Japão, 1580. O guerreiro adentra o salão devidamente paramentado. Não está vestido em armas, como estamos acostumados a pensar quando o assunto é samurais, mas porta trajes de seda que, em um ambiente cortesão, traduzem perfeitamente sua posição na hierarquia social. Seu nome é Yasuke e ele é um dos bushi de alto escalão do xogum Oda Nobunaga – um homem que, para inveja de muitos, é frequentemente demandado pelo ditador militar, que costuma levar em conta suas ponderações.
Yasuke, detalhe que motiva esta crônica, é um samurai africano, nascido, quem sabe, entre os makua ou os yawao de Moçambique ou, então, na Etiópia, reino que tinha no português Pero da Covilhã uma de suas pontes para o Ocidente e o Oriente. O primeiro samurai negro, o primeiro, aliás, da minúscula lista de não japoneses que, entre os séculos 16 e 19, ganharam o direito de portar as duas espadas – privilégio raro em uma sociedade de castas que optou pelo isolamento quase absoluto.
Yasuke chegara ao Japão em 1579 como servo de um jesuíta napolitano e, em pouco tempo, caíra no gosto do povo
Yasuke chegara ao Japão em 1579 como servo do jesuíta napolitano Alessandro Valignano e, em pouco tempo, caíra no gosto do povo. Primeiramente, pela cor da pele, desconhecida dos locais e tida, inicialmente, como alguma forma de pintura; em segundo lugar – depois que se descobriu que sua pele não era um truque, mas uma obra da natureza –, por seus modos e, especialmente, pela facilidade com que se comunicava na língua local. E por sua força física, indicada, em relato do próprio Oda Nobunaga, como superior à de dez homens.
O fato é que ele agradou e, graças à “pressão amiga” do ditador, trocou rapidamente a proximidade das batinas pelo serviço público e recebeu o nome com que entraria para a história. Dois anos depois, porém, em uma das muitas rebeliões anteriores à unificação Tokugawa (1603), Oda Nobunaga foi derrotado e forçado ao suicídio junto com todo o seu staff.
Estranhamente, porém, Yasuke foi poupado, tendo sido “devolvido” aos jesuítas que também faziam parte do jogo político no Japão feudal. A partir daí, mergulhou novamente no anonimato. Como guerreiro, porém, restou em crônicas e lendas japonesas, e também nas Cartas que os padres e irmãos da Companhia de Jesus escreveram sobre os Reynos de Japão e da Índia aos da mesma Companhia da Índia e Europa desde o anno de 1549 até 1580, publicadas em 1598 em Évora. Restou, ainda, como indício veemente do quão pouco sabemos sobre temas como a globalização e a presença negra no mundo.
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