Quatro dias antes de completar 89 anos, meu avô, Zelino Favretto, descansou. Sempre muito ativo e trabalhador, descansar não costumava ser sua prioridade. Quando não estava em viagem com seu caminhão Mercedes 1113 vermelho, em que transportava geladeiras do Norte ao Sul do Brasil, cuidava da horta de casa, dos filhos, dos netos e de quem mais precisasse de apoio.
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Não era de abraços e outras demonstrações públicas de afeto, mas seu olhar carinhoso e disposição para ajudar o próximo já diziam tudo. Tinha um coração tão grande quanto as mãos que se tornaram uma marca registrada. Digo com toda a certeza: nunca vi mãos tão grandes e acolhedoras como as do meu avô.
Gaúcho de Tapejara, levantava cedo para preparar o chimarrão que tomava sempre antes do café da manhã. Lembro de encontrá-lo na cozinha, cuia na mão e chaleira no fogão, pronto para começar mais um dia de lida. Aos domingos, era comum que essa rotina incluísse a televisão ligada no Globo Rural ou o rádio tocando alguma moda de viola. Eu não entendia de plantio, colheita ou animais, mas fazia questão de me sentar perto para fazer companhia.
Aliás, eu entendia de pouca coisa que meu avô fazia, mas eu queria mostrar que podia ser como ele. Quando ele mexia na horta, eu ajudava com as sementes; quando estava debaixo do caminhão consertando alguma peça, eu facilitava o acesso às ferramentas; quando ele assistia aos telejornais, eu me sentava ao lado para ouvir também. Cresci junto ao meu avô e por ele tinha uma admiração profunda. Como alguém poderia ser tão forte e resistir a tantos atropelos da vida e estar sempre ali por mim? Por nós. Por todos!
E ele resistiu bravamente aos percalços da vida. Diz uma prima que ele tinha sete vidas. E não duvido. Pouco antes de minha mãe nascer, no início da década de 70, ele teve uma úlcera que quase o levou embora. Foram duas cirurgias em 14 meses, mas ele se recuperou e voltou a trabalhar. Já em maio de 1987, quando ela estava grávida de mim, o Mercedes 1113 tombou e ele teve uma parte da perna direita amputada. Ele colocou uma prótese e voltou às estradas.
Na década de 90, mais dois episódios mostraram o quanto ele desejava viver. Certa vez, na travessia de balsa pelo Rio Amazonas, meu avô foi diagnosticado com pneumonia e quase morreu. Comprometido com o trabalho, iniciou um tratamento, seguiu viagem, entregou o que precisava e então voltou para casa para se cuidar melhor. Ficou bem. Depois, um acidente de carro também o deixou bastante machucado, mas ele bravamente resistiu.
Por fim, no início dos anos 2000 ele sofreu um assalto a caminho do Alagoas. Homens armados tentaram roubar a carga de geladeiras que ele levava, mas ele não entregaria seu Mercedes 1113 jamais. Ele nunca se separou daquele caminhão adquirido em 1983 e foi seu único dono. Era como se fossem conectados e resistissem juntos. Tiros foram disparados contra eles. O caminhão foi bastante afetado e o seu Zelino foi atingido por uma única bala, que fez com que ele perdesse os movimentos da mão esquerda. Ele sobreviveu, mas as coisas já não eram como antes. Ainda assim lutou para continuar dirigindo seu caminhão.
E quando precisou parar de viajar, começou uma nova batalha, agora contra o envelhecimento. Manteve-se lúcido, sempre atento ao noticiário da televisão, do rádio e dos jornais impressos. Agora jornalista, eu me sentava com ele para fazer companhia e discutir política, economia e até plantio. Era impressionante a compreensão que ele tinha da vida. Um dia, já com a saúde debilitada me perguntou: “E como está a Venezuela?”. Antes de pensar em si, de fato pensava nos outros.
Seus olhos brilhavam ao me ouvir falar e minha maior recompensa de vida era poder ver nos olhos castanhos do meu avô, que ele sentia orgulho de quem me tornei. Tenho certeza de que cada uma das filhas, netos e bisnetos também sente o mesmo. Os princípios e valores ensinados por ele formaram uma grande e corajosa família. Morreu em 21 de junho de 2019, deixando esposa, três filhas, nove netos e sete bisnetos.
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