Durante sua infância e juventude, entre as décadas de 1940 e 50, João Urban viveu numa região de Curitiba que era chamada de “Campo da Galícia”. O apelido do local onde hoje é o bairro Mercês fazia referência à região do antigo Império Austro-Húngaro, que depois foi dividida entre Polônia e Ucrânia. A denominação foi dada justamente pela grande quantidade de imigrantes poloneses e ucranianos, mas por lá conviviam também japoneses, chineses, russos e sírios. E todos numa convivência harmoniosa, em contraponto ao clima bélico decorrente das duas grandes guerras recém-decorridas.
Anos mais tarde, João Urban – um descendente de poloneses, ou melhor, de polacos, como ele gosta de enfatizar – se tornou fotógrafo e consolidou uma carreira reconhecida nacional e internacionalmente. Entre seus trabalhos mais importantes, estão registros feitos ao longo de quatro décadas em colônias de imigração polonesa e ucraniana no Paraná, que resultaram em um livro e uma série de exposições. A mais recente delas estreou na última quinta-feira (22) no Museu Paranaense, reunindo 84 fotografias feitas por Urban entre os anos de 1979 e 2016.
Aproximações – ucranianos e poloneses nas fronteiras agrícolas do Paraná é o título da exposição que evoca as raízes de Urban – não somente a história de seus descendentes no continente europeu, mas também a convivência amistosa das diferentes etnias na Curitiba de sua juventude. “Durante muito tempo ucranianos e poloneses foram instigados por uma rivalidade bélica, principalmente por causa da história do Império Austro-Húngaro. Eu procurei fazer um paralelo entre esses dois povos, que, na realidade, são irmãos”, explica o fotógrafo.
Tudo começou em meados de 1979, quando Curitiba se preparava para receber o papa João Paulo II, que esteve na cidade em junho de 1980. Para homenagear o papa polonês, Urban foi convidado pelo extinto Badep (Banco de Desenvolvimento do Estado do Paraná) a fazer uma série de fotos nas colônias de imigrantes existentes próximo à capital. Ele percorreu as colônias Murici (São José dos Pinhais), Dom Pedro (Campo Largo) e Tomás Coelho (Araucária), registrando o cotidiano de famílias que deixaram a Polônia em busca de uma nova vida em solo brasileiro.
Urban se encantou com o tema e resolveu dar continuidade ao trabalho. Além de retornar às colônias da Região Metropolitana de Curitiba, estendeu sua pesquisa à Colônia Santana, no município de Cruz Machado, no Sul do estado. Esse trabalho fez com que, no início da década de 2000, o Consulado da Polônia convidasse o fotógrafo para uma temporada no país. “O Sul da Polônia tem construções arquitetônicas que se assemelham às das colônias no Paraná. Também havia uma semelhança fundiária, com grupos de agricultores cultivando em pequenas áreas”, diz Urban.
O resultado dessa incursão de um mês à Polônia foi o livro Tu i Tam: Memórias da Imigração Polonesa, lançado em 2004 e cujo título, na língua polonesa, significa “aqui e lá”. Uma referência às duas realidades registradas na obra, dos poloneses em sua terra natal e dos imigrantes no Paraná. Antes que o livro fosse lançado, Urban retornou às colônias paranaenses e fotografou alguns personagens que haviam sido retratados na primeira incursão, em 1979 e 80. “Vinte anos depois, encontrei jovens que havia fotografado quando eram crianças”, relembra.
Sangue ucraniano
Em 2012, uma descoberta genealógica deu um novo direcionamento ao trabalho. Antônio Urban, irmão de João, constatou por meio de uma pesquisa familiar que eles também tinham sangue ucraniano. Isso porque a avó paterna era descendente do casamento entre um polonês e uma ucraniana. “Fiz então um projeto para fotografar também as colônias ucranianas e traçar um paralelo entre esses povos irmãos”, conta o fotógrafo, que então foi às cidades de Irati, Mallet, Prudentópolis e Antônio Olinto, na região Centro-Sul do Paraná, para fazer as novas imagens.
Daí nasceu a mostra Aproximações, que foi apresentada primeiramente nas cidades de Irati, Mallet, Prudentópolis e Antônio Olinto. No final de 2016, ela ocorreu simultaneamente nos três países envolvidos: Brasil (na Colônia Murici, em São José dos Pinhais), Polônia (na cidade de Poznan) e Ucrânia (em Lviv). O nome da exposição, segundo Urban, foi inspirado em uma revista que publicava textos justamente com a proposta de combater a rivalidade entre poloneses e ucranianos.
Contador de histórias
Aos 76 anos de idade, João Urban completa em 2019 60 anos de fotografia. Ele iniciou seu trabalho profissional na década de 1960, dividindo sua atuação entre a fotografia publicitária e a fotografia documental de caráter autoral, centrada nas atividades agrícolas do Paraná. Foi um dos primeiros fotógrafos contemporâneos brasileiros a obter reconhecimento no exterior e publicou sete livros. “Eu me considero um contador de histórias”, afirma.
“Procurei fazer um registro sem pretensões antropológicas desses imigrantes, que vieram para o país e tiveram muitas dificuldades para se estabelecer”, diz Urban, que fez questão de entregar a todos os fotografados um exemplar do seu livro. Mas nem todos ficaram satisfeitos. “Durante um evento do qual participei em São Paulo, os poloneses mais ricos ficaram indignados, dizendo que as fotos só mostravam pobreza. Mas, na verdade, o que retratei são pessoas que vivem bem, porém, trabalham duro.”
Nos últimos seis anos Urban morou em Recife, Pernambuco, onde se dedicou a documentar os rituais do candomblé e do maracatu, manifestação típica do estado. O farto material fotográfico ainda está sendo editado e organizado para uma possível publicação. A princípio no Instagram. “Temos de nos adaptar aos novos tempos”, diz, sem descartar uma exposição futura.
SERVIÇO
Exposição Aproximações, de João Urban
Onde: Museu Paranaense (Rua Kellers, 289, São Francisco)
Quando: até 1º de dezembro
Horário: de terça a sexta-feira das 9h às 17h30; sábados, domingos e feriados das 10h às 16h.
Ingressos: entrada gratuita