 15 anos, uma das integrantes da equipe.
A caminhada da equipe foi demorada - desde 2004 o projeto está na escola - e precisou de muito esforço, principalmente pela realidade do ensino público.“É difícil competir com escolas particulares. Os recursos deles são bem maiores que os nossos”, revela Maria.
No torneio, os times são avaliados em quatro quesitos: Prova do Robô (quando um robô conduzido pela equipe precisa executar missões dadas pela organização do evento), Design (são analisadas programação, estrutura e estratégia do robô), Projeto de Pesquisa (quando o time apresenta uma pesquisa dentro da temática da temporada) e Valores Fundamentais (os estudantes são avaliados pelo trabalho em equipe e valores da FLL).
Todo o investimento e custeio de viagens são pagos pela prefeitura de Curitiba - inclusive para a disputa no Líbano. Recentemente, a equipe recebeu um novo kit de robótica no valor de R$ 17 mil. “Estamos sempre investindo em kits novos para as equipes”, conta a gerente de Inovação Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação (SME), Silmara Cezario.
O trabalho da equipe é diário. As aulas de robótica são no contraturno do currículo escolar, de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 11h30.
A princípio, as peças pequenas de Lego usados para construir os robôs parecem incomunicáveis aos olhos curiosos. Porém, o sentimento é mútuo na escola: todos querem fazer parte da equipe e aprender a conectar as peças até virar um robô.
Para participar dos Conectados os alunos da Durival Britto precisam se destacar nos estudos ou passar por um processo seletivo, que varia entre provas e projetos, quando uma das 15 vagas do grupo é liberada. “Eu nunca tinha falado de robótica, mas como me destaquei na escola, a diretora me indicou para o projeto”, conta Maria.
Além de melhorar o desempenho escolar, alunos que nem pensavam em escolher profissões na área científica despertaram interesse. “Esse projeto abriu um mundo de oportunidades para mim. Nunca tinha pensando em virar um pesquisador até então. Hoje, tenho muitas ideias que podem ajudar as pessoas”, anima-se Augusto Ernani da Silva, 15 anos, um dos integrantes mais antigos da equipe.
Trabalho em equipe
Para participar do Conectados há uma regra que não pode ser quebrada em hipótese alguma, o trabalho em equipe. E os valores ensinados no projeto de robótica não se restringem somente aos muros da escola.
“Eu não me esforçava para conseguir o que queria na vida ou deixava as coisas pela metade. Hoje, sei do potencial que posso atingir e me orgulho daquilo que faço”, revela Maria.
Orgulhosos, os alunos frisam que o projeto está mudando suas vidas. Tanto que um dos integrantes do Conectados escapou do caminho das drogas e hoje, estudante do Ensino Médio, faz estágio em uma empresa especializada em robótica.
Para tocar o projeto, o grupo conta com o auxílio de técnicos e uma professora da própria escola que os acompanha. “Cobro muito a dedicação deles. Afinal, nos torneios eu não estarei com eles durante a apresentação. São os alunos e os jurados, apenas”, conta Josilene Vaz, professora de Ciências e técnica do projeto Conectados.
Josilene foi uma espécie de heroína para o projeto. Há um ano, a antiga professora que orientava os alunos do Conectados deixou a escola, o que quase acabou com o projeto. “Eu me ofereci para cuidar da turma. Como já acompanhava o projeto antes de entrar, sabia como funcionava”, conta Josilene.
Preparação
Para acompanhar a turma, a professora precisou se preparar. A SME ofereceu cursos na área da robótica para Josilene. Dentro dos projetos da pasta, há um especializado em robótica.
“Oferecemos programas de qualificação e formação voltados a alunos e professores para que estejam sempre atualizados com o que está acontecendo no mundo”, explica Estela Endlich, coordenadora de Tecnologias Digitais e Inovação da SEM.
O projeto também conta com parcerias com universidades e profissionais que desejam ajudar os alunos através do conhecimento. “Esses alunos conhecem um mundo além da escola. E o mais importante: guardam conhecimento de todos que ajudaram a equipe ao longo dos anos”, orgulha-se a secretária de Educação de Curitiba, Maria Sílvia Bacila.
Além dos cursos, a secretaria acompanha o andamento dos projetos e oferece recursos para os alunos trabalharem. “Criamos o projeto Conectados em 2009, após a prefeitura adquirir kits de robótica básica para alunos de toda a rede municipal em 2004”, conta Estela. Depois de iniciar o projeto, a SEM segue investindo em materiais de robótica nas escolas.