A expectativa do afrouxamento das leis que regulamentam a venda e uso de armas no Brasil após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) tem levado mais cidadãos a lojas de armamentos e clubes de tiro de Curitiba. Os consumidores buscam informações sobre como comprar e portar uma arma e também para saber se algo mudou na lei. Durante a campanha, Bolsonaro prometeu revisar o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), que dispões sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo no país e estabelece regras rígidas para a venda e, principalmente, para o porte de armas.
Mas bastou o aceno do novo governo nesse sentido para despertar uma demanda que parecia estar reprimida. Na Bacamarte Armas, o proprietário, Pedro Tulio, conta que, da eleição para cá, a procura por informações sobre como comprar uma arma e registrá-la cresceu 30%. “As pessoas estão querendo se proteger, proteger a sua família e o patrimônio”, afirma. Segundo ele, o público não quer somente ter a posse de uma arma em casa, mas também portá-la na rua.
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A loja vende, em média, 12 armas por semana, principalmente pistolas e revólveres. Tulio acredita que, se houver mudança na lei, o aumento nas vendas poderá ser de até 50%. “Isso vai abrir o mercado armamentista. Hoje, por exemplo, nós não podemos importar armas, só vendemos o que é fabricado pela Taurus, que detém o monopólio nacional”, explica. A importação é autorizada apenas pelo Exército, mas para isso a pessoa precisa tirar uma série de certidões e documentos. Em resumo, é bem mais difícil.
E não são militares nem agentes de segurança o principal público frequentador da loja. De acordo com o proprietário da Bacamarte, o perfil do consumidor é de pessoas acima dos 40 anos (homens e mulheres) e de classe média e alta, com poder aquisitivo para comprar armamentos cujo preço varia de R$ 4,2 mil a R$ 6 mil. O interesse da maioria é em adquirir armas para proteção pessoal e de seus bens.
“Esse interesse maior das pessoas em ter uma arma é em decorrência da violência”, pontua Luane Cristina Vicentine, proprietária da Az de Espadas, a mais antiga loja de armamentos da cidade, em atividade há 75 anos. Ela conta que as vendas também não cresceram, mas sim o número de clientes que procuram saber se algo mudou na lei e tirar outras dúvidas. Ela estima em 15% esse aumento, desde o período das eleições. “A vendedora aqui me contou que, no dia 2 de janeiro, já ligaram para saber se tinha mudado alguma coisa na lei”, comenta.
Segundo Luane, a Campanha do Desarmamento, de 2004, passou a impressão de que a lei não permite a compra de armas de fogo, mas que na verdade permite. “Na cabeça das pessoas, ficou isso e é como se agora tivesse sido liberado, mas já era”, observa. A comerciante acredita que esse esclarecimento de que a posse de uma arma de fogo é possível pode aumentar as vendas em até 40%. “Mas o que muitos estavam esperando era que fosse liberado o porte”, acrescenta.
O perfil do público interessado em armas, de acordo com Luane, é bem variado. Vai desde o morador de sítio da região metropolitana até promotores públicos, juízes e médicos. Atualmente, a loja de Curitiba vende de 15 a 20 armas por mês, principalmente pistolas e revólveres de calibres permitidos.
Clubes também tiveram alta na procura
Os clubes de tiro da capital paranaense também experimentaram um crescimento na procura de pessoas em busca de informações e da prática de tiro, seja por diversão, aprimoramento, treinamento ou para fins esportivos. Fabíola Scotti, presidente do Clube Orion de Tiro, conta que cresceu de 30% a 40% os pedidos de informação sobre cursos de tiro. O número de associados, no entanto, não subiu, apesar da demanda reprimida. Isso porque, conforme Fabíola, o clube – que é majoritariamente frequentado por praticantes de tiro esportivo – tem respeitado a lei.
Ela conta que a portaria nº 51 do Comando Logístico Departamento Marechal Falconieri (Colog), ligado ao Exército, determina desde agosto de 2018 que os praticantes de tiro tenham habilitação como atirador esportivo. “Mas como uma pessoa vai tirar essa habilitação se ela nunca praticou tiro?”, questiona Fabíola. Além de passar por exame psicológico, ser filiado a um clube de tiro e ter bons antecedentes criminais, caso se aprovado, o praticante ainda terá de aguardar até 120 dias pela habilitação, que é dada pelo próprio Exército. “Isso acaba afastando as pessoas da prática esportiva do tiro”, observa.
Já no Clube de Tiro SK, que possui de 3 mil a 5 mil frequentadores por mês , além de 1,2 mil sócios, a procura pela prática de tiro cresceu 5% no último semestre, de acordo com o presidente da instituição, Adilson Sabbagh. Entretanto, diz ele, esse crescimento é normal e não parece ter a ver com alguma possível mudança na legislação. Sabbagh conta que o público do clube é bastante diversificado. Tem policiais, empresários e pessoas que simplesmente querem se divertir atirando. “Muitos vêm pela primeira vez, só para matar a curiosidade.”
O Clube SK também possui uma loja interna, que vende em média 1 arma por dia. Conforme Sabbagh, a busca por informações sobre armas também aumentou na loja, mas não muito. Ele conta que hoje o público praticante de tiro é de classe social bem variada e a média de idade varia de 25 a 55 anos. E um detalhe: 40% são mulheres.
O que diz a lei
Atualmente, o Estatuto do Desarmamento permite a compra e a posse (na residência) de armas de calibres não restritos – a maioria pistolas, revólveres e espingardas de baixa potência de fogo. As autorizações são concedidas pela Polícia Federal. Para comprar, a pessoa precisa ter 25 anos ou mais, uma ocupação formal, não ter antecedentes criminais e justificar a necessidade de ter uma arma em casa, entre outras exigências. Já o porte de armas é proibido pela lei. No entanto ele é concedido a categorias profissionais ligadas às áreas de segurança pública e privada e ao Poder Judiciário, entre outras.
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