Pais de quatro crianças com síndrome de Down foram surpreendidos nesta segunda-feira (23) com uma decisão da Justiça que as impede de continuar frequentando Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) da prefeitura de Curitiba. Os familiares mantinham a matrícula com uma liminar costurada com o apoio de associações de atendimento a crianças com necessidades especiais e o Ministério Público do Paraná (MP-PR), mas a administração municipal recorreu e obteve um novo parecer.
Segundo a decisão, as crianças devem ser matriculadas no ensino fundamental por causa da idade. A Secretaria Municipal de Educação (SME) se baseia na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para defender que as crianças já alcançaram a idade de transferência para o ensino fundamental.
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A filha do fotógrafo Kraw Penas, de 5 anos, foi impedida de passar o dia no CMEI Curitiba, no bairro Rebouças. No encontro desta segunda (23), acompanhado por profissionais da Secretaria Municipal de Educação e do Departamento de Inclusão e Atendimento Educacional Especializado (DIAEE), ele e Marile Ana Bravo, a mãe, foram informados de que a menina não poderia mais frequentar aquele espaço. Para os pais, a escola não teve bom senso: as professoras mandaram um recado na agenda da criança na sexta-feira (20) marcando a reunião desta segunda sem especificar que o tema seria a “exclusão”.
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“Fomos os primeiros a ser avisados. A ordem era para tirar já da escola. Depois da reunião, quando estávamos indo embora com ela, com todas as pastas com as coisas que ficavam na escola, falaram que ela poderia passar o dia lá, mas olha a situação”, reclama Penas. A criança deve ficar ao longo do dia com o pai no trabalho.
A mãe reclama da forma como a prefeitura conduziu a situação. “É um processo muito doloroso para todo mundo. Nós estamos arrasados. Tem criança que usa fralda ainda, como vai para o ensino fundamental? Quem vai cuidar? As crianças ficaram um mês se adaptando aos CMEIs e agora foram retiradas. Não é inclusão, é exclusão. Excluir o filho da aprendizagem, do processo de socialização”, pontua.
Dulce Eli de Castro Guilherme e Claudia Regina Lopes Pereira também são mães de crianças com síndrome de Down e parte do processo, mas ainda não foram avisadas formalmente da decisão. Como são funcionárias do Hospital de Clínicas (HC), os filhos estudam na creche Pipa Encantada, que fica dentro do hospital e é orientada pela administração municipal.
“Vai chegar a minha vez. Só nesse período de adaptação na nova turma ele teve vários episódios de diarreia. Imagina o emocional dele. Imagina o fator emocional agora. Não estão pensando nas crianças, estão fazendo mal para elas. Ninguém mais está dando conta dessa fogueira de vaidades. Só quem tem filho especial sabe da capacidade, do potencial. Quando a gente faz esse apelo não ganha nada com isso. Quero que respeitem o tempo dele”, aponta Dulce.
“Eu estou aguardando. Mas já sem chão. Meu filho tem Down e autismo. A gente não sabe o que vai acontecer. Levei ele de manhã para a escola e não falaram nada. Estou com o coração na mão para pegar ele. Mal consegui trabalhar direito nessa segunda”, completa Claudia.
As famílias já comunicaram o MP-PR e agendaram para o começo da tarde uma reunião com os advogados que cuidam do caso para tentar reverter a decisão no tribunal.
A outra mãe, Rafaela Fiedler da Silva Machado, foi convidada para a reunião da comunicação formal da decisão na semana passada e deve ser informada ainda nesta segunda-feira (23). O filho estuda no CMEI Nice Braga, no bairro Santa Quitéria.
Os pais se preocupam principalmente com a falta de tutela e ajuda no ensino fundamental. “Se a gente não matricular no ensino fundamental, mesmo com o processo correndo, estamos sujeitos a sanções jurídicas. O Conselho Tutelar pode nos procurar. Vamos virar péssimos pais? Consta da decisão a retirada imediata das crianças e a imediata matrícula em outra escola”, questiona Marile Ana Bravo.
Justiça
Os pais entraram com a ação na Justiça em agosto de 2017 e só em março deste ano obtiveram liminar favorável. O pedido é embasado por uma manifestação do Ministério Público. “No caso das crianças acima elencadas, como tantas outras crianças com desenvolvimento atípico, a retenção na educação infantil pode ser benéfica ao seu desenvolvimento, pois os primeiros anos de vida o cérebro está mais maleável permitindo ampliação das sinapses e melhora da plasticidade cerebral”, afirma o parecer do MP-PR no processo, através da 3ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Curitiba. Para o grupo, as atividades desenvolvidas nos CMEIs facilitam a compreensão.
“Verifica-se que a todo momento, no artigo, destaca-se a necessidade de elaborar um plano individual de cada aluno, em atenção ao grau de desenvolvimento, às qualidades e às dificuldades, não sendo possível criar um estereótipo da criança com Síndrome de Down sem se debruçar sobre cada caso específico”, afirmam os promotores e a defesa das crianças. “Por conta do princípio da igualdade, não é possível dar o mesmo tratamento aos quatro autores, sem antes averiguar qual é a condição e qual é o atendimento mais adequado para cada um”.
Já o entendimento da Secretaria Municipal da Educação é de que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) não prevê a retenção e que a definição sobre a necessidade de acompanhamento com profissionais ocorre a partir da “observação individual de cada criança e estudante quanto ao nível de comprometimento e características individuais em relação à locomoção, higiene e alimentação”. “Essa avaliação é compartilhada entre as pedagogas dos núcleos de educação e das equipes diretiva e pedagógica da unidade escolar do educando”, diz a nota da prefeitura.
A rede municipal de ensino de Curitiba tem cerca de 2,3 mil estudantes em inclusão, em turmas de educação infantil e ensino fundamental. Mais de 500 são de alta ou altíssima prioridade, segundo a secretaria. A prefeitura diz que conta com mais de quinhentos profissionais de apoio que auxiliam os educandos em atividades de locomoção, alimentação e higiene.
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