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Maria Cristina Hartmann e a inseparável bicicleta.
Maria Cristina Hartmann e a inseparável bicicleta.| Foto: Arquivo pessoal

Um aspecto escapava da coerência que fez parte da vida de Maria Cristina Hartmann, a Chica. Apesar de ter pedalado mais de 100 mil quilômetros ao redor do mundo, sempre chegando sem problemas ao destino final, seu senso de direção não era nada bom. A bióloga, empresária do ramo de equipamentos de aventura e cicloturismo, cicloativista, montanhista e ativista da causa animal e do meio ambiente, era movida por uma força rara e guiada por uma personalidade modesta que lhe permitia pedir ajuda constante sobre a direção a seguir. Por isso e por sua simpatia, deixou uma legião de amigos por onde passou. Chica faleceu no dia 4 de janeiro, aos 63 anos, devido a uma infecção generalizada.

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Além do desprendimento para pedir informações, ela contava com algumas táticas, como, ao fazer uma parada na estrada, estacionar a bike no sentido que estava indo. Assim, quando voltasse, tinha garantia de continuar pelo caminho certo. Vinda de uma família de montanhistas, foi natural que ela também trilhasse pela natureza. A partir do início da década de 80, passou a participar do Clube Paranaense de Montanhismo.

O encanto específico pelo cicloturismo veio cerca de dez anos mais tarde. Ir de Curitiba ao litoral paranaense fazia parte dos primeiros trajetos realizados. A vontade de se aventurar mais longe teve estopim quando hospedou dois argentinos que viajavam pelo continente sem dinheiro. “Ela ficou com uma pulguinha atrás da orelha”, lembra o filho, Roberto C. Cruz. Junto com ele, na época adolescente, fez sua primeira longa viagem internacional a bordo da bike, tendo como cenário o Chile. Ao longo dos anos, multiplicaram-se os destinos: Chapada Diamantina, na Bahia, Europa, Estados Unidos. Uruguai, Chile e Argentina ela percorreu tantas vezes que tinha uma segunda família em Bariloche.

Trabalhava durante vários meses com o maior gás possível, assim podia fazer até três viagens em um ano. O trabalho também tinha a ver com seus amores. Há mais de 30 anos, percebendo a necessidade de equipamentos de montanhismo de qualidade produzidos localmente, passou a desenvolver e manufaturar itens próprios para esportes de aventura na natureza. Ela mesma era a primeira atestadora da qualidade dos produtos, aprimorando de acordo com sua experiência com eles.

Assim como Chica migrou do montanhismo para o cicloturismo, o mesmo aconteceu com a Alpamayo, sua marca de equipamentos outdoor. Ao começar a pedalar, fabricou seu próprio alforje e estendeu a disponibilização deles e de outros materiais para cicloturistas, fornecendo para o Brasil inteiro e sendo referência em qualidade na área. Um dos produtos pioneiros que desenvolveu foi uma polaina anticobras.

Chica durante uma das paradas pra descansar e fazer amigos.
Chica durante uma das paradas pra descansar e fazer amigos.| Arquivo pessoal

Foram 28 viagens ao redor do planeta e incontáveis histórias. Chica fazia a maior parte delas sozinha, mas contou com a companhia do amigo Giancarlo Stahlke em várias. Juntos eles conseguiram pouso em uma câmara mortuária, em um barracão para tratores de fazenda e em casas ou terrenos simples de moradores que lhes mostraram que quanto menor a posse, maior a generosidade. Só paravam para comer, beber água ou firmar acampamento quando estavam cansados, e nessas paradas fizeram amizades inesquecíveis. Dentro do leque de amigos de Chica havia gente de todo o mundo. “Imagine ter uma amiga que topa tudo. Ela era assim”, relembra Giancarlo.

Protetora dos animais, chegava a se arriscar em estradas perigosas para proteger bichos que tentavam atravessar. Toda semana encaminhava aos amigos próximos campanhas sobre adoção de animais. Na casa aos pés do Morro do Anhangava, onde morava há cerca de 20 anos, tinha a companhia do gato Tomtom e de algumas galinhas.

Em uma das filmagens que Giancarlo assiste com saudade, Chica resume o sentimento de plenitude que viajar de bike lhe causava: “Isso que é vida”, diz ela à câmera.

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