Nada de Homem-Aranha, Batman, Hulk ou Homem de Ferro. Para os meninos Theo Schlemper, 3 anos, e João Maurício da Silva Santos, 5 anos, moradores do bairro Campo de Santana, em Curitiba, heróis de verdade são os coletores de lixo. Tanto que o tema da festa de aniversário de cada um deles foi coleta de lixo.
Theo e Joãzinho moram no mesmo bairros, mas não se conhecem. Mesmo assim, compartilham a admiração incomum pelo trabalho dos coletores de lixo. Ao ponto de os dois largarem qualquer coisa que estiverem fazendo para correr até o portão de casa assim que ouvem o barulho do caminhão de lixo .
- Imagens - Confira fotos das festas de aniversário de Theo e João com os coletores de lixo
“O Theo já saiu correndo pelado do banho só para ir cumprimentar os ‘amigos’, como ele chama os coletores aqui do bairro”, ilustra a mãe do menino mais novo, a autônoma Valeria Schlemper, de 30 anos. “Sempre que estamos no ônibus indo para algum lugar e passa o caminhão do lixo, o João já sabe quem é o motorista e a equipe de coletores. Ele sabe até os apelidos deles”, reforça a mãe do outro menino, a fotógrafa Amanda Priscilla Alves da Silva, de 26 anos.
Nenhuma das duas mães sabe explicar como começou a admiração dos filhos. Enfatizam apenas que já bebezinhos eles iam cumprimentar os trabalhadores da limpeza pública, para quem até hoje fazem questão de entregar o saco de lixo no portão de casa. Isso quando não dão mimos, como chocolates e até churrasco. E a amizade só cresce a cada dia.
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Theo, por exemplo, chega a imitar nas brincadeiras os gritos que os coletores dão para se comunicarem com o motorista do caminhão enquanto recolhem o lixo das ruas. Joãozinho, por sua vez, volta e meia obriga a mãe a levá-lo à central dos caminhões de lixo para visitar os coletores.
De tão fãs, os dois, é claro, se vestem como os ídolos. Joãozinho foi o primeiro a usar roupa de coletor de lixo. Um conhecido da família que trabalhava na empresa de coleta deu para o menino o uniforme oficial há cerca de um ano. Como a roupa era grande demais, a avó do menino o adaptou. “O João não tira para nada. Vai ao shopping, ao médico, sempre com a roupinha verde. Agora ele vai começar a ir para escola e já me avisou que quer ir de coletor. Esses dias, em uma loja de brinquedos, ele até questionou a vendedora de por que não tinha bonequinhos de coletores para ele brincar, só de super-heróis”, diverte-se a mãe. “Daqui a pouco vou ter que arranjar outra roupa, porque essa daqui a pouco rasga de tanto que ele usa”, brinca Amanda que, por causa de João, teve que fazer também uma roupinha para a filha Geovana Beatriz, mais velha que João. “Ela também passou a gostar dos coletores por causa do irmão”, explica.
Theo não fica para trás na vestimenta. “Minha mãe teve que costurar a roupinha de coletor de tanto que o Theo pediu”, aponta a mãe do menino. “Tenho muito orgulho desse carinho do meu filho pelo pessoal da limpeza pública. O que seria da cidade sem essas pessoas, que fazem um trabalho que não é agradável, que é tão estigmatizada por lidar com lixo. Fico muito feliz que o meu filho leva um pouco de alegria para a rotina pesada deles”, sintetiza Valéria
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Festinhas de aniversário
De tanta admiração, as duas crianças exigiram dos pais que a festa de aniversário fosse uma homenagem aos coletores de lixo. Na comemoração de 3 anos de Theo, dia 21 de dezembro, três coletores apareceram para parabenizá-lo. E a festa só aconteceu, conta Valeria, porque uma semana antes o filho ganhou de presente dos coletores um caminhãozinho de brinquedo igual ao que eles trabalham.
“A gente nem estava em condições de organizar uma festa para o Theo. Mas depois dessa atitude dos meninos [coletores] de darem o caminhãozinho para ele, decidimos não só fazer a festa e convidá-los, como o tema foi coleta de lixo”, orgulha-se Valeria, que teve que criar a decoração, com um caminhãozinho de coleta, sachês em formato de pequenos sacos de lixo, um bonequinho de feltro de coletor no topo do bolo e fotos do menino com os funcionários da limpeza pública.
Joãzinho, por sua vez, teve uma prévia da festa nesta terça-feira (5), quando completou 5 anos e foi abraçado pessoalmente pelos coletores que deram uma pausa no trabalho para também presenteá-lo com um caminhão de brinquedo. Mas comemoração mesmo será no próximo domingo (20), quando duas equipes da limpeza pública, em um total de nove coletores, participarão da festinha de aniversário do guri. “Foi o próprio João que convidou os coletores. Ele tem até um grupo de Whatsapp para conversar com eles”, reforça Amanda.
Parte da decoração da festa de Joãozinho, aliás, será a mesma do aniversário do Theo. Sabendo que já havia outro menino que se vestia de coletor de lixo no bairro, Valeria decidiu ajudar na festa de João. “Eu sabia que a mãe dele teria dificuldade em montar a decoração porque não existe artigos de festa infantil com essa temática. Por isso decidi ajudar na festa do João”, conta Valeria.
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Valorização
A homenagem das duas famílias emociona não só os coletores amigos dos meninos, como também quem foi à festa. A fotógrafa Jéssica Carsoli, 20 anos, contratada para registrar a festa de Theo, admite que se surpreendeu ao chegar para trabalhar. “Fui pensando que o tema seria Batman, Super-Homem ou dinossauro, que está muito na moda nas festas de meninos. E no fim foi o aniversário em que mais me emocionei pela homenagem a pessoas que trabalham tanto para manter a cidade limpa”, elogia a fotógrafa.
Os próprios coletores de lixo também não escondem a emoção. Oséas Barbosa da Silva, 38 anos, que coleta lixo há 13 anos, oito como motorista do caminhão, admite que o coração foi a mil quando chegou na casa de Theo e viu as fotos dele e dos colegas. E domingo tem mais no aniversário de João.
“Tem muita criança que vem dar tchau para gente no trabalho. Mas nenhuma como esses dois meninos. O Theo e o Joãozinho nos enchem de alegria porque enquanto muitos adultos tampam o nariz e fazem cara feia quando a gente passa por causa do cheiro do caminhão, eles vem sorrindo falar com a gente, valorizam o nosso trabalho”, enfatiza Oséas, que ouviu da mãe de Theo que o menino não larga o caminhãozinho que ganhou de presente. “Diz que ele está até dormindo com o caminhão”, orgulha-se o motorista.
Coletor de lixo há 5 anos, Paulo Alberto dos Santos, 32 anos, diz que o carinho dos dois meninos motiva as equipes a percorrer 22 km todos os dias tirando o lixo da cidade, sendo 10 km eles fazem correndo. “Esses meninos estão fazendo o papel que os adultos deveriam fazer, de valorizar o nosso trabalho. Por isso que postei no Facebook que a festa de aniversário era do Theo, mas quem ganhou uma surpresa de verdade foi a gente, vendo nossas fotos com ele. Agora vamos para a mesma emoção na festa do Joãozinho”, orgulha-se Paulo.
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