A ousadia dos bandidos nos roubos a caixas eletrônicos e carros fortes tem apavorado a população e preocupado as autoridades de segurança em todo o Brasi, em especial de Curitiba e Região Metropolitana (RMC). Além da dinamite, utilizada para explosões cada vez maiores, vem ganhando cada vez mais terreno o uso de fuzis. Com eles, o crime organizado tem mais sucesso nos roubos e consegue mais dinheiro para se financiar e comprar mais armamento, sem que o poder público consiga responder à altura.
Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores de Segurança Privada (Contrasp), o número de ocorrências com dinamite tem caído no Paraná e no resto do país. Porém, quando ocorrem as explosões, são de grande alcance, assustando moradores e comerciantes. No começo de outubro, um ataque a um banco em Rio Branco do Sul, na Região Metropolitana de Curitiba, deixou um rastro de destruição nas casas vizinhas.
Entre agosto e outubro, foram registradas pelo menos duas ocorrências em postos de gasolina da grande Curitiba – onde o estrago poderia ser pior, por causa da quantidade de combustível nos locais. No primeiro, o posto fica em frente à prefeitura de Campo Magro, na Estrada do Cerne, na RMC. No segundo, a explosão foi em um posto na BR-277, entre os bairros Mossunguê e Orleans, alvo pela segunda vez dos ladrões da dinamite. Também causaram comoção explosões na Rua da Cidadania do Bairro Novo, no começo do ano, e no Terminal Central de São José dos Pinhais, em abril, para citar alguns.
O uso de explosivos para assaltos entrou de tal forma no cotidiano que moradores de Rio Branco do Sul acharam que o terremoto que atingiu a cidade em 18 de setembro não passava de mais uma ação dos criminosos. Mas, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Paraná (Sesp), a tendência é de queda: entre janeiro e setembro de 2017 ocorreram 44 explosões, contra 106 no mesmo período de 2016. Segundo o secretário Wagner Mesquita, isso se deve a um trabalho de inteligência e fiscalização do uso de dinamites, bastante utilizadas em pedreiras na RMC. Com perícia bem-feita, diz ele, é possível rastrear o artefato e autuar o fabricante.
Em julho, uma quadrilha explodiu e roubou um carro-forte na BR-277, em Morretes, litoral do Paraná. A ação durou meia hora e deixou duas pessoas feridas. A rodovia precisou ser totalmente bloqueada. Ao menos oito homens armados em quatro carros abordaram o blindado no km 39 da rodovia. Para obrigar o motorista a parar, eles dispararam vários disparos de fuzil contra o carro-forte.
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Entretanto, o presidente do Sindicato dos Vigilantes de Curitiba e Região, João Soares, avalia que a redução no número de explosões está relacionada a outro fator. “O comércio tirou os caixas eletrônicos, dava muito prejuízo com os roubos. Além disso, em muitos caixas não é mais reabastecido dinheiro à noite. Por isso é que teve essa queda”, afirma.
Um gerente de banco confirmou que está mais difícil para instalar caixas eletrônicos em grandes empresas. “O banco nem quer o cliente na agência, prefere que resolva tudo remotamente. Mas nem sempre as empresas permitem a instalação, por questões de segurança”, disse o gerente, em anonimato. Uma alternativa diz ele, é definir um local para a máquina em andares superiores de prédios corporativos.
De todo modo, houve a redução, e um efeito colateral, confirmado por ambos: o crime migrou com força para os ataques a carros-fortes. Força no sentido literal: para tentar roubar milhões, bandidos passaram a usar fuzis, como o AK-47, típico de zonas de guerra e que tem se proliferado também pelo Rio de Janeiro, como mostraram apreensões recentes na Favela da Rocinha. A dificuldade para rastreá-los é que há diversos fabricantes pelo mundo, então não há número de série ou controle.
Nos dois últimos anos também houve duas ocorrências no Paraná com fuzis calibre ponto 50, arma tão poderosa que pode derrubar helicópteros e que está sendo usada para perfurar a blindagem dos transportes de valores. “Elas ainda não foram apreendidas. Não quer dizer que estejam aqui. Podem estar em São Paulo, ou pelo interior do estado”, lamenta o secretário de segurança.
Segundo a Sesp, não houve nenhuma ocorrência com carros-fortes em 2016 no Paraná, mas em 2017 já foram pelo menos sete – quatro tentativas e três assaltos consumados. Nessa estatística não entra, por exemplo, um crime ocorrido em Ponta Grossa na segunda-feira passada (30). Bandidos invadiram o Shopping Total para roubar um carro-forte que abastecia os caixas eletrônicos, então a ocorrência registrou o estabelecimento como local do crime, não o veículo de transporte.
O vazamento de informações privilegiadas é sempre apontado como facilitador para o crime. João Santos, do sindicato, diz que nenhum vigilante sabe de antemão a rota que irá fazer, tampouco o valor que será transportado. “Ele se apresenta na empresa no dia e recebe a tarefa. E fica incomunicável todo o tempo a partir daí”, explica. Ele ressalta que os criminosos estudam bem os alvos, e, com o armamento pesado que usam, têm muitas chances de conseguir o que querem.
