“Eu sempre gostei de brincar de carrinho. Mas agora que sou adulto, pega mal né”, conta o militar da Aeronáutica (quase aposentado) Hilarino Calixto Neto, 56 anos, explicando porque possui uma coleção de Fiat 147 (e derivados). Ele tem nove exemplares na garagem, coleção que iniciou em 2005, quando o primeiro carro da coleção serviu de terapia, durante o tratamento de um linfoma. Brincalhão e dono de um ótimo humor, ele diz que já tem mais vidas do que um gato, pois a cada 147 que compra, a esposa quer separar.
Quando fala da “coleção de carrinhos”, Calixto diz que os 147 parecem brinquedo, de tão “pequeninos” que são. E sua paixão pelo carro começou em 1976, ano em que o 147 foi lançado e seus tios apareceram em sua casa com um exemplar zero quilômetro. “Eu tinha 13 anos. Meus tios eram médicos e vieram de Ribeirão Preto pra cá com o carrinho. Parecia ágil, achei interessante”, disse Calixto, que anos mais tarde acabou comprando o carro dos tios.
Já adulto e casado, em 1995, o militar comprou uma casa em São José dos Pinhais e deu tudo o que tinha de entrada no imóvel, inclusive o carro da família. Aquele Fiat 147 que tinha pertencido aos seus tios estava nas mãos de seu primo, que queria se desfazer “da encrenca” e ofereceu o carro para Calixto, parcelado em 10 vezes. “Eu não tinha nem uma bicicleta pra andar. Então decidi andar de 147”, ri o militar. E ele ficou com o carrinho por seis anos, foi muito usado pela esposa para levar os filhos na escola, até vendê-lo em 2001, por considerar que o carro “estava um lixo”.
Mas a vida dá voltas e, passados três meses, Calixto sentia que tinha algo faltando em sua vida. E seu deu conta que era o “abençoado” 147 (como ele mesmo disse). “Como eu não tinha dinheiro, eu mesmo consertava. E aquilo me dava satisfação, de ver que o carro tinha algum problema e eu mesmo tinha arrumado. Aí eu melhorei de situação e comprei um Palio zero quilômetro, que não tinha um parafuso sequer pra apertar”, diz ele. Foi então que ele chorou para a esposa, para comprar outro 147. “Eu disse pra ela: Amor, você não entende que eu preciso desse carrinho. Estou sofrendo”, conta o bem humorado Calixto.
Linfoma
Em 2005, finalmente o militar comprou outro 147. E logo em seguida, ele descobriu o linfoma. “Minha mulher reclama que quando eu venho aqui na garagem, eu esqueço da vida. Mas é a minha terapia”, diz ele, que quando descobriu a doença, foi orientado pela médica a procurar um psicoterapeuta, para que a terapia o ajudasse a passar pela fase de tratamento. Calixto conta que foi a uma psicoterapeuta que o deixou 40 minutos na sala de espera aguardando.
Nervoso por causa da doença, ele deu uma bronca na psicóloga quando ela finalmente o chamou para atendimento. “Eu disse a ela: você nunca mais faça isso com um paciente com câncer. Cada minuto da minha vida conta. Não preciso da sua ajuda”, disse ele, que não costuma ser deselegante com ninguém, mas nesse dia ficou muito alterado.
Quando foi para casa, conta ele, o militar descobriu que a sua terapia era o carro. “Não tem terapia melhor do que fazer o que gosta”, diz ele, que desmontou o Fiat inteirinho e levou para um latoeiro, que demorou um ano pra recuperar a lata, que “não prestava nada”. “Na fase que eu não podia fazer esforço, quando eu fazia quimioterapia a cada 21 dias, eu ficava lá mexendo no carro. Foi um ano e meio que me dediquei a desmontar tudo. Eu deixava meu corpo de lado e botava a minha alma na garagem. Foi o que ajudou a me recuperar do linfoma”, diz ele.
O colecionador só terminou de arrumar o carro em 2009. Aí pegou gosto “pela coisa” e começou a adquirir outros 147 e derivados. E cada carro tem um apelido e uma história.
Marcas da vida
Hilarino Calixto afirma que não tinha a intenção de colecionar os Fiats 147. Ele apenas tinha dó de ver os carrinhos “jogados” e passou a gostar tanto que decidiu salvar alguns. Hoje são nove na “coleção”.
