Há muitas maneiras de se perceber que o tempo passou. Olhar no espelho é a mais óbvia. Dores nas articulações também são sintomas.
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É perturbador quando você nota que os jogadores – e depois, o técnico - do seu time de futebol são mais novos que você. Há essa mais barulhenta: você percebe que o som que fazia sua cabeça na adolescência virou “clássico”.
O show duplo das duas marcas do punk californiano Bad Religion e Offspring na noite de segunda-feira (28) na Live Curitiba teve este ar de adolescência tardia.
As duas bandas estouraram entre o final dos anos 1980 e começo da década de 1990. Eram destaque de uma onda de bandas que, de certa forma, renovava o punk clássico e todas essas coisas que pareciam tão importantes naquele tempo.
E que ainda são, a julgar pelas cerca de 5 mil pessoas que lotaram a casa noturna em plena segunda-feira. Ingressos esgotados há dias.
Vamos ao que interessa: o Bad Religion entrou no palco por volta de 21h10 tocando 21h Century (Digital Boy), de fato uma grande música.
Me toquei que já tinha visto o show dos caras umas quatro vezes, a maior parte delas no século 20. Com amigos que já morreram. Em lugares que não existem mais. Com mulheres que hoje não querem me ver nem pintado de ouro.
Mas os caras continuam desempenhando sua música cuja força maior está no texto. O vocalista e letrista Greg Graffin (um dos ídolos aqui da casa) destoa em tudo do resto dos quatro caras.
Como aquele amigo que arrumou um bom emprego público enquanto os demais seguem sendo um bando de malucos. E de fato, ele é um renomado professor de geologia.
O “Bedão”, como chamam os fãs aqui em Curitiba, tem um catálogo de quase 40 anos de grandes músicas.
Em pouco mais de uma hora eles mostraram como é que faz tocando boa parte dele como Sorrow, Stranger Than Fiction, Skycraper e outras porradas até o final com American Jesus.
Público diferente
Voltando a comparar com o passado, pelo menos aquele que minha memória idealiza, era de fato um público diferente dos primeiros shows do Bad Religion que vi.
Nos primeiros ( há uns duzentos anos) a massa era composta em grande parte pelo que aqui chamamos pelo termo técnico e carinhoso de “malária”. Os shows eram verdadeiros pandemônios.
“Gourmetizaram o Bad Religion”, um amigo das antigas me disse.
Não sei se é para tanto. Eu acho que todo muda em 20 anos e a cada um dá um jeito de se inserir como pode.
A banda, que não tem nada com isso, fez sua parte. A galera do gargarejo também, diga-se. A malária, porém, está claramente fora do mercado por conta dos preços.
Hoje um show de punk rock está mais para hambúrguer alto de food truck do que para o dogão monstro que matou o guarda.
Por que você não arruma um emprego?
Vi o primeiro show do bar no canto direito do palco, sempre o melhor lugar na Live (e de todas as muitas casas que funcionaram naquele imóvel).
No segundo, migrei para a outra ponta para respirar um pouco melhor. Outro sintoma da minha velhice. Sempre fui mais Bad Religion que Offspring, mas pelo jeito estava na minoria. O povo queria mesmo era ver os caras.
Quando o show começa você se toca por que. A banda sabe unir como pouco a catarse da música de hooligan com certa pegada pop em refrões e pontes. Não por acaso, foi a maior banda da hoje remota era dos downloads. E tem muitas músicas legais
Fiquei pensando na ironia de um dos momentos auge de show para maiores de 18 anos seja o petardo Come Out And Play, uma exaltação para liberdade de delinquir daqueles que ainda são “di menor”.
O show Offspring é uma porrada atrás da outra de uma banda que descansa quebrando pedras: entre um hit e outro covers de arrasa quarteirões como Whole Lotta Rosie do AC/DC e Blitzkrieg Bop dos Ramones.
Bolas coloridas na plateia durante Why Don't You Get a Job?, uma pergunta que me foi feita muitas vezes nos anos anteriores e posteriores do lançamento dessa divertida – e meio sexista - canção.
Os caras enfileiraram hits no set final: Pretty Fly (For a White Guy), The Kids Aren’t Alright, You’re Gonna Go Far, Kid e Self Esteem.
Êxtase na sauna a vapor de cerveja da Live e enfim, a multidão virou malária. Todo muda.
Na saída do show, encontrei o Maurício Singer, da banda No Milk Today e DJ da Milano, nova balada sênior da cidade que está bombando em Curitiba.
Ele me esclareceu que este foi o nono show do Bad Religion em Curitiba (ele viu todos). “Uma segunda-feira de punk rock não é nada mal”, me disse.
Não é mesmo, concordo. Talvez seja uma das maneiras mais elegantes de envelhecer. As vezes, a coisa mais fácil a se fazer é dizer f#*”#.
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