Uma eventual perda de mandato da vereadora Fabiane Rosa (PSD), presa na segunda-feira (27) acusada de prática de “rachadinha”, criaria uma situação inusitada na Câmara Municipal de Curitiba. Há controvérsias entre juristas a respeito de quem teria direito à vaga que fosse deixada pela parlamentar, o que poderia levar a uma judicialização do caso. Existe a possibilidade até mesmo de um candidato que ficou na 180ª colocação nas eleições de 2016 assumir o cargo.
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Filiada atualmente ao PSD, Fabiane foi eleita em 2016 pelo então Partido Social Democrata Cristão (PSDC) – hoje apenas Democracia Cristã (DC). Sua migração ocorreu em abril deste ano, na chamada “janela partidária” – período que permite a troca de legenda sem que se configure infidelidade ao partido. A mudança, no entanto, não interfere na suplência, definida ainda em 2016, e pertencente, na ordem, aos candidatos mais votados não eleitos do DC, que não fez coligação no pleito proporcional na ocasião.
Em tese, o primeiro suplente do DC seria o Delegado Mikalovski, mas, em 2018, ele abdicou de uma vaga na Câmara Municipal quando foi convocado para assumir a cadeira deixada pelo vereador Cacá Pereira, convidado a ocupar cargo na Cohapar. Com isso, quem entrou no legislativo foi o segundo suplente do DC, Chicarelli.
Em 2019, Cacá Pereira reassumiu mandato na Câmara, retomando o lugar ocupado temporariamente por Chicarelli. Hoje Pereira está no Patriota.
Dança de filiações e desfiliações
Com um ofício em que Mikalovski abre mão de mandato na Câmara, a Casa deve convocar Chicarelli na eventual abertura de nova vaga. Mas, para a advogada Carla Karpstein, especialista em direito político, eleitoral e partidário, caso Fabiane tenha o mandato cassado, Mikalovski não perderia o direito de assumir o cargo por causa da renúncia em 2018, já que a decisão teria sido apenas em relação à cadeira de Pereira. “A linha de sucessão é mantida”, diz.
Aí entra outra questão ainda sem consenso jurisprudencial. Mikalovski não é mais filiado ao DC, e seria esse, sim, um motivo para tirar dele o direito à sucessão, segundo Carla. “A suplência é da coligação proporcional ou, no caso de não haver coligação, do partido”, afirma.
A interpretação do advogado Guilherme de Salles Gonçalves, que atua nas áreas de direito público e eleitoral, é outra. Para ele, a ordem sucessória é definida no resultado das eleições, conforme a coligação ou partido, mas a suplência passa a ser, a partir de então, direito de caráter pessoal.
“A Câmara necessariamente tem de dar posse ao primeiro na ordem de votação, não interessa se já não esteja mais no partido”, diz Gonçalves. Segundo esse entendimento, entraria Mikalovski. “Depois o DC ou o primeiro suplente que ainda está no partido pode até entrar com uma ação na Justiça Eleitoral pleiteando o mandato, por causa da desfiliação do primeiro suplente”.
Foi o que ocorreu com uma cadeira do PDT, originalmente pertencente a Goura e que, com sua eleição a deputado estadual, foi ocupada por Jonny Stica e posteriormente por Professor Matsuda, quando Stica assumiu cargo na Fomento Paraná. Como Matsuda migrou para o PPL e depois voltou para o PDT desde as eleições de 2016 até assumir o mandato, o terceiro suplente do partido, Dalton Borba, ingressou com ação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) pedindo direito à vaga, alegando infidelidade partidária de Matsuda. A Justiça Eleitoral deu ganho a Borba, que hoje ocupa uma das cadeiras da Casa.
Oito suplentes do DC deixaram o partido desde 2016
No caso do DC, não foi só Mikalovski que deixou o partido desde a eleição de 2016. O próprio Chicarelli teve sua filiação ao partido cancelada em abril de 2020. E mais: na lista dos candidatos mais votados do DC que não foram eleitos aparecem, depois de Mikalovski e Chicarelli, os nomes de Pastor Genival, Bernardo Duarte, Fernando da Padaria, Professora Sonia Brüsch, Gerson Gunha e Renato Gorski. Nenhum deles está filiado ao DC no momento, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O primeiro candidato do DC nas eleições de 2016 que ainda permanece no partido é Ademir do Olympique, que ficou na 180ª colocação em número de votos, tendo sido escolhido por 1.083 eleitores. A título de comparação, o vereador eleito com menos votos, Ezequias Barros (ex-PRP, hoje PMB), teve 3.003 votos. Serginho do Posto (PSDB), o mais votado, teve 11.272.
O total de votos do candidato, aliás, abre outra brecha para judicialização da questão. De acordo com a lei eleitoral vigente em 2016, para ter direito a uma vaga no legislativo, o candidato precisava obter, no mínimo, 10% do chamado quociente eleitoral – a relação entre votos válidos e total de cadeiras da Casa. Em Curitiba, o quociente foi de 22.082 e, portanto, para poder assumir um mandato, era necessário ter feito mais do que 2.208 votos.
“Talvez ninguém vá conseguir assumir. Há casos em que isso ocorre”, conta Carla. “Ou a Justiça pode decidir dar a vaga ao primeiro mais votado que está no DC, eventualmente dirimindo a regra dos 10%.”
Fabiane continua, por ora, com seu mandato preservado na Câmara Municipal de Curitiba, ainda que esteja presa. Ela pode perder o mandato por decisão do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Casa, composto de nove membros e presidida por ela mesma, ou por uma determinação judicial. Mesmo sem denúncia formal à Câmara dos supostos ilícitos cometidos por Fabiane, a Mesa Executiva, formada por sete vereadores, pediu abertura de investigação contra a parlamentar.
Na terça-feira (28), ela teve um pedido liminar de habeas corpus negado pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). De acordo com as investigações, ela teria reiteradamente se apropriado de valores desviados de verbas salariais oriundas de funcionários comissionados, em um esquema conhecido como “rachadinha”. A defesa da parlamentar nega as acusações.
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