Com a aproximação do inverno e o frio ganhando força, cresce a presença de moradores de rua buscando abrigo em estações-tubo em Curitiba. É um problema antigo da capital, mas que parece estar longe de ser solucionado.
Nos tubos próximos da Praça Rui Barbosa, no Centro, essa situação é quase que diária. Para quem trabalha por ali, o fato de eles terem transformado as estações em refúgio é apenas uma ponta de um problema maior. “Eles não incomodam por estarem dormindo ali. O problema é quando eles saem dos tubos e ficam pela praça ou quando dormem na porta da loja. Há cheiro de urina e resto de comida espalhado”, reclama a vendedora Maria Raquel Santos, de 36 anos, que trabalha em um shopping da região.
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Segundo ela, a loja não costuma chamar a prefeitura para tomar providências, no entanto, a vendedora conta que já passou por uma situação um pouco mais grave, envolvendo uma mulher grávida em situação de rua. “Não pudemos abrir a loja porque ela estava deitada na porta, com sangramento. Foi a única vez que acionamos a prefeitura”, recorda.
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Já Éder Henrique Lima, 26 anos, gerente de uma rede de loja de calçados, diz ligar constantemente para o serviço 156 da prefeitura. Quando não o faz, a movimentação de andarilhos aumenta nas proximidades da loja. “Acontece porque não é só nos tubos que as pessoas dormem, mas também nas marquises”, diz. “Quando ficamos sem ligar, começa a crescer o número de objetos largados nas calçadas, a vitrine aglomera todo o tipo de lixo, até cobertores, e isso atrapalha a clientela”.
Para o Instituto Nacional de Diretos Humanos da População em Situação de Rua (Inrua), a situação nas estações-tubo no inverno apenas evidencia o que já ocorre durante o ano todo. “Morar na rua é um risco iminente à vida. Por isso, qualquer espaço da cidade que dê para se defender, facilmente, se converte em moradia. Buracos, esgoto, viadutos, espaços de vala. Quando os locais são os tubos, isso salta aos olhos, mas é só mais um lugar na cidade”, explica Tomás Melo, membro do Inrua.
Segundo ele, é comum avistar pessoas em situação de rua dormindo em lugares movimentados de dia, já que elas passam a noite acordadas lutando contra o frio e contra os riscos de viver na rua. “Em horário comercial, quando o sol aparece, elas usam essa estratégia para se proteger do frio e estar em locais de circulação de pessoas”, revela.
Sem ações específicas
De acordo com a Urbs - empresa municipal que gerencia o transporte coletivo de Curitiba -, quando as câmeras ou mesmo os operadores registram que há alguém dormindo nas estações-tubo, a Fundação da Ação Social (FAS) é acionada para que sejam feiras as abordagens e acolhimentos. No entanto, o órgão explica que não há um trabalho específico para atender quem está nos pontos de ônibus, mas apenas a mesma abordagem que já é feita em outros casos do gênero.
Mesmo sem esse atendimento específico, a prefeitura de Curitiba desta que, desde o fim de maio, as ações para atender a população de rua foram intensificadas. Em 2018, segundo a FAS, o número de vagas de acolhimento dobrou em relação a 2017. Ao todo, são 1,2 mil vagas e o atendimento funciona das 19h às 23h, sempre que a temperatura chega à mínima de 7°C. A ação vai até 15 de setembro e serão atendidas solicitações que chegam à Central 156.
“Pesquisas apontam que temos 2,3 mil moradores de rua na capital, mas parte desse número fica na rua durante o dia e vai para casa à noite”, explica Elenice Malzoni, presidente da FAS. “Não podemos perder nenhuma pessoa para o frio, por isso, estaremos nas ruas para fazer o resgate, ofertar acolhimento e os demais serviços que sejam necessários”.
Para Tomás Melo, membro do Inrua, essas ações são meramente paliativas. “Operações de acolhimento no inverno acabam sendo momentos de emergência para lidar com uma particularidade da cidade. E vai continuar assim, enquanto não houver políticas sólidas para resolver a situação”, aponta.
Já o coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), Leonildo José Monteiro, aponta um problema ainda maior. Segundo ele, o número de pessoas em condições de rua é bem maior do que a prefeitura afirma. De acordo com ele, ao invés das 2.300 pessoas apontadas pela FAS, Curitiba tem cerca de 5 mil indivíduos em condição de rua.
“No inverno, a prefeitura dobra as vagas, que vão das costumeiras 672 para 1,2 mil, mas não é o suficiente para atender 5 mil pessoas”, reclama Monteiro. “Muitas das que tentam vagas nos abrigos acabam desistindo pelas condições de atendimento, que não são tão perfeitas assim. Infelizmente, quando isso não acontece há riscos de sofrimento com o inverno e até favorecimento de óbitos”.
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