O obstetra Jorge Amin Bacila, falecido em julho aos 97 anos, não ouviu o choro de nenhum dos milhares de bebês que trouxe ao mundo durante os 63 anos de profissão. Também não ouviu as queixas, justas, das mães quase em transe pela dor do trabalho de parto. Tampouco ouviu a voz de agradecimento dos pacientes que não podiam pagar por uma consulta, mas mesmo assim foram atendidos com atenção. Não ouviu esses momentos não por ser pouco preocupado com os pacientes, longe disso, e sim pela perda total da audição que sofreu depois de ter contraído varíola aos quatro anos de idade.
A condição não impediu o foco nos estudos do menino que aprendeu desde cedo a fazer leitura labial e a soltar a voz para se comunicar de modo tão natural que alguns de seus pacientes jamais perceberam que era surdo. De ascendência palestina – o avô Nacim trouxe o pai Amin para o Brasil ainda muito jovem – nasceu e cresceu no município de Palmeira (PR), para onde retornaria depois de graduado parte pela Universidade Federal do Paraná e parte pela Faculdade Fluminense de Medicina.
Na cidade natal, atuou por 30 anos até se mudar para Curitiba e é reconhecido com carinho pelos moradores até hoje. A maternidade da Santa Casa de Palmeira leva seu nome e, em 2015, ele recebeu a medalha da Ordem Estadual do Pinheiro, mais alta condecoração do Paraná. Apesar de sua especialidade médica ser a obstetrícia, trabalhava também como clínico geral, atendendo quem necessitasse de tratamento. Às vezes, vendo a falta de condições de alguns pacientes, recebia como honorário apenas uma oração feita por eles em seu nome.
Uma rua entre a casa dele e o centro médico de Palmeira era conhecida entre os moradores como “a rua do Dr. Jorge”, já que quando recebia um chamado de emergência em casa, ele entrava no carro e saía a toda para realizar o atendimento. Por via das dúvidas, as pessoas atravessavam com cuidado, pois o médico poderia estar passando apressado, acompanhado de pequenas buzinadas sinalizadoras, a caminho do hospital.
No tempo livre, gostava de ler e se aprofundar no conhecimento do ofício que lhe encantou a vida inteira. Foi frequentador de simpósios e consumidor assíduo de leituras especializadas em medicina. Além disso, reunir a família pra jogar cartas nos finais de semana era um prazer constante.
Até a aposentadoria dos consultórios, aos 90 anos, Dr. Jorge praticou uma medicina rara de se encontrar em tempos instantâneos. As filas para ser atendido por ele, que tinha a chave de algumas das unidades onde trabalhava pois era o primeiro a chegar, eram geradas por causa da atenção redobrada que dedicava a todos os pacientes. Suas consultas eram uma verdadeira análise de sintomas e contextos a fim de investigar o que de fato estava acontecendo com cada organismo e tratar o problema pela raiz. As palavras finais dele ao se despedir eram imutáveis: “obrigado pela tua atenção”.
Teve sete filhos, 18 netos e 16 bisnetos. Deixa a esposa, Nelly Fiani Bacila.
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