Filho de um porteiro e de uma diarista, o estudante Renan Santos Viana, 19 anos, é um dos calouros de 2019 de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), vaga conquistada pelo sistema de cotas para estudantes da rede pública de ensino. Graças a uma bolsa de estudos no cursinho pré-vestibular e, principalmente, ao apoio da família, que decidiu se mudar de Matinhos, no Litoral, para Curitiba, o rapaz de origem humilde vai alcançar o sonho de criança de se tornar médico.
“Como sofro de asma crônica desde os 3 anos, volta e meia sou internado para tratamento. E por todo carinho e atenção que sempre recebi no hospital público onde me tratava na infância, decidi ser médico”, explica Renan, que no dia anterior à entrevista para esta reportagem havia ido ao posto de saúde em mais uma crise dos pulmões.
A largada pela busca por uma vaga em Medicina foi em 2015. Assim que acabou o Ensino Médio, Renan tentou a sorte no vestibular mais concorrido não só da UFPR, mas de todas as universidades do estado. E aí veio o choque de realidade. Com a formação que recebeu no colégio estadual onde estudou em Matinhos, ficou muito longe de ser aprovado. Nem da primeira fase do vestibular passou. “Saí do colégio com muitas falhas na minha formação. Eu não sabia resolver equação de primeiro grau, por exemplo, que é uma das coisas mais básicas da Matemática”, ilustra.
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Para alcançar a aprovação na UFPR havia um único caminho: reforçar os estudos. Para isso, teria de deixar Matinhos e vir a Curitiba. O problema é que na mesma época o pai, Euclides Babugem Viana, 52 anos, perdeu o emprego de vendedor numa loja de móveis.
“Minha família resolveu vir para Curitiba mesmo assim, não só para que eu pudesse me preparar melhor, mas também para que meu pai conseguisse um emprego”, explica Renan, que desde o início de 2016 mora com os pais, a irmã e o irmão em uma casa alugada na Vila Oficinas, no bairro Cajuru, na capital.
Desafio
Com a família instalada e o pai empregado como porteiro de um condomínio em Curitiba, o desafio foi encontrar uma forma de Renan se preparar à altura do desafio que é o vestibular da UFPR. Aí a dedicação da mãe, Sandra Regina dos Santos, 51 anos, fez toda a diferença.
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“Encaramos o desafio, mas não foi fácil. Chegou a faltar dinheiro para comida, tivemos que pedir ajuda para uma prima minha. Mas sempre fui positiva. Enquanto tiver saúde, estou lutando pelos meus três filhos”, reforça Sandra, não menos orgulhosa dos filhos mais velhos: Amanda Santos Viana, 27 anos, mestranda em Gestão Ambiental também na UFPR, e Diego Santos Viana, 26 anos, estudante de Radiologia na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Sandra ainda admite que a vinda da família para Curitiba teve um motivo a mais: a atenção com a saúde de Renan. “Fiquei preocupada de ele ficar sozinho aqui com as constantes crises de asma, sem ter ninguém para levá-lo ao médico”, revela a mãe. “Minha mãe sempre batalhou por mim e meus irmãos. Ela me levava para o hospital, me dava medicamentos, sempre foi a chefe da nossa casa. Se ela não tivesse batido na porta do cursinho, acho que não teria alcançado esta vaga na Federal”, avalia Renan.
Os estudos no cursinho com a bolsa em 2016 deram resultado, mas não em Medicina. Renan ingressou na UFPR no curso de Biomedicina pela nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No vestibular, passou na primeira fase, não na segunda .
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Em 2017, ele se matriculou em Biomedicina na UFPR, mas ficou apenas um semestre no curso. “Não entrei muito animado em Biomedicina, porque meu sonho sempre foi ser médico. Não conseguia me concentrar nas matérias, porque via o pessoal de Medicina estudando e ficava triste”, admite Renan. Depois de seis meses, trancou a matrícula na faculdade e voltou ao cursinho com a mesma bolsa de 30%.
Desta vez o sonho de cursar Medicina bateu na trave. No vestibular de 2017, por quatro vagas Renan não ingressou na UFPR pelo sistema de cotas de escola pública. Acabou indo para a lista complementar, o que manteve viva a esperança de uma vaga até o fim do primeiro semestre de 2018. “As chamadas da lista complementar iam até o meio do ano. Abriram três vagas de pessoas que desistiram, mas só que bem na minha vez de ser chamado ninguém desistiu”, lamenta.
Se não conseguiu passar em Medicina no vestibular de 2017, a boa colocação chamou a atenção do Positivo, que desta vez decidiu investir mais ainda em Renan. “O resultado do vestibular de 2017 serviu para eles me darem uma bolsa integral com direito a almoço no cursinho”, explica o calouro. Era a oportunidade definitiva.
Com bolsa de 100%, Renan assistia às aulas de manhã e passava o resto do dia estudando na biblioteca do cursinho. Quando chegava em casa, ainda arranjava tempo para se atualizar com as notícias na TV e na internet para a prova de redação. “Comemorei essa bolsa integral tanto o quanto quando ele passou no vestibular”, lembra Sandra. “Sem essa bolsa, eu não ia conseguir fazer cursinho de volta. Eu ia ficar em casa, estudando sozinho, a preparação nem de perto ia ser a mesma coisa. Essa bolsa integral serviu até para aumentar minha autoestima. Foi um presente para mim, minha família, mas principalmente para minha mãe”, avalia Renan.
Futuro na Medicina
Sobre o futuro na carreira, Renan admite que por causa da asma até cogitou se especializar em Pneumologia. Mas o caminho deve ser outro. “De tanta consulta que eu fui, desde pequeno falava para minha mãe que seria pneumologista. Mas acho que estou mais interessado em ser cirurgião”, planeja.
Seja qual for a especialização que Renan opte como médico, Sandra tem uma certeza: vai ser difícil alcançar alegria igual a de quando viu o filho caçula no banho de lama da UFPR. “Nunca imaginei que quando a gente realizasse um sonho desse tamanho ficasse tão sensível. Aquele dia chorei o dia todo, sem parar, mas foi de alegria, uma coisa tão boa, inexplicável. É tão incrível a gente alcançar um sonho desse com o apoio de toda a família”, emociona-se a mãe do novo calouro de Medicina da UFPR.