Alguém que agarrou com unhas e dentes todas as oportunidades que surgiram. A ex-atleta olímpica Roseli Aparecida Machado tinha uma determinação pungente, que transparecia desde o momento em que pisava na pista para iniciar os treinos até o ponto de chegada de uma corrida de rua. Mesmo com percalços e lesões, passou grande parte da vida fazendo o que lhe trazia mais felicidade: correr. E colhendo os louros disso. Foi a segunda mulher da história a vencer a Corrida Internacional de São Silvestre, em 1996, e no mesmo ano representou o Brasil nos Jogos Olímpicos de Atlanta, nos Estados Unidos.
O início de seu caminho no atletismo foi longe de pistas adequadas para a prática. Criada em Santana do Itararé (PR), aos 12 anos começou a correr na rua como recreação. Apesar das poucas condições oferecidas pela cidade na época para atuar profissionalmente, enxergou em si um talento que precisava ser trabalhado e a partir de então lutou por isso. Aos 17, mudou-se para Londrina, onde entrou no esporte de alto rendimento como parte da equipe de corrida da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Pela baixa estatura e por ser considerada “gordinha”, fora dos padrões físicos aparentes das demais atletas da modalidade, surpreendia os técnicos e colegas ao apresentar ótimos resultados, difíceis de atingir. O também ex-atleta e hoje presidente da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), Wlamir Motta Campos, foi colega de treinamento dela em Londrina e guarda a memória de uma amiga que dava 110% de si em todo treinamento. “A impressão que dava é que para ela todo treino era o último da vida”, relembra.
Mesmo após uma cirurgia no joelho em 1989 que causou frustração e preocupação sobre o futuro no esporte, se recuperou e viveu a fase mais frutífera da carreira na segunda metade da década de 1990. Além de medalhas de prata e ouro em corridas de dez e cinco mil metros no Troféu Brasil - Telebrás de Atletismo, uma das competições mais importantes do país, conquistou a simbólica vitória na São Silvestre, representando um marco para a prática feminina do atletismo. Encontrava mais satisfação nas corridas de rua, por isso a conquista foi muito comemorada e era sempre lembrada com orgulho por ela.
Alcançou um dos pontos mais sonhados para qualquer atleta ao participar dos Jogos Olímpicos de Atlanta-1996, na modalidade de cinco mil metros feminino. Treinou nos Estados Unidos e competiu na Maratona de Nova York em 1995, além de outras corridas de rua no país e no Canadá, chegando a bons resultados.
Roseli levou para a vida a mentalidade do atletismo, em que, diferente dos esportes coletivos, a pessoa só depende de si para vencer e que a maior competição é consigo mesma. Depois de passar por outra cirurgia, de integrar a equipe do Clube de Regatas Vasco da Gama de 1999 a 2001, de estudar Educação Física, de concluir especialização em Fisiologia do Exercício, e de atuar brevemente como treinadora, se aposentou das pistas. Dedicada então aos negócios, obteve êxito em todas as empreitadas empresariais em que entrou. De retorno ao Paraná, em Almirante Tamandaré, trabalhou no comércio de produtos de limpeza, ampliou para uma espécie de casa de ferragens e, investindo tudo o que ganhava, se encontrou no ramo da construção civil.
Apesar do jeito mais fechado, era fã de uma boa reunião de amigos. Se dependesse dela, faria churrasco em casa todas as noites para receber as pessoas queridas. No ano passado, foi candidata a vereadora em Almirante Tamandaré, levantando a bandeira do esporte como ferramenta de inclusão e de transformação social. Não venceu o pleito, mas tinha o desejo de replicar em outras crianças e adolescentes a trajetória de sucesso que trilhou. A menina humilde do Norte Pioneiro entrou pela porta de oportunidades que o esporte lhe abriu, conheceu o mundo, cursou faculdade e marcou seu nome na história. Roseli Machado faleceu vítima de Covid-19 no dia 8 de abril, aos 52 anos.