E o primeiro que ele “salvou” de ser esquecido foi o “Paganré”, um 147L ano 1979. Este foi o único da coleção que de fato foi inteiro restaurado, enquanto Calixto se curava de um câncer. Todos os outros, diz ele, preferiu manter as “cicatrizes da vida”, como pequenas ferrugens, defeitos de pintura, etc. “Tento só manter eles higienizados e confiáveis de mecânica e elétrica, para andar com segurança”, afirma. Tanto é que ele sempre viaja para Wenceslau Braz, cidade de seus familiares, no norte do Paraná, e sempre ganha muitos “tchaus” e buzinadas empolgadas na estrada, de pessoas que também gostam do carrinho.
O “KVra”, um 147 top de linha, ano 1982, também foi outro que ele “salvou” por dó. Calixto conta que o carro estava jogado numa invasão, só “no osso”, o qual o dono tinha anunciado à venda por mil reais. O carro estava todo furado, tinha dois ninhos de rato dentro, e o dono botou à venda depois que o filho dele pegou leptospirose brincando lá dentro.
E com essa mania de “salvar” os carrinhos, algumas pessoas começaram a procura-lo, oferecendo os 147. Calixto fica triste por não poder comprar todos que aparecem.
Quase foi cortada
A “Jabiraca”, uma Fiorino ano 1987, o dono queria cortar para fazer uma carretinha. “Aí eu fiquei com muita dó e disse pro dono: ‘Não faz isso, ela ainda tem potencial.’ Aí ele me propôs comprar por R$ 200. Eu comprei. Mas à noite eu não conseguia dormir, pensando como é que eu ia contar pra minha mulher que eu tinha comprado mais um”, ri Calixto, que muito depois conseguiu o “perdão” da esposa.
Outra dificuldade que ele teve com a “Jabiraca” foi passar o carro em nome dele, pois o veículo não estava em nome da pessoa que lhe vendeu. Depois de pesquisar muito e ir atrás de diversas pessoas, ele encontrou o “dono”. “Ele nem lembrava mais. Fazia 10 anos que ele tinha passado o carro pra frente”, disse Calixto, que finalmente conseguiu transferir a “Jabiraca” para o seu nome.
Maior colecionador
Falando em regularização de documento, é isto que faz de Calixto, até onde se sabe, o maior colecionador de Fiats 147 do Brasil. Quem explica isso é Jorge Pinho, que é presidente de um dos Clubes de Fiat 147 do Paraná e organizador do Encontro Nacional de Fiat 147, que ocorrerá no dia 16 de novembro em Itupeva SP.
“Veja, tem pessoas que dizem que têm 10, 12 Fiats 147. Mas nunca abrem a garagem para comprovar o que dizem. Outros dizem que têm vários carros, mas não estão todos devidamente regularizados em seu nome, pra provar que o carro é seu. No caso do Calixto, todos estão devidamente documentados. Por isso, até que alguém prove o contrário, ele é o maior colecionador de 147 do Paraná, talvez do Brasil”, explica Pinho.
Calixto diz que, dos nove carros que possui na coleção, sete estão com os documentos rigorosamente em dia. Os outros dois estão com algumas questões administrativas ou judiciais sendo resolvidas. Porém de ambos ele possui os recibos de compra, autorizações e procurações que comprovam que ele é proprietário, até saírem os documentos definitivos.
Pioneiro em inovações
O Fiat 147 é um carro que divide dois públicos bem opostos: os que detestam e os que amam de paixão. “Tem muita gente que critica, reclama do estepe junto com o motor, que o motor não presta, que o pneu resseca, que as laterais traseiras internas eram de plástico, etc. Eu sinceramente acho que quem critica é porque não lida com o carro e não conhece bem, pois o 147 foi um carro de vanguarda para a época, um divisor de águas no automobilismo, cheio de pioneirismos”, diz o militar.
Entre as inovações estão: primeiro motor a álcool do mundo, motor transversal, primeiro sistema de cut off (sistema de economia de combustível e de controle de emissão de gases), primeiro com parachoque de plástico, desembaçador traseiro e coluna de direção articulada (que numa batida, dobra-se de um jeito que protege os ocupantes e não deixa o volante ir direto ao peito do motorista).
“Na época, todo mundo criticou essas coisas. Mas depois todo mundo copiou, várias destas inovações são usadas até hoje. E olha, o 147 é um carro econômico, ágil, confortável, era o mais estável da época. Por isso acho que foi muito injustiçado”, explica Calixto.
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