Inteligência
Em maio de 2016, o Ministério da Justiça criou o Comitê Técnico (CT) Guia de Procedimentos para o Enfrentamento a Roubos a Banco, que tinha o objetivo de consolidar um manual sobre métodos de investigação e repressão contra esse tipo de crime. Entretanto, de lá para cá, nenhuma notícia foi divulgada sobre o tema. Questionado sobre o destino do CT desde o dia 27 de outubro, o ministério não encaminhou resposta à reportagem.
Wagner Mesquita afirma que conseguiu reequipar a polícia do Paraná, com mais armas e fuzis para grupos especiais de combate, mas que isso não garante o enfrentamento contra os criminosos. Quando o assalto a caixas eletrônicos ou carros-fortes ocorre em municípios pequenos, por exemplo, é comum que a comunidade faça campanhas para armar mais os soldados da região. “Mas se tem um soldado apenas, o que adianta ele ficar com um fuzil? Não vai conseguir barrar o crime, no máximo se defender. O mais provável é que essa arma venha a ser roubada também”, observa. Para ele, há um limite tênue entre o armamento das forças de segurança e o risco de criar um ambiente de guerra no país. “Se blindarmos os carros-fortes para suportarem a ponto 50, o que virá depois? Os bandidos vão começar a usar bazucas?”, questiona.
Para o secretário, o caminho a ser percorrido é o do planejamento estratégico. “Estruturamos o Diep [Departamento de Inteligência do Estado do Paraná], triplicamos o efetivo. Trouxemos a perícia, porque um crime assim precisa ser periciado, parece básico, mas não era feito. Um crime desses deixa um rastro, uma vestimenta, uma papila. Estamos mapeando as quadrilhas, o Cope [Centro de Operações Policiais Especiais] fazendo operações, o Bope [Batalhão de Operações Especiais] em flagrante”, relata. Outro ponto fundamental é o trabalho conjunto com Ministério Público e Judiciário, diz. “Precisamos quebrar sigilo telefônico, cruzar dados de ligações, convencer o juiz de que esse não é um crime que vai se desvendar com uso de testemunhas”, explica Mesquita.
Um agravante para o Paraná é a fronteira com o Paraguai, rota muito usada pelo crime organizado, para traficar armas, drogas e tudo que precisarem para os negócios. Segundo o secretário, uma das metas de sua gestão é criar um centro de inteligência em Foz do Iguaçu que funcione 24 horas por dia, integrado com outros estados e até países. Nos Estados Unidos, eles receberam o nome de “fusion centers”, e se proliferaram após os ataques de 11 de Setembro, chegando a 70 atualmente. “Nós não temos ainda no Brasil um órgão que monitore os dados 24 horas por dia, confrontado bancos de dados e gerando inteligência”, critica. O município fez, no fim de agosto, a doação de um terreno para receber o centro integrado, que deve ter início em 2018.
O projeto prevê recursos estaduais para a construção do prédio, mas também recursos federais para o aparato tecnológico, que deverá ser replicado em outras unidades da federação futuramente. Essa será uma medida fundamental para combater o crime organizado, diz Mesquita, porque não há como resolver a situação com armamento de igual para igual.
Bancos deixam a desejar
Para policiais, vigilantes e bancários, a atuação das instituições bancárias no combate ao roubo a bancos deixa a desejar. Entre os pontos que poderiam ser melhorados estão a instalação de câmeras de melhor qualidade para identificação de criminosos, uso mais recorrente de esfumaçamento para impedir roubos e mais investimentos, de maneira geral.
Segundo Reinaldo Cavalcante, do Sindicato dos Bancários e representante do Paraná na Comissão Nacional de Segurança da categoria, as instituições deveriam trabalhar com mais integração com as forças de segurança. “Também precisa mais investimento. O que temos visto é que muitas agências do interior que sofreram explosão levam muito tempo para ser arrumadas, ou em alguns casos são fechadas de vez”, diz.
As instituições apontam uma redução nos crimes contra bancos e alegam que isso se deve ao trabalho conjunto e a investimentos realizados. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em 2016 foram aplicados R$ 9 bilhões no aprimoramento da segurança bancária, o triplo do que era gasto dez anos antes, com “cooperação intensa com as autoridades encarregadas da segurança pública”. Os bancos também reconhecem que reduziram o volume de dinheiro disponível nas agências e que “incentivam a população a usar os canais eletrônicos para realizar operações bancárias”.
A Febraban mostra um levantamento próprio, com 17 instituições financeiras mostra que em 2016, foram registrados 339 assaltos e tentativas de assaltos no Brasil, o que seria o menor número de assaltos nos últimos 17 anos. Esse dado, porém, está bem abaixo do levantado pela Contrasp, que aponta que o número de explosões, arrombamentos e tentativas de assalto, somou 2.082 ocorrências em todo o Brasil em 2016.