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Doutor Luiz Antonio Negrão Dias era apaixonado pela família, pela medicina e pelo Athletico.
Doutor Luiz Antonio Negrão Dias era apaixonado pela família, pela medicina e pelo Athletico.| Foto: Arquivo pessoal

Orquídeas, rosas, lírios, margaridas, algumas árvores frutíferas, além de animais como porcos, galinhas, ovelhas, pássaros, gatos, cachorros e dois tanques com carpas coloridas dividem espaço no sítio e na chácara que pertencia ao médico cirurgião Dr. Luiz Antonio Negrão Dias, o Land. Era lá que o oncologista recarregava as energias, que se esgotaram de vez no último dia 15, vítima da doença que tanto ajudou os pacientes do Hospital Erasto Gaertner a superar. Lutou por dez anos contra um sarcoma - e trabalhou até o fim de seus 57 anos.

De segunda-feira a quinta-feira, a dedicação era praticamente exclusiva à medicina - seja como professor universitário, palestrante, gestor ou no atendimento a pacientes em consultórios e salas de cirurgias do Erasto Gaertner, em Curitiba. No restante da semana, dedicava-se aos amigos, familiares e, claro, aos cuidados no sítio e na chácara. “Só Deus sabe como ele dava conta de tudo isso”, brincam os irmãos.

No domingo após a missa, a família Dias sempre se reunia na chácara para passar o dia, ouvir música clássica, modas de viola e até músicas mexicanas enquanto relembrava os bons tempos da velha infância no interior do Paraná. “Ele era muito família. Gostava de ter todos os familiares por perto”, lembra o irmão Carlos Renato Negrão Dias, de 52 anos.

A lida com a terra e o trato com os animais eram maneiras que o médico encontrou para manter viva as lembranças da infância em Andirá, no Norte Pioneiro. “Ele dizia que tinha saído da terra vermelha, mas que a terra vermelha não tinha saído dele”, lembra Simeia Negrão, 78, mãe de Luiz. O cuidado e o carinho com os animais são heranças das boas horas que passava ao lado do avô, Antonio Dias Santos, de quem herdou o nome. Era quase um ritual. Após pouco mais de cinco horas de estrada, de Curitiba a Andirá, Luiz tirava um merecido descanso. Mas não era longo. Levantava e ia limpar as gaiolas dos canários-da-terra do avô.

Infância

Dias nasceu em 15 de agosto de 1964, no município de Bandeirantes, região Norte do estado, mas foi registrado na cidade vizinha, Andirá, onde viviam Simeia e o esposo, Luiz Itele Dias (81), com quem tinha casado um ano antes. A gestação e o parto do primogênito foram tranquilos, garante dona Simeia. “Ele nasceu e já voltamos para casa”, disse.

Aos seis anos já apareceram os primeiros sinais de interesse pela medicina. O futuro médico tinha sua própria criação, com uma dúzia de galinhas. Após os pais abaterem os animais para consumo da família, Luiz gostava de “analisar” a anatomia das aves.

A infância de Land foi digna de uma criança do interior. Andar descalço para todo lado, subir em árvores, correr atrás da bolinha de bets e jogar bola até tarde com os irmãos, primos e amigos na rua ou no campinho ao lado da casa. “Ele adorava jogar futebol, mas não era bom”, entregou o irmão Denilson Luiz Negrão Dias, 55.

Mas a vida não era só brincadeira. Luiz iniciou a vida estudantil na Escola Municipal Ana Nery. Depois passou para o Colégio Estadual Durval Ramos Filho, ambos em Andirá, onde cursou o primeiro e segundo ano do Ensino Médio. Em 1981, mudou-se para Curitiba, cidade na qual concluiu o terceiro ano no Colégio Positivo. “Naquela época era comum os filhos que queriam estudar e mudar para Curitiba”, conta Simeia. No ano seguinte, o filho ingressou no curso de Medicina na Universidade Federal do Paraná, quando dividia apartamento com um primo na Alameda Dom Pedro II, no bairro Batel.

Os amores de Luiz

A paixão pela medicina é fato notório e noticiado na vida do cirurgião, que tinha outra paixão, talvez tão forte quanto: o Athletico Paranaense. “Ele era fanático”, lembra um dos irmãos. O único momento em que Luiz sentia-se confortável em tirar o jaleco branco do Erasto era para vestir a camisa vermelha e preta. Saía o médico e entrava o torcedor apaixonado.

Entre os amigos ficava uma leve dúvida sobre o lugar predileto do médico: o hospital ou a Arena da Baixada. “Ele amava o Erasto, mas não perdia um jogo do Athletico”, contou a mãe do cirurgião. “Ele pegava o avião e ia onde o time fosse jogar. Não importava onde, ele acompanhava”, lembra dona Simeia. Dias era sócio e membro do Conselho Deliberativo do clube, com cadeira cativa no estádio.

Outra grande paixão do médico eram os sobrinhos. Seis ao todo. “Ele os adorava”, lembra Simeia enquanto mostra os retratos do médico com os sobrinhos na estante da sala de casa.

