Conheça a história dos quatro bustos da Biblioteca Pública.| Foto: Fotos: Albari Rosa

No hall de entrada da Biblioteca Pública do Paraná (BPP) há quatro pedestais e sobre cada qual pousa uma cabeça. Os quatro que ficam na estrada da BPP são tão antigos como o próprio edifício.

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Todos estão lá desde a inauguração no dia 19 de dezembro de 1954, festa que contou com a presença do então presidente Café Filho que assumira a república após o suicídio de Getúlio Vargas, em agosto daquele ano.

A BPP foi uma das obras construídas no frenesi da modernização da capital e do estado, por ocasião das comemorações do centenário da emancipação do Paraná.

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Durante este período da gestão do governador Bento Munhoz da Rocha foram erguidos monumentos da arquitetura modernista como Palácio Iguaçu, o Cento Cívico, a Reitoria da Universidade Federal e outros que também faziam parte do pacote.

O prédio projetado pelo engenheiro Romeu Paulo da Costa para a BPP mudou a cara do centro da cidade ao desalojar o Corpo de Bombeiros que se deslocou ao atual endereço na rua Nunes Machado.

Os oficiais foram marchando até a nova sede, momento registrado em fotos expostas no novo museu do corpo de bombeiros.

A contribuição do projeto da BPP também mudou a experiência dos usuários de bibliotecas de todo país.

Antes da década de 1950, o acervo das bibliotecas ficava, em regra, isolado dos leitores por um balcão. Somente os funcionários tinham acesso e buscavam a obra solicitada pelos visitantes.

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O projeto de Romeu da Costa criou corredores  em que os leitores circulam até escolher o livro por conta própria. A ideia influenciou bibliotecas de todo o país.

O contexto histórico é importante para, finalmente, entender de quem são os bustos que dormem há 65 anos sobre o piso quadriculado do térreo da BPP.

Cada cabeça foi um presente dado ao Paraná por entidades representantes de quatro das comunidades étnicas que formaram a população do estado: japoneses, italianos, portugueses e alemães.

Outros grupos importantes como os libaneses ou os eslavos (poloneses e ucranianos) não se organizaram a tempo ou não foram convidados para a festa.

Como se fosse uma Copa do Mundo de soft power, cada país mandou esculpida a cabeça de uma personalidade que representasse o tipo de imagem e influência que gostaria associada ao nome do país.

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As cabeças

Começando da esquerda para a direta, quase na porta do banheiro público mais concorrido do centro, o busto em bronze é o do médico japonês Hideo Noguchi.

Chama a atenção o topete pronunciado que lembra o do astro pioneiro do rock Jerry Lee Lewis.

O médico Hideo Noguchi e seu topete.| Foto: Gazeta do Povo

Noguchi é um herói da ciência japonesa. Uma figura muito positiva do Japão abalado pelo pós-guerra e o horror nuclear.

Foi talvez o maior infectologista da história e se dedicou a tratar da hidrofobia, da varíola, da paralisia infantil e da espiroqueta de treponema.

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Viajou para a África para tratar a febre amarela, moléstia que acabou por matá-lo, em Accra, capital de Gana em 1928. Seu rosto ilustra a nota de 1000 ienes.

| Foto: www.LeftoverCurrency.com

Cinco metros do seu lado direito está o busto do escritor Dante Alighieri, o poeta e político florentino do renascimento que criou as bases da língua e da cultura italiana que o sucedeu.

Sua estátua é esculpida em carrara, ou seja, foi cinzelada no nobre mármore da região italiana de Carrara pelas mãos de um artista italiano não identificado e nos foi dada pela Câmara de Comércio local.

O busto se apoia nos três volumes de livros - o Céu, o Purgatório e o Inferno - da Divina Comédia.

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Dante Alighieri em mármore de Carrara. | Foto: Gazeta do Povo

Nele, Dante está usando cappuccio, um gorro vermelho trançado com abas nas orelhas e uma coroa de louros, símbolo da expertise em artes poéticas até hoje usando nas cerimônias de premiação de poetas ganhadores do prêmio Nobel.

Todas as imagens do grande escritor pintadas em quadros de mestres como Boticelli mostram o autor da “Divina Comédia” decorado com um aquilino e pronunciado nariz de bruxa de desenho de animado.

O busto da BPP segue este padrão, talvez por ter sido feito antes que pesquisadores da Universidade de Bolonha reconstruíram o rosto do mais célebre italiano a partir do seu crânio.

O resultado revelou um rosto menos caricato do que aquele com o qual era retratado – mas confirmou o nariz grande e pontudo.

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A direita de Dantes está Luiz de Camões, o poeta nacional português autor do poema épico “Os Lusíadas” que narra a epopeia dos navegantes lusos pelos mares nunca dantes navegados durante a era dos descobrimentos.

Camões: o poeta caolho e sua gola rufo. | Foto: Gazeta do Povo

Os dois escritores mais importantes das línguas latinas estão separados por três colunas e por um piano Essenfelder, usado em algumas apresentações e onde se lê um aviso para “Não tocar”.

Camões que era caolho, perdeu seu olho direito em um batalha contra o exército de mouros em Ceuta. No busto ele está vestido com uma gorjeira também chamada de gola rufo, aquele circulo de babados engomados que era a última moda no século XVI, quando o poeta viveu e escreveu.

A escolha de Dante e Camões como representantes das comunidades italiana e portuguesa na grande casa de livros é fácil de entender.

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Se usada a mesma lógica era de se esperar que a comunidade alemã escolhesse a imagem de Goethe para representá-la , mas não foi o que aconteceu.

Os germânicos, contudo, escolheram o poeta Ernesto Niemeyer. A intrigante decisão me trouxe a questão: “Mas quem será o Niemeyer da Biblioteca Pública?” que, aliás, quase foi o título desta reportagem em forma de crônica.

O poeta teuto brasileiro Ernesto Niemeyer.| Foto: Gazeta do Povo

Lendo a placa de bronze abaixo de sua cabeça calva descobrimos que o longevo poeta nasceu em Joinville em 1863 e faleceu nesta capital em 1950.

Segundo o texto assinado pelo Grupo Étnico Germânico do Paraná, Niemeyer mereceu a homenagem porque “exaltou em língua portuguesa e alemã a beleza da terra brasileira”.

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Estudiosos de sua obra identificam uma literatura produzida por alguém atento à realidade da imigração alemã e defensor de uma cultura híbrida teuto-brasileira que prosperou até 1939, quando o Estado Novo proibiu as publicações em idioma estrangeiro durante a "campanha de nacionalização".

Infelizmente não há um volume de seus poemas entre os mais de 700 mil livros da BPP. Assim me socorri da internet para achar seus versos em alemão que defendem o germanismo:

"Wir reden deutsch mit unser Gott

Und deutsch mit unsern Kindern,

Und lassen uns durch Hohn un Spott

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Nicht unser Deutschtum mindern.

Ou em tradução livre:

Falamos alemão com nosso deus

E alemão com nossos filhos,

E deixe-nos por desprezo e ridículo

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Não diminua nossa germanidade.