Está escrito nas paredes do Bek’s Bar, em Curitiba, que aquele é um boteco tradicional. Não com letras, mas com o vozerio do encontro animado entre amigos, o tilintar das garrafas grandes de cerveja, o clássico baleiro giratório e os petiscos fartos e cobertos por cebolinha picada. Quem fez isso nascer e dedicou ao estabelecimento quase 40 anos de trabalho foi Jefferson Eduardo de Lima, administrador do bar, morto no dia 29 de setembro, aos 65 anos. Antes de abrir o estabelecimento, estudou Economia e Contabilidade e trabalhou na área.
O bar se tornou, para ele, uma verdadeira paixão. Apesar de seu posto oficial ser no caixa ou tirando pedidos, atuava onde fosse preciso, desde levar os pedidos às mesas até fazer a matemática das comandas. Sua prioridade era estar presente e colocar o trabalho em ordem. A paixão pelo Bek’s Bar surgiu de outra paixão e de outro Bek’s. Aficionado por futebol, sentia falta de um local no Água Verde que ficasse aberto até mais tarde e, assim, pudesse receber ele e o time que tinha com os amigos, o Discípulos do Bek, para cervejas e resenhas futebolísticas.
Tudo isso há quatro décadas, quando a juventude ainda lhe permitia jogar assiduamente e participar de torneios com o time. Com o passar do tempo, o futebol dos campeonatos deu lugar a uma ou outra pelada entre amigos para distrair e animar. A torcida também fez parte de toda a sua vida. Viu seu time do coração, o Pinheiros, se transformar em Paraná Clube e sua torcida se transformar junto. Neste e em todos os outros aspectos da vida, era um homem cheio de esperança, que acreditava na vitória mesmo nos cenários menos favoráveis.
Apesar de ser paranista, não se avizinha a um estádio de futebol por acaso. A proximidade entre o bar e a Arena da Baixada, casa do Athletico, garante presença em massa dos torcedores rubro-negros, especialmente em dias de jogos decisivos. Há testemunhos de que ali o chão chega a tremer com a presença dos torcedores ávidos por uma cerveja gelada. Mesmo quando não há jogo, a alegria do bairro é garantida pela dobradinha, carne de onça, rollmops e pelo bolinho de carne, que já ganhou até Prêmio Bom Gourmet de melhor petisco da cidade. O cenário dos dois salões que formam o bar fica completo com cadeiras cinquentenárias feitas de imbuia, que de acordo com Giovanna Lima, filha de Jefferson, “dão a impressão de que os bêbados podem se sentir seguros, que eles não vão cair das cadeiras resistentes”.
Jefferson literalmente riscava os dias no calendário, com ansiedade, para a chegada do verão e da temporada de um mês em Guaratuba com a família. A viagem era tão tradicional que ele chegou a alugar um caminhão para levar todo o pessoal para a praia. Lá, a diversão era em estado puro. Momento de reunir os queridos e contar as melhores histórias e piadas. E também de pregar algumas peças, como era de seu gosto. Os familiares ficavam receosos de tirar uma soneca perto dele pois poderiam acordar com o rosto pintado. Já teve tia-avó que acordou com caranguejo plantado por ele no quarto para fazer uma graça durante a sesta.
Giovanna lembra que até os momentos não tão obviamente divertidos ganhavam um ar mais leve com o pai. Como na inundação que aconteceu na praia quando ela era pequena, mas que rendeu um animado passeio de boia pelas ruas alagadas de Guaratuba. “Acredito que os momentos mais felizes que ele viveu foram na praia, por isso ele esperava tanto todo ano”, conta a filha.
No velório de Jefferson, ele pediu uma última graça: que fosse tocada a música do obituário de uma rádio da capital da qual era fã. A filha também resolveu um antigo desconforto dele. "Ele detestava escuro. Então no caixão coloquei uma lâmpada para que não precisasse ficar no escuro mais", conta Giovanna. Jefferson deixa esposa, uma filha e um filho.
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