Luiz Antonio Negrão Dias era fanático pelo Athletico
Luiz Antonio Negrão Dias era conselheiro do Athletico e estava "em casa" na Arena da Baixada.| Arquivo pessoal

Ciência e fé

A ciência e a fé sempre andaram de mãos dadas na vida de Luiz Antonio. Mariano devoto, não perdia uma missa na Paróquia Nossa Senhora das Dores, a famosa Igreja dos Passarinhos, no Bigorrilho. Em casa, Luiz tinha um santuário particular com imagens de N. Sra. das Graças, N. Sra. de Fátima, N. Sra. Aparecida e de Santa Cecília, padroeira dos músicos.

Durante uma palestra para médicos e acadêmicos de Medicina realizada no XIV Congresso Brasileiro de Cirurgia Oncológica, Dr. Luiz revelou que um dos principais dilemas quando iniciou na carreira era “como ser um bom médico?”. Em busca de respostas para seu questionamento, recorreu à filosofia e à fé. “Ele tinha uma espiritualidade muito forte que o ajudava a interpretar de uma maneira técnica, mas humana a fragilidade dos pacientes durante o tratamento”, disse Carlos.

A relação do Doutor Luiz Antonio com o Hospital Erasto Gaertner começou em 1980, ainda como estagiário. Ali começava uma história de comunhão entre o médico e a instituição que durou até seu último suspiro. “Ele amava o Erasto de um jeito especial”, recordou Simeia. Depois de se formar, Luiz iniciou a especialização em oncologia no próprio hospital. Passou pela residência até assumir a superintendência da instituição, contribuindo ativamente para torná-la referência nacional no tratamento de câncer.

Ele salvou minha vida. “Se hoje estou viva conversando com você é por causa dele”, contou a jornalista Simone Franco, 53, com a voz emocionada. A relação da jornalista com o médico começou em 2018. Após um exame de rotina, Simone descobriu um câncer no intestino, e de imediato procurou o cirurgião e oncologista Luiz Antônio.

“O Dr. Luiz era o chefe da equipe que cuidava do meu pai, que também tinha a mesma doença”, disse. “Ele explicou do que se tratava e disse de pronto: 'olha, precisamos operar com urgência'”, lembrou. Ali começou uma amizade que foi além dos procedimentos padrões entre médico e paciente, era quase uma relação familiar. “Ele tinha uma sensibilidade incrível, era sempre prestativo e presente”, contou a jornalista. “Ele foi muito especial na vida de muitas pessoas, inclusive na da minha família”, complementou.

Dono de um olhar sério, era de palavras firmes e diretas, mas sempre gentis e atenciosas, que informavam e acariciavam a alma dos pacientes e familiares nos momentos mais difíceis. “Ele dizia tudo o que não queríamos ouvir. Suas palavras eram firmes e transmitiam segurança e muita sensibilidade, o que dava credibilidade as suas ações”, lembrou o empresário Felix Kaminski Rodrigues, 44. Felix acompanhou o tratamento do filho, Lucas Ceccon Rodrigues, de 16 anos, para a retirada de um tumor.

Em 2012, Luiz Antonio descobriu um sarcoma. De lá para cá, foram dez anos entre cirurgias e tratamentos com imunoterapia, quimioterapia entre outros procedimentos invasivos. Em outubro do ano passado, a doença atingiu o estágio de metástase. Mas Luiz manteve-se calmo e preservou a família de qualquer sofrimento ou preocupação. “Não contou a ninguém. Ele pensou na família até o último dia”, recordou Carlos.

Um currículo sem limites de caracteres

Luiz Antonio Negrão Dias foi médico cirurgião, professor, administrador, conselheiro técnico, torcedor, filho, irmão e tio. Os diplomas acadêmicos, títulos de cidadão honorário, homenagens e honrarias renderiam uma página inteira de jornal. Talvez duas ou três.

“Ele, com seu caráter técnico científico e segurança científica ajudou muito o Ministério da Saúde nos casos em que tínhamos dúvidas técnicas de certos procedimentos cirúrgicos em oncologia,” lembrou a secretaria-substituta da Secretaria de atenção Especializada a Saúde do Ministério da Saúde, Maria Inez Pordeus Gadelha, com quem compartilhou mais de 20 anos de amizade.

Foram mais de quatro décadas dedicadas à medicina e à oncologia. Das teorias em sala de aula, à prática em visitas aos pacientes em suas casas e consultórios. Mas os mais próximos eram os caminhos do Hospital Erasto Gaertner. Aqueles corredores, salas de cirurgia, UTIs que Luiz Antonio conhecia tão bem faziam parte da sua essência. Eram quase inseparáveis. Não poderia ser diferente.

Dr. Luiz Antonio Negrão Dias trabalhou até a quarta-feira (15) às 18 horas. O motivo era especial: precisava dar a notícia a um paciente que o mesmo estava curado de um câncer. Luiz faleceu quatro dias depois, em um domingo, no hospital em que passou a maior parte de sua vida. Tinha 57 anos e alguns meses. Deixa familiares, amigos, alunos, pacientes e colegas, e uma porção de orquídeas coloridas.

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