A presença mais efetiva da Guarda Municipal (GM) nos ônibus de Curitiba tem surtido efeito. Mas ainda não é suficiente para que as passageiras se sintam mais seguras. A prisão de um suposto advogado por abusar de uma jovem dentro de um ônibus da linha Araucária/Curitiba, na manhã de segunda-feira (17), colocou em discussão novamente a questão dentro do transporte coletivo. Desde fevereiro, quando implantou a Patrulha do Transporte Coletivo, para evitar abusos e furtos nos ônibus, a GM atendeu dez ocorrências de assédio sexual ou atos obscenos no sistema de transporte. Todos os suspeitos foram identificados e presos.
Casos como o de segunda-feira, em que o abusador foi preso, autuado por estupro e deve continuar detido, têm se repetido. Em fevereiro, uma estudante foi violentada num ônibus da linha Inter 2. Um mês depois, o suspeito foi preso e saiu da cadeia antes de a vítima concluir seu depoimento.
Embora tenham reparado a atuação da GM, mulheres relataram que o medo é diário e que se sentem angustiadas ao entrar nos ônibus. “É bem difícil. Comigo nunca aconteceu nada e eu também nunca presenciei algo do tipo, mas só a sensação que temos todos os dias já tem sido complicada”, diz a estudante Rebeca Fuccio Pagotto, 25 anos. Por isso, ela adota algumas medidas preventivas dentro dos ônibus. “Fico sempre muito atenta. Entro, olho, vejo quem está ao lado e deixo sempre minha bolsa por perto. A gente não se sente à vontade e nunca sabe quando poderemos ser vítimas”.
Denúncias
As queixas de abuso podem ser feitas no telefone 153 da Guarda Municipal. As denúncias também podem ser feitas para a Polícia Militar pelo 190 ou ainda para o telefone direto da Delegacia da Mulher, no número (41) 3219-8600.
Ela fala que reagiria se acontecesse algo parecido com ela ou com alguém próximo. “Acredito que a população tem que ser solidária também, porque a gente precisa se unir para se defender. As pessoas têm que se colocar no lugar do outro e os homens têm que pensar: e se fosse minha filha, minha namorada, esposa?”.
Rafaela Moraes, 25, relata que nunca aconteceu nada com ela, mas que também interviria. “Eu tiraria a pessoa de perto do individuo e não ia deixar quieto”. A jovem disse que pega ônibus poucas vezes na semana e que não se sente bem dentro dos coletivos. “A sensação que eu tenho é que sou um pedaço de carne. A gente fica sem jeito. Parece que eu não tenho o direito de estar ali, de estar com a roupa que eu estou, é horrível”. Na opinião dela, as pessoas geralmente se omitem ao ver algo do tipo acontecer perto delas. “Mas acho que isso tem melhorado. E é o que tem que acontecer. As pessoas precisam pensar nas outras”.
Máquina de choque
Na tentativa de buscar uma forma de se sentirem seguras, algumas mulheres apelam para artifícios. Algumas delas não sentem medo e dão bolsadas nos abusadores, mas outras têm buscado objetos mais agressivos. “Eu ando com uma taser [máquina de choque] na bolsa. Comprei justamente para me defender”, conta uma jovem, que pediu para não ser identificada.
Guardada na bolsa, a máquina fica carregada e pronta para dar um choque em quem tentar abusar, mas a moça disse que ainda não precisou usar. “E também não quero ter que usar. Mas se for preciso, não vou ter medo. Porque ou a gente reage, ou a gente é abusada. Ninguém vai olhar pela gente, se não nós mesmas”, desabafa.
Uma moça que já foi violentada dentro de um ônibus – que também prefere não se identificar – pensa em comprar um spray de pimenta. “Se vier pra cima, espirro no olho e grito para segurarem até a Guarda Municipal chegar. A gente tem que parar de sentir medo e suportando os olhares pra cima da gente”, comenta.
“Já eu, quando aconteceu comigo dentro do ônibus, joguei a bolsa com tudo pra cima dele. Não me preocupei e nem senti vergonha das outras pessoas”, lembra uma mulher de 42 anos, que também já foi abusada num coletivo. “Faz tempo, mas eu faria de novo”.
A delegada Waleska Souza Martins, da Delegacia da Mulher, explica que embora seja entendível que as mulheres queiram se proteger, o uso de objetos – como a taser e o spray de pimenta – é proibido e pode trazer complicação para quem portá-los. “A orientação que nós damos é de que elas peçam socorro ao motorista ou ao cobrador do ônibus. Nem sempre as outras pessoas vão ajudar, então, procurem essas pessoas, que eles vão saber o que fazer”.
Presos
O que revolta muito a população é o fato de que, quando presos, os homens que violentam as mulheres nos ônibus acabam saindo da cadeia. Dos casos atendidos pela GM, dois deles repercutiram bastante nas redes sociais e na imprensa: o do “Tarado do Centenário” e o do “Tarado do Inter 2”. Os dois foram presos, mas acabaram liberados em pouco tempo.
Segundo a delegada Waleska Martins, é uma questão complicada, pois depende de cada caso e da forma que o crime aconteceu. “Por exemplo, se o homem se masturbar na frente de algumas pessoas, mas sem se direcionar a uma delas apenas, não é estupro, é contravenção. Neste caso, ele não fica preso, assina um termo circunstanciado e é liberado”. Já no caso de haver violência, insistência ou se o abusador encostar na vítima, fica caracterizado estupro. “E aí, nesse caso, a pessoa fica presa e não nos cabe sequer arbitrar fiança. Quem vai decidir o destino dessa pessoa é a Justiça”.
O que irrita a população são os casos de contravenção, porque o autor do crime pode acabar saindo da delegacia antes mesmo da vítima. “Mas é a lei que, infelizmente, é antiga e ainda não foi atualizada. Temos que seguir. O que nós orientamos e pedimos é que as vítimas não tenham medo, vergonha e sempre denunciem”, explica a delegada.