Na sala em que trabalha, no Museu Guido Viaro, o escritor paranaense, neto do pintor ítalo-brasileiro Guido Viaro - de quem herdou o nome - fala sobre o “O Princípio da Incerteza”, seu 15º romance e, também, um dos mais importantes enunciados da física quântica. Criado pelo físico Werner Heisenberg, em 1927, este princípio diz que, à medida que determinamos a localização de um elétron no espaço, perdemos a capacidade de encontrá-lo no tempo. Desta forma, é impossível determinar a localização exata de um elétron simultaneamente no tempo e no espaço.
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Será que por existir essa instabilidade na raiz mais profunda da matéria isso tudo não se espalha por todo o resto da realidade, inclusive pelas nossas vidas? Será que a nossa vida incompleta não é apenas uma consequência de como funcionam as coisas, provocando um efeito cascata? Será que esse não é um dos fatores que contribui para que nem sempre a gente alcance os nossos objetivos? Essas são as perguntas feitas por Guido Viaro, a partir do princípio da incerteza, e que norteiam a vida de Félix Aéras, personagem central do livro, cujas histórias e a própria vida são instáveis.
“As coisas são incertas no mundo quântico. Não sou físico, sou só um romancista que gosta deste assunto e utilizou isso de forma literária, nada científica”, avisa o autor. O viés filosófico e existencial presente neste romance, no entanto, é uma constante na obra de Viaro, cujos temas transitam entre exames de consciência e personagens que buscam explicações dentro de si.
O personagem principal, Félix Aéras, é um professor de filosofia da Sorbonne - a mais tradicional universidade francesa. À beira de se aposentar, ele constata que pouco construiu em sua vida e então resolve correr atrás do prejuízo: começa a escritura simultânea de dois romances, com o objetivo de realizar o sonho de escrever ficção. O personagem, através da escrita, compõe a sua vida dentro desse regime da incerteza. E busca desesperadamente conseguir dizer algo através da literatura, chegar ao fim de um caminho, fechar um ciclo. Além disso tudo, Félix também encontra uma obra literária inacabada, deixada por um amigo, sobre o compositor clássico alemão Robert Schumann e decide, então, reescrevê-la. São três livros dentro de um único romance - a literatura e o universo literário estruturam todo o romance.
Depois de um bloqueio criativo de mais de dois anos vivido pelo autor da obra, “O Princípio da Incerteza” traz muitas perguntas e poucas respostas. “A gente precisa aceitar não ter respostas. Precisamos deixar de ver a dúvida como algo negativo. Eu aprendi isso: nos primeiros livros, eu colocava respostas. Mas a gente acaba se tornando dogmático”, afirma. Quanto aos dogmas, não há problema nenhum em ter ou em não ter religião, diz o autor, com a ressalva de que precisamos formular as nossas próprias perguntas e respostas possíveis.
Um trecho do novo livro diz: “Se perdemos nossos corpos deixamos de existir, se não existimos como poderemos produzir algo? É claro, os religiosos falarão de vida eterna, mas até hoje o lado de lá nunca nos enviou nenhuma grande fórmula matemática ou uma bela estátua de mármore. A questão é mais complexa do que parece e as religiões simplificaram tudo”. Não há respostas certas e, tampouco, simples. Para o autor, é importante sobretudo que as perguntas sejam respondidas a partir de nós mesmos, sem envolver sociedade ou religião. Mesmo que seja provisório. “Tudo é provisório aqui”, acredita.
O gosto pela literatura, que existe desde sempre, é visível. Em sua sala, cercado por obras literárias de todos os estilos, das clássicas às modernas, além de muitos DVDs, Guido faz as suas perguntas de forma clara e certa. Há certezas nas incertezas do escritor. A certeza de que tudo é efêmero. Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? “Quando a gente tenta responder a essas três perguntas há um crescimento. É um escudo de proteção às coisas prontas. E mais importante do que as respostas, são as perguntas”, insiste
Efemeridade e eternidade caminham juntas no livro e nos questionamentos de Viaro - o acadêmico mais novo da Academia Paranaense de Letras (APL). Em outro trecho do livro, fala sobre a passagem do tempo e das pessoas: “Em dois mil anos haverá alguém aqui, refletindo sobre mim e meu completo anonimato, emprestando-me nome e profissão, apenas para que o nada possa ser capturado com as mãos para ser colocado dentro de um copo vazio”. Aos 51 anos, o autor julga importante refletir sobre a eternidade. “Havia um imenso tempo antes de a gente nascer. Vai haver um imenso tempo depois que morrermos. A gente nasceu e vai morrer e no meio disso a gente tem uma vida curta, cheia de dores, de dúvidas e algumas felicidades”, diz.
Para além da física, a conversa flui também para a genética. Não aquela que determina as características do nosso corpo, nossa aparência, como olhos azuis ou castanhos. Mas, sim, a que nos dá heranças comportamentais e características, muitas vezes, emocionais. Guido Viaro - o avô - foi um dos mais importantes pintores do país e é considerado um renovador da pintura moderna no Paraná. O neto não herdou o dom da pintura - apesar de contar que até enxergava os traços do avô nos seus desenhos de criança - mas, sem dúvida, traz a veia artística de quem o antecedeu. “Eu não tenho nenhum talento para as artes plásticas. Mas, desde muito pequeno, eu sentia que precisava ter uma expressão artística. Levei muito tempo para descobrir qual era. Soube cedo que não era a pintura, depois passei pelo cinema e fiz quatro filmes”, conta. A arte coletiva como o cinema, no entanto, não era exatamente a busca do artista. “Escrevi meu primeiro livro há 20 anos e, desde então, esse é o meu caminho. Na literatura, que é uma arte individual, os méritos - e deméritos também - são todos meus”, garante.
A herança do nome e sobrenome famosos, algum dia, já foi um peso. Hoje não mais. “Ele teve o tempo dele, agora é o meu”, afirma. O neto é quem dirige o museu em homenagem ao avô - fundado 100% com recursos da família e que completa 10 anos em novembro. O local abriga as obras do pintor e, também, de outros artistas. Além de ter uma sala especial totalmente dedicada à obra e ao escritor Dalton Trevisan.
Em meio às letras e à arte, Guido é escritor num mundo cada vez mais digital. E, apesar das facilidades da tecnologia, Viaro acredita que a literatura tem papel fundamental nos questionamentos e na liberdade. “A leitura é uma abertura, traz múltiplas possibilidades, e é é um remédio contra essa tendência que o digital tem de controlar a vida das pessoas”, diz. O autor acredita que há, na tecnologia, uma possibilidade imensa de descobertas. Mas, também, “há a possibilidade de criarmos um bando de alienados, que a utilizam como um fim, não como um meio”.
Com as inovações tecnológicas, aliás, o escritor prevê que o livro do futuro talvez seja diferente dos livros atuais. “Mas isso não é importante, o papel não importa. O que é importante é se há algo a ser dito”, sentencia. Com um novo livro já praticamente pronto, esperando para ser publicado, e outro recém iniciado, Guido Viaro sem dúvida ainda tem muito a dizer - e sobretudo muitas perguntas a fazer.
SERVIÇO
“O Princípio da Incerteza” - Editora Insight
R$ 28,90, no site da editora.
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