Após 54 anos de trabalho como cirurgião-pediátrico no Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, o médico César Cavalli Sabbaga viu no decorrer da profissão as dificuldades e avanços da medicina infantil. Hoje, com 80 anos, o especialista calcula que tenha feito perto de 50 mil cirurgias em crianças ao longo da carreira – bagagem que carrega com muito carinho.
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Quando Sabbaga se formou em 1965, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), a especialização em cirurgia pediátrica não existia. Por isso, o cirurgião fez residência na área No Hospital Infantil Darcy Vargas em São Paulo no ano seguinte da sua formação. “Poucas pessoas conhecem a especialidade. Quando se trata de uma criança, é bem diferente. Ela é, de longe, nada parecida com um adulto”, revelou. Tanto na formação anatômica, como nas respostas do organismo em pré e pós-operatório, os pequenos reagem de forma distinta.
Com o passar dos anos, a cirurgia pediátrica foi demonstrando avanços. Técnicas e procedimentos de alto risco que antes comoviam o médico, hoje contam com altas taxas de sobrevida. “Durante minha residência médica, chegamos a operar 16 recém-nascidos com deficiência no esôfago, uma cirurgia de alto risco. A maioria deles não sobreviveu. Hoje, uma cirurgia dessas tem taxa de sobrevida de 95%”, relembra o profissional de um dos casos que mais o comoveu durante a carreira.
Outra situação marcante ocorreu na década de 1980. Um menino na área rural de Guarapuava precisou ser submetido a uma cirurgia no reto para um reparo numa deficiência congênita. Com isso, ele passou a ter incontinência fecal. Até que, aos 17 anos, o rapaz foi operado por Sabbaga – passando assim a controlar o movimento intestinal.
“Ele era um menino que ficava em posição fetal a maior parte do dia. Com a cirurgia, ele passou a não ficar mais incontinente e ter uma vida social normal. Casou, passou a jogar futebol. Isso me impactou muito”, relembra.
O médico sabe que uma cirurgia pediátrica tem que valer pelo resto da vida. “A criança precisa sobreviver e ter uma vida de qualidade, e isso é o mais difícil”, desabafou. Para ele, um procedimento cirúrgico em crianças tem que ter todo o cuidado para ser o menos traumático possível. E todo o cuidado é pouco: desde a colocação de uma máscara, uma injeção na veia, uma anestesia. “Tem que ser algo feito com muito carinho, brincar bastante, dar risada e criar um ambiente melhor”.
Mesmo depois do procedimento, o trabalho ainda continua. “É muito importante que a criança acorde sem dor, junto com os pais. Por isso, o trabalho do anestesista é valioso no papel de fazer com que se tenha o menor nível de dor possível”, comentou o médico.
Quando o pequeno paciente volta ao consultório recuperado, a sensação para Sabbaga é de dever cumprido – mas nem sempre é assim. “Tem que ter subsídio psicológico para saber que a criança às vezes não fica bem e a gente tem que enfrentar essa situação, que é difícil”, relatou o médico. Para ele, doenças incuráveis e resultados inesperados acontecem, por isso é necessário uma força interna muito grande e apoio psicológico para manter a sanidade. “Faz parte da medicina”, ponderou.
De médico para pai de paciente
Com três filhos e três netos, César Sabbaga sentiu a sensação de estar do outro lado – como pai de uma criança que passa por um procedimento cirúrgico – situação que teve muita influência no tratamento que hoje ele dá aos pais de seus pacientes. Em 1967, o filho mais velho do médico, hoje com 55 anos, precisou ser operado com apenas 19 meses para a correção de uma má-formação do rim. “Foi uma cirurgia complexa, com risco de vida, mas ele teve uma evolução fantástica”, afirmou.