A lei que proíbe o uso de animais para a tração de veículos em Curitiba está em vigor há dois anos e, mesmo assim, ainda é possível encontrar cavalos empurrando carroças em algumas ruas da cidade. Sancionada em outubro de 2015 pelo então prefeito Gustavo Fruet (PDT), a norma esbarra em questões bastante práticas, seja na dificuldade de fiscalizar ou na hora de acabar com a dependência que muitos trabalhadores têm desses animais.
É o caso do catador João Bento de Barros, que utiliza a égua Cigana para puxar um carrinho com cerca de 200 quilos de material reciclável todos os dias. Segundo ele, o animal é usado para ajudar no sustento da família. Aos 64 anos, ele defende que não há outra solução do que contar com a força da égua. “O problema é que quando a barriga ronca e a perna dói, não tem o que fazer”, justifica. “Desde o começo do mundo, esse bicho é usado pra trabalhar e agora tem mais valor do que a gente”.
De acordo com a presidente da Sociedade Protetora dos Animais de Curitiba (SPAC), Soraya Simon, os animais também têm direitos, principalmente no que diz respeito à alimentação e cuidados. “Eles têm as necessidades deles e basta observar pra perceber que isso não é respeitado nesse tipo de situação”, aponta. “E o pior: geralmente são animais que já apresentam problemas de saúde e que sofrem ainda mais quando acabam obrigados a trabalhar”.
Por dia, Barros e Cigana percorrem entre seis e oito quilômetros nas ruas de Curitiba para, no fim do mês, tirar entre R$ 500 e R$ 600. Ele diz conhecer a lei que proíbe o uso de animais para tração de veículos, mas continua porque “um vereador me disse que isso tá meio parado, que dá pra trabalhar”. Contudo, ele não diz quem foi o vereador em questão. “Vocês acham que eu queria isso aqui pra mim? Só que eu não tenho opção. Ninguém dá nada de graça”.
Fiscalização
A chamada “Lei das Carroças”, porém, está em vigor e determina que os animais flagrados fazendo o transporte de cargas sejam retidos e que o órgão municipal competente seja acionado para recolher o bicho. O uso de força policial, caso necessário, também está previsto na norma. É vedada ainda a permanência deles, soltos ou atados por cordas ou outros meios, em vias ou logradouros públicos.
A fiscalização é tarefa da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, por meio da Rede de Defesa e Proteção Animal, com apoio de equipes da Secretaria Municipal de Saúde, Guarda Municipal e da Secretaria Municipal de Trânsito. Nos casos confirmados, o bicho deve ser apreendido encaminhado ao Centro de Controle de Zoonoses e Vetores, ao passo que o proprietário e/ou condutor estão sujeitos à punição por maus-tratos.
O problema, porém, é fiscalizar toda a cidade. Com exceção dos episódios em que o poder público dá de cara com o problema, é praticamente impossível monitorar todas as vias da capital. “Não tem como mesmo. É mais fácil quando alguém descobre onde o animal vive, onde ele fica amarrado, e denuncia. As pessoas veem”, admite a presidente da SPAC. “Houve um caso, por exemplo, de um rapaz que seguiu o cavalo e o dono de longe, viu para onde eles foram e avisou as autoridades. Isso é difícil, claro, nem todo mundo pode, mas nos bairros sempre tem alguém que sabe do que acontece e pode ajudar”, completa.
A prefeitura esclarece que, por serem móveis, os carrinhos ou carroças são de difícil localização. Por isso, quanto mais o denunciante conseguir descobrir a respeito do proprietário ou tutor do animal, melhor. As denúncias podem ser feitas pela Central 156.
De acordo com o deputado estadual Raska Rodrigues (PV), uma proposta de lei está em fase de elaboração pelo governo do Estado e deve ser encaminhada à Assembleia Legislativa em breve. “Se isso acontecer, vai ficar mais difícil driblar a fiscalização porque, hoje, além da crise que vem empurrando muita gente para a informalidade, há ainda as pessoas que vêm de cidades da Região Metropolitana de Curitiba (RMC), onde o uso de tração animal não é proibido, para fazer coleta na capital”.
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