Nilma sorriu quando nos viu pela última vez. Parecia não se importar com os sinais do tratamento que enfrentava havia alguns anos. O mesmo sorriso aberto quando viu que nosso trabalho de conclusão de curso não tinha, justamente, a parte da conclusão.
Ela era assim. O conteúdo sempre esteve à frente da forma no seu dicionário de professora de português. De que vale a vírgula fora do lugar se não há mensagem? Impecabilidade formal nenhuma tem função diante da ausência de um único sorriso sincero.
Nilma levava essa máxima para fora das salas de aula da PUCPR, onde alguém precisa levantar seu busto – o mesmo no Godines, restaurante no Bigorrilho que adotou para levar os amigos. “A gente tem que escrever para tirar onda”, dizia, no alto da experiência de graduação e mestrado em Letras. Não se contentava em ler, tinha que pegar o espaço pela mão.
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Os ex-alunos faziam questão de ouvir seus ensinamentos sobre livros, música e viagens. Paris, sua preferida, perde uma ilustre visitante. São Paulo e Rio também estiveram nos destinos habituais das férias. E Santos, cidade que sempre voltava. Nilma gostava de futebol e do time de Pelé-Pepe-Coutinho.
Ela era a única a ter sala própria. Os alunos que subissem até o último andar do prédio vermelho para aprender os mandamentos da Nilmocracia, a ditadura que podia voltar. Em círculos, sempre, sem hierarquia, discutíamos os conteúdos e as referências, os espaços de fala e de escrita na publicidade e no jornalismo. Ela sabia do valor da comunicação muito antes da pós-verdade e do turbilhão de falsidades.
Nilma encenava os piores pesadelos nas primeiras aulas. Mãe de vigésima viagem com alunos que traziam um tom de arrogância. Aos poucos, as salas perdiam a tensão e davam lugar a ambientes extremamente prazerosos, geralmente às sextas-feiras, quando o pé está mais fora do que dentro da universidade. Depois, nem sabíamos mais se a relação era de alunos-professor ou de pura amizade.
Certa vez, a turma inteira passou em frente ao prédio dela e gritou seu nome. Nilma, além de não aparecer na janela, desdenhou de atitude no dia seguinte: “Não ouvi nada. Perderam tempo. A frente do meu apartamento era do outro lado da rua”. E mandou um sorriso meio raivoso meio sacana, o mesmo da Rainha Má que morou durante anos nas suas redes sociais. Ela nunca perdeu a ironia e o deboche.
Conta uma grande amiga dela que tiveram que aumentar a quantidade de sofás no hall do hospital nos últimos dias. O coração generoso bateu até o apito final. De alguma forma ela vive em cada aluno que formou, à medida que a palavra não morre. Não à toa se foi quando mais uma turma de comunicação da PUCPR colou grau, na segunda-feira (6).
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