Mesmo a cinefilia mais engajada vai relacionar o cinema russo aos pioneiros soviéticos, como Dziga Vertov e Sergei Eisenstein, ou aos grandes existencialistas modernos, como Andrei Tarkovski, Kira Muratova e Alexandr Sokurov – entre, claro, outras centenas de nomes possíveis. O que é uma injustiça para com todo o universo de produção audiovisual do país. Para quem quer, ao menos em parte, corrigir esta falha na formação a Caixa Cultural de Curitiba apresenta a Mostra de Animação Russa, que vai acontecer entre os dias 4 e 10 de setembro. Com curadoria de Maria Vragova e Luiz Gustavo Carvalho, serão exibidas 47 animações realizados por 20 diretores e lançados entre 1950 e 2018. Os ingressos custam R$ 6 e R$ 3, inteira e meia respectivamente e a programação completa está no site da Caixa Cultural.
Vragova, em entrevista por telefone, disse que a ideia da mostra nasceu de uma vontade e de uma necessidade. “A vontade é mais pessoal, porque sou russa, e convivi com a animação russa, como toda criança russa que já conhece todos estes desenhos que serão exibidos na mostra. Mas por outro lado, ficando mais adulta, entendi, pela minha experiência, que na verdade a animação russa é um grande legado cultural para o mundo, por que é uma das mais bonitas e interessantes no âmbito mundial, com grandes nomes, que são considerados os melhores animadores do mundo”. Segundo a curadora, a Europa ainda conhece alguma coisa destes filmes, mas não o Brasil: “quando se fala da Rússia, especialmente da antiga União Soviética, todo mundo imagina um país bélico, fechado, com a Cortina de Ferro, mas sem imaginar que um país desses produziu animações deste nível, e tão humanas e tão alegres, e super diferentes do que as pessoas possam imaginar.”
Apesar de pouco conhecida, a história do cinema de animação russo é tão rica quanto a do cinema convencional, refletindo as mudanças do país ao longo dos anos. “Os anos 40 e 50 são muito influenciados pela Disney. Inclusive Stalin enviou uma delegação inteira para os EUA para conhecer os Estúdios Disney e criaram muitos filmes baseados nessa estética, que são lindos, maravilhosos, não posso dizer que não são bons. Mas eram muito influenciados pela estética norte americana. Inclusive vamos exibir alguns exemplos, como A Flor Vermelha [(1952), dirigido por Alenkiy tcvetochek], baseado no conto A Bela e a Fera. Nos anos 60 apareceu uma pessoa, Fiodor Khitruk, que revolucionou completamente a animação russa e trouxe coisas super autorais que são importantes até hoje em dia”, revela Vragova.
A mostra é montada em torno desta ideia de autoralidade, em que o diretor, através do gesto criador, produz uma obra. Eventualmente de forma literal, como no caso das animações de Alexander Petrov, que pintava placas de vidros com os dedos e os fotografava, gerando um efeito onírico único. Vragova comenta que dentre os selecionados “a maioria dos filmes é a assim chamada Coleção Dourada da animação russa, do estúdio Sojusmultfilm, que era o maior estúdio de animação da União Soviética. Mas também pegamos um pouco da animação pós-Soviética, da Rússia contemporânea”.
Vragova justifica o destaque aos filmes do Sojusmultfilm pelo apoio histórico dado a animadores. O estúdio viabilizava “todas as tentativas e distribuía animação pelo país inteiro, os autores tinham todas as condições possíveis para criar dentro do estúdio e podiam ficar dia e noite criando estes personagens e trilhas. E era um estúdio governamental, sem necessidade de lucro”. Era, afinal, a União Soviética. “Hoje o estúdio existe, mas não é o que era antes. O Cinema de animação ficou comercial. Virou um produto. O cinema de autor infelizmente fica mais nos festivais e em alguns canais de TV específicos. O governo não incentiva mais a animação de autor, como o cinema não incentiva mais o cinema de autor, porque ele pode falar algo que o governo não vai querer ouvir.”
Destaques
Como a mostra terá diversas sessões ao longo de uma semana, a dica é mergulhar na programação sem preconceitos. Os filmes vão apresentar diferentes técnicas de animação e formas de pensar a narrativa, indo do mais anedótico ao mais existencial. Ou, como Vragova diz, “a animação russa é feita para divertir e sair com pensamento na cabeça. Não são só para crianças”. Boa parte do apelo, porém, está no deleite visual. “Uma coisa importante sobre a animação russa, da animação soviética, é justamente as técnicas. Na animação comercial todo mundo trabalha com computador. Já na Soviética e Russa era muito manual usando várias técnicas, stop motion, bonequinho, desenho, ilustração. Isso é incrível por exemplo no cinema Yuri Norstein, que é o autor de O Conto dos Contos (1979) ou O Ouriço e o Nevoeiro (1975), ele usa várias técnicas no mesmo filme”, completa a curadora.
Os dois trabalhos de Norstein, citados por Vragova, são grandes destaques da programação. O Conto dos Contos, inclusive, é considerado por alguns especialistas como uma das maiores animações de todos os tempos, por isso a oportunidade de vê-lo em tela grande é única. Mas seus filmes estão em boa companhia, já que outro destaque são as cinco obras de Svetlana Filippova, aluna de Norstein, que serão exibidas na mostra em Curitiba. Um deles, Os Amor de Mítia (2018), fará sua estreia na América Latina com a presença da diretora. “A Svetlana trabalhava com técnicas de carvão e técnicas de café, e ela usa os dedos para desenhar os personagens”, diz Vragova, ressaltando a variedade de técnicas usadas pelos criadores russos.
Outro realizador importante é o já citado Petrov, com sua técnica inusitada de dedos sobre os vidros. Ele terá uma sessão dedicada unicamente aos seus filmes, com destaque para a ousada adaptação de O Velho e o Mar (1999), partindo do clássico escrito por Ernest Hemingway, e Meu Amor (2006), baseado no conto de mesmo nome de Ivan Shmelyov. Igualmente belos, também serão exibidos A Sereia (1996) e A Vaca (1989). Todos eles são belas reflexões sobre a passagem do tempo e o que significa experimentar o amor e o sofrimento. O primeiro rendeu ao animador russo o Oscar de Melhor Curta Metragem de Animação em 2000, enquanto todos os outros foram indicados, mas sem levar o careca dourado para casa.
SERVIÇO
Onde: Caixa Cultural de Curitiba (Rua Conselheiro Laurindo, 280, Centro).
Quando: de 4 a 10 de setembro
Ingressos: R$ 3 (meia-entrada); R$ 6 inteira.
Programação: Caixa Cultural